Aborto desponta entre principais causas de mortalidade materna

28 de maio, Dia Internacional de Ação pela Saúde da Mulher, é também o Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna. Estudos apontam que, a cada minuto, uma mulher morre no mundo em decorrência do trabalho de parto ou complicações da gravidez. No Brasil, as maiores vítimas são de baixa renda,pouca escolaridade e em sua maioria mulheres negras, numa estreita relação com a desigualdade social.

Segundo o Ministério da Saúde – MS, as altas taxas de mortalidade materna compõem um quadro de violação dos direitos humanos de mulheres e de crianças. Entre as principais causas, o aborto. Em Salvador, por exemplo, a cada 100 internações por parto, 25 são em decorrência do aborto – a média nacional é de 15 para 100. As estatísticas também colocam a capital baiana com um índice de mortalidade materna cinco vezes maior que o mínimo definido como aceitável pela Organização Mundial de Saúde – OMS, que é de 10 óbitos por cada 100 mil gestantes. Os dados são do estudo “A Realidade do Aborto Inseguro na Bahia: a Ilegalidade da Prática e os seus Efeitos na Saúde das Mulheres em Salvador e Feira de Santana”, publicado em 2009.

O mesmo estudo aponta a curetagem pós-aborto enquanto o segundo procedimento mais frequente na rede do Sistema Único de Saúde – SUS. Somente em 2007, foram realizadas mais de 8,3 mil. De acordo com o artigo 128 do Código Penal, datado de 1940, o aborto só é permitido em casos de ameaça à vida da gestante ou gravidez derivada de estupro. O reflexo disso é a prática ilegal – e, portanto, insegura e implicando em sérios riscos à saúde da mulher -, que vitima, majoritariamente, as mulheres de classes sociais mais baixas e com pouco acesso a serviços de saúde de qualidade. “O aborto é um problema de saúde pública. O Estado é laico e cabe a ele a edição de políticas públicas que dêem respaldo para que quem queira fazer aborto, possa fazê-lo com segurança”, afirmou a médica e integrante do Conselho Estadual da Mulher da Bahia, Julieta Palmeira.

Pesquisa da Universidade de Brasília – UNB e Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero – Anis, publicada na Revista Ciência & Saúde Coletiva este ano, aponta que uma, em cada cinco mulheres, já realizou aborto no Brasil. A incidência é maior na faixa dos 18 aos 29 anos: 60%, dos quais 24% entre mulheres de 20 a 24 anos. O meio mais utilizado é o uso de medicamentos – misoprostol em particular – que, se aplicado sob orientação médica adequada, não implicaria em riscos à saúde. “É preciso também enquanto permanecem as proibições legais, implementar, no país, uma política de redução de danos. Não se trata de uma postura abortista, mas de uma questão de respeito ao foro íntimo da mulher, que deve ter total autonomia sobre o seu corpo e tem a ver com com seus direitos sexuais e reprodutivos. Segundo que envolve, uma questão de evitar que as mulheres morram por causa de um aborto inseguro”, enfatizou Julieta Palmeira.

Dados do Ministério da Saúde de 2007 revelam que aproximadamente 220 mil internações, nas unidades do SUS, foram motivadas por aborto inseguro. A recente pesquisa da Unb e Anis ratifica esses índices e comprova que as mulheres que fizeram aborto continuam recorrendo ao Sistema Único de Saúde – cerca de 50% – e também são internadas por complicações relacionadas à prática. Já em Salvador, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, a gravidez, o parto e o puerpério (fase pós-parto) foram as causas mais freqüentes de internação hospitalar em 2006 – mais de 39 mil ou 44% de todas as internações no SUS, das quais 22% referem-se a gestações que terminaram em aborto. A própria Secretaria admite ainda que 80% dos óbitos maternos são evitáveis, desde que sejam tomadas precauções, como o acompanhamento pré-natal.

Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal

Fundamentado nos princípios do respeito aos direitos humanos de mulheres e crianças; a consideração das questões de gênero, dos aspectos étnicos e raciais e das desigualdades sociais e regionais; a decisão política de investimentos na melhoria da atenção obstétrica e neonatal; e a ampla mobilização e participação de Gestores e organizações sociais; o Governo Federal lançou, em 2004, o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal. Primeira pactuação entre gestores e sociedade civil organizada e apoiada pelas 27 unidades federativas, o Pacto foi premiado pela ONU como exemplo de mobilização para o cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.

Na prática, a aplicação do Pacto resultou na preservação da vida de cinco mil recém-nascidos e 200 mulheres em três anos; um aumento de 92% no número de Comitês de Estudo da mortalidade materna (de 390 para 748 comitês municipais); a sistematização e publicação massificada das principais causas do óbito materno e neonatal; e a incorporação do conceito do óbito materno e neonatal como agressão aos direitos humanos; entre outros pontos. O número de consultas pré-natal via SUS, por exemplo, registrou um crescimento de 125%, de 2003 a 2009.

A isso se atribui também a Política Nacional de Direitos Sexuais e de Direitos Reprodutivos, lançada em 2005, e uma das responsáveis pelo estímulo a adoção de boas práticas na atenção obstétrica e neonatal, e na qualificação do atendimento às emergências obstétricas nas maternidades e no SAMU.

De Salvador,
Camila Jasmin