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Serra Ventania e os juros: quem não te conhece que te compre

O presidenciável tucano José Serra provocou uma Ventania", segundo suas palavras, ao interromper com cólera uma pergunta da jornalista Miriam Leitão sobre o Banco Central e os juros, em entrevista para a rádio CBN nesta segunda-feira (10). A fúria do ex-governador virou o tema eleitoral desta semana de anúncio da seleção. Mas o tema merece atenção, quanto ao estilo e principalmente ao conteúdo.

Por Bernardo Joffily


"Olha, eu não vou falar do BC hoje, senão de novo vai causar uma ventania sem razão", disse Serra em entrevista ao SBT, nesta terça-feira (11), em Goiânia. A "ventania" agravou-se em especial devido à atitude destemperada do presidenciável tucano, ao interromper por quatro vezes Miriam Leitão – que longe de qualquer suspeita de lulismo, é uma das caciques do PIG ("Partido da Imprensa Golpista", na sigla popularizada por Paulo Henrique Amorim).

A fúria de segunda e a desculpa de terça

O entrevero ocorreu quando Miriam, seguindo a cartilha do PIG e da ortodoxia neoliberal, pôs em "dúvida" se "o senhor vai respeitar a autonomia do Banco Central. A cena está disponível, em áudio e também em vídeo, pois a entrevista foi filmada (clique aqui para ouvir ou ver, no site da CBN).

Serra interrompeu a jornalista, dizendo que "é brincadeira, falta de assunto". Depois interpelou-a: "Você acha que o Banco Central nunca erra? Ora, tenha paciência… Qualquer criticazinha já vem algum jornalista, ficam nervozinhos por causa disso."

A pobre Miriam, eleitora inarredável do tucano, Fez nova tentativa: "Deixa eu completar minha pergunta, que eu não consegui completar…" Mas o ex-governador voltou a cortá-la: "Isso é bobagem, é uma grande bobagem". E assim por diante.

A descortesia pegou tão mal que Serra se julgou na obrigação de dar uma desculpa: “Não houve nenhum propósito agressivo. Foi apenas o calor de uma discussão com uma repórter muito preparada, que tem convicções, a qual eu respeito bastante.”

O candidato pôs a culpa no horário da entrevista à CBN – 8 horas da manhã, quando sé sabido que ele só começa a funcionar à tarde e costuma ficar mal humorado pela manhã: “O meu humor vai melhorando sempre ao longo do dia. O ponto alto é a noite, mas é uma questão de fuso horário. Desde que nasci sou assim", alegou em Goiânia, onde sua agenda foi cuidadosamente concebida para não incluir compromissos matutinos.

Os número do gráfico falam por si

O destempero diz muito sobre o temperamento e o estilo do candidato que pretende eleger-se presidente por se julgar "mais preparado". Porém é preciso entrar no mérito da questão – a autonomia do Banco Central e a sua política de juros – para extrair todos os ensinamentos que o episódio proporciona.

José Serra, que só perde as estribeiras quando julga que vai ganhar com isso, com certeza escolheu a dedo o momento de sair do sério. Afinal, a linha de juros altos do Banco Central tem sido o ponto mais criticado da política econômica do ultrafestejado governo Lula (tão popular que nem o candidato da oposição ouse se opor).

Porém os números do gráfico que ilustra esta matéria falam mais alto que as tiradas contra os "sumo-sacerdotes" do Banco Central. A Selic (taxa básica de juros) do BC foi criada no governo Fernando Henrique, que teve Serra do princípio ao fim como ministro, primeiro do Planejamento, depois da Saúde. A Selic de Lula, ou mais exatamente de Henrique Meirelles, presidente do Banco, por certo foi mais alta do que devia (que o digam os sindicatos de trabalhadores, e também os capitalistas do chamado setor produtivo, unânimes em criticá-la). Mas empalidede diante das taxas delirantes de FHC.

Cadeia para os diretores do BC tucano

José Serra deveria ter pudor em criticar os juros altos, depois de conviver com gente como os presidentes do BC nas gestões de Fernando Henrique – cujas gestões estão indicadas no gráfico. Gente como Gustavo Franco, acusado de "neoliberal extremado e petulante" pela revista Veja (!!! vale a pena ver a matéria, de 1997; clique aqui). Ou Armínio Fraga, ex-funcionário do megaespeculador americano George Soros. Ou, pior, o fugaz Francisco Lopes, defendido pela Veja na matéria citada, que em três meses de gestão aprontou o Escândalo Cacciola e pegou uma condenação a dez anos de cadeia em regime fechado, ao lado de sete outros diretores do BC na época (mas todos recorreram e continuam livres como passarinhos).

Foram esses colegas de Serra que moveram, no governo FHC, a campanha pelo que então se chamava independência do Banco Central. Por que submeter os sagrados interesses do capital financeiro usurário a "questões menores" como o voto do povo?, questionavam eles. E defendiam um BC independente do poder público e do próprio presidente, com mandatos fixos e inamovíveis.

A proposta era tão violentadora do princípio da soberania popular ("Todo o poder emana do povo…) que nem o próprio FH ousou levá-la avante, embora simpatizasse com ela. Veio 2002 e a eleição de Lula tirou essa gente do Planalto. O termo "independência do BC" também foi arquivado, substituido por "autonomia do BC", pornuma iniciativa do hoje deputado Antonio Palocci (PT-SP), que também não prosperou.

Uma hipotética eleição de Serra traria de volta ao poder justamente a turma da Selic de 45% (27,5% reais) e da independência do Banco Central. Por mais que ele tenha esbravejado com Miriam Leitão, cujo voto com certeza continua a ser dele, apesar dos desaforos de segunda-feira.

A cautela de Dilma

A candidata presidencial de Lula, Dilma Rousseff, viu-se obrigada a comentar a entrevista de seu concorrente. Cercou-se de cautelas, e é interessante observar suas palavras. Em vista a Rio Grande (RS), observou que o BC " tem autonomia operacional e não é necessário que introduzam nenhum modificação".

A novidade, em relação a Gustavo Franco e a Palocci, está no "operacional", que qualifica para melhor a "autonomia". De resto, não se poderia esperar da candidata da situação qualquer crítica ao governo que a projetou, nem muito menos ao presidente que é o seu cabo eleitoral número um, ainda mais no momento em que o seu rival tropeça nas próprias pernas.

Mas onze em cada dez observadores da política brasileira atestam: Dilma foi uma participante permanente da "ala desenvolvimentista" do governo Lula e sempre fez o que esteve ao seu alcance para baixar os juros. Como sua plataforma é de continuidade e também de avanço, é de se esperar que o seu governo avance também na republicanização do BC.

Outros petistas expressaram-se mais claramente. É o caso do ex-ministro José Dirceu, que em seu blog taxou de "pura retórica e bazófia" as afirmações do presidenciável tucano.

"Quando FHC governou o Brasil, Gustavo Franco imperava no BC e com sua política de câmbio arruinou, faliu o país duas vezes. Nunca vimos Serra fazer nada, nem uma critica pública. Quando FHC governava o Brasil passamos o vexame da barbeiragem – para dizer o mínimo – do Chico Lopes na presidência do BC. Quer dizer, conhecemos o modo tucano de governar o BC e sabemos que não serve para o Brasil. E mais: temos autoridade para dizê-lo já que nunca deixamos de criticar o BC quando ele fez sua política conservadora de juros", afirmou Dirceu, que não é candidato a nada e portanto pôde por os pingos nos ii.