Alexandre Lucas – Círculo estrelado ou nosso mundinho de artista

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O gueto é um mundo fechado com discurso de liberdade tal qual festinha de artistas. Quanto mais os artistas se fecham nos seus círculos estrelados, mais a arte se distancia do grande público, em especial na contemporaneidade, na qual muitos artistas tentam a todo custo fazer sobressair a forma em detrimento do conteúdo, ou, muitas vezes, o conteúdo é tão distante da realidade das camadas populares que acaba criando não só o estranhamento mas a própria aversão a muita coisa do que é produzido.

No Renascimento, os humanistas, por exemplo, preferiam escrever em latim que na sua própria língua para que se distanciassem das massas. Na atualidade, muito dos nossos artistas falam para dentro dos seus guetos e produzem para eles. A arte torna-se um entretenimento para ser mostrada aos amigos, criando uma espécie de moeda de troca entre iguais. Somente os dos círculos estrelados entendem (faz de conta que entendem) e somente a eles bastam!

O povo que se lasque! O povo é um corpo estranhado neste círculo estrelado. O povo não entende de arte? Será? Na acepção de muitos artistas, as camadas populares são alienadas e têm uma preferência estética das piores e por isso não compreendem as grandes maravilhas dos iluminados (grandes iluminações?).

Parece-me que por vezes, a arte para alguns guetos é um entorpecente, um fim por si só. O contentamento (o prazer) é gerado em reunir os amigos em um só canto, num canto de afinidades e pronto, ponto final mesmo.

Pertenço a esse círculo, apesar de me ver fora dele. Cansei de fazer arte para artistas. Quero uma arte conjugada com o povo e com a dimensão da vida. Uma arte que tenha as cores verde e amarela, vermelha e branca, o batuque dos ancestrais e o som eletrônico, o cheiro das rosas e o suor do descarrego, o sorriso gratuito e a revolta contra a opressão, o olhar da inquietação e de inclusão. Uma arte que possa ser festa pública e não festinha para artistas. Uma arte que seja sinônimo de participação ativa, de coletividade, de fraternidade e humanização.

Espero que um dia possamos ser um exército de artistas que falem, pintem, dramatizem, dancem e cantem para os excluídos da arte, ou melhor, que a arte não seja roubada da vida de cada um.

Acho que sou (somos) um corpo estranhado neste círculo estrelado.

Alexandre Lucas é Coordenador do Coletivo Camaradas, pedagogo, artista/educador e membro do Conselho Municipal da Cultura

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