Movimento de Cultura Popular comemora 50 anos

Na última quinta-feira (13), o Movimento de Cultura Popular completou 50 anos de fundação. O movimento pernambucano que se tornou referência no Brasil foi criado no dia 13 de maio de 1960, como uma instituição sem fins lucrativos, durante a primeira gestão de Miguel Arraes na Prefeitura do Recife.O MCP, como ficou conhecido, foi responsável pela alfabetização de jovens e adultos pobres, e ajudou a revelar talentos na música, na pintura e no teatro.

Aberlardo da Hora

O MCP recebeu diversas influências, principalmente de obras e autores franceses. Seu nome foi herdado do movimento francês Peuple et Culture (Povo e Cultura). Suas atividades iniciais eram orientadas, fundamentalmente, para conscientizar as massas através da alfabetização e educação de base.

Era constituído por estudantes universitários, artistas e intelectuais e tinha como objetivo realizar uma ação comunitária de educação popular, a partir de uma pluralidade de perspectivas, com ênfase na cultura popular, além de formar uma consciência política e social nos trabalhadores, preparando-os para uma efetiva participação na vida política do País. Sua sede funcionava no Sítio da Trindade, antigo Arraial do Bom Jesus, localizado no bairro recifense de Casa Amarela.

Como ressalta um dos seus idealizadores, o professor Germano Coelho (depois prefeito da cidade de Olinda):

[…] O Movimento de Cultura Popular nasceu da miséria do povo do Recife. De suas paisagens mutiladas. De seus mangues cobertos de mocambos. Da lama dos morros e alagados, onde crescem o analfabetismo, o desemprego, a doença e a fome. Suas raízes mergulham nas feridas da cidade degradada. Fincam-se nas terras áridas. Refletem o seu drama como “síntese dramatizada da estrutura social inteira”. Drama também de outras áreas subdesenvolvidas. Do Recife com 80.000 crianças de 7 a 14 anos de idade sem escola. Do Brasil, com 6 milhões. Do Recife, com milhares e milhares de adultos analfabetos. Do Brasil, com milhões. Do mundo em que vivemos, em pleno século XX, com mais de um bilhão de homens e mulheres e crianças incapazes sequer de ler, escrever e contar. O Movimento de Cultura Popular representa, assim, uma resposta. A resposta do prefeito Miguel Arraes, dos vereadores, dos intelectuais, dos estudantes e do povo do Recife ao desafio da miséria. Resposta que se dinamiza sob a forma de um Movimento que inicia, no Nordeste, uma experiência nova de Universidade Popular.

Administrativamente, era divido em três departamentos: o de Formação da Cultura (DFC); o de Documentação e Informação (DDI) e o de Difusão da Cultura (DFC). Dos três, o Departamento de Formação e Cultura foi, durante a existência do MCP, o mais atuante. Era composto por dez divisões: Pesquisa, dirigido por Paulo Freire; Ensino; Artes Plásticas e Artesanato, cujo diretor era Abelardo da Hora; Música, Dança e Canto; Cinema; Rádio, Televisão e Imprensa; Teatro; Cultura Brasileira; Bem Estar Coletivo; Saúde; Esportes, que funcionavam através de programas e projetos especiais.

Como uma das propostas básicas do MCP era a educação de adultos, em setembro de 1961, foram criadas escolas de rádio que visavam suprir esse segmento educacional bastante carente. Em 1962, professores e intelectuais organizaram uma cartilha intitulada Livro de leitura para adultos ou Cartilha do MCP para a alfabetização de adultos. Os programas radiofônicos eram transmitidos pelas rádios Clube de Pernambuco e Continental.

As aulas eram ministradas à noite e os alunos adultos compartilhavam o mesmo espaço das escolas diurnas para crianças e adolescentes, mas foi necessária a abertura de novas unidades, além da aquisição de mais aparelhos de rádio. O processo de elaboração e transmissão era coordenado por um grupo central, com o auxílio de monitores, orientações do Guia do alfabetizado e o apoio de universitários.

Devido à proximidade das eleições para o Governo de Pernambuco, em 1962, o Movimento enfrentou muita pressão política. Os jornais publicaram diversas matérias e artigos fazendo críticas a sua atuação. Para respondê-las, os dirigentes do MCP divulgaram uma extensa nota, intitulada Do Movimento de Cultura Popular ao povo, onde fazem um relatório de todas as suas atividades e rechaçam as acusações. Assinada pelo seu presidente Germano Coelho e todos os diretores, foi publicada no Jornal do Commercio, Recife, no dia 2 de setembro de 1962 (p. 29), parcialmente transcrita abaixo:

[…] O conceito do MCP se impõe de tal forma hoje, no plano nacional, que nem sequer o atingem a estreiteza dos obscurantistas, e leviandade dos irresponsáveis, o primarismo dos ignorantes, a frustração dos incapazes de construir e as calúnias dos difamadores profissionais. É Anísio Teixeira, diretor do Instituto Nacional de Estudo Pedagógicos, quem depõe sobre a imprescindibilidade no MCP na atual conjuntura brasileira, considerando o seu livro “Leitura para Adultos” como a melhor obra existente no gênero hoje no país. É Darcy Ribeiro, do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, atualmente reitor da Universidade de Brasília, quem cita o MCP, como instituição modelar de educação e cultura para o povo, em sucessivas conferências proferidas em São Paulo, Belo Horizonte, Salvador, Rio e e Brasília. […] todo o povo do Recife sabe que o MCP é antes e acima de tudo idealismo, abnegação, honestidade, competência técnica e espírito de voluntariado de populares, intelectuais e estudantes: são 201 escolas instaladas em menos de três anos, com 626 turmas, diurnas, vespertinas e noturnas; são 19.646 alunos, crianças, adolescentes e adultos recebendo educação primária, supletiva e de base.[…]. Ataques desta ordem, planejados, coordenados e desfechados, às vésperas de eleições, contra o MCP têm um só objetivo: amesquinhar, com propósitos escusos, obra administrativa séria, patriótica e apolítica que segundo o testemunho de alguns dos maiores educadores brasileiros honra as tradições culturais do Recife. […]

Apesar de enfrentar pressões e críticas de oposicionistas do governo Miguel Arraes, o MCP teve um grande desenvolvimento. No final de 1962, já contava com quase 20.000 alunos divididos em mais de seiscentas turmas, distribuídos entre duzentas escolas isoladas e grupos escolares; uma rede de escolas radiofônicas; um centro de artes plásticas e artesanato, com cursos de cerâmica, tapeçaria, tecelagem, cestaria, gravura e escultura; mais de 450 professores e 174 monitores de ensino fundamental, supletivo e educação artística; uma escola para motoristas-mecânicos; cinco praças de cultura, com bibliotecas, cinema, teatro, música, tele-clube, orientação pedagógica, recreação e educação física; o Centro de Cultura Dona Olegarina, no Poço da Panela, que, em parceria com a Paróquia de Casa Forte, oferecia cursos de corte e costura, alfabetização e educação de base; círculos de cultura; uma galeria de arte (a Galeria de Arte do Recife); um conjunto teatral, que já havia encenado, entre outras, diversas peças, como A derradeira ceia, de Luiz Marinho e A volta do Camaleão Alface, de Maria Clara Machado.

Participaram do MCP intelectuais e artistas conhecidos como Francisco Brennand, Ariano Suassuna, Hermilo Borba Filho, Abelardo da Hora, José Cláudio, Aloísio Falcão e Luiz Mendonça. O movimento também contou com o apoio de instituições políticas de esquerda como a União Nacional dos Estudantes (UNE) e o Partido Comunista, entre outras
Por causa do clima político existente na época, o MCP alcançou repercussão nacional, servindo de modelo para movimentos semelhantes criados em outros estados do Brasil.

O Movimento de Cultura Popular do Recife foi extinto com o golpe militar, em março de 1964. Dois tanques de guerra foram estacionados no gramado da sua sede, no Sítio da Trindade. Toda a documentação do Movimento foi queimada, obras de artes destruídas e os profissionais envolvidos foram perseguidos e afastados dos seus cargos.

Fonte : Site da Fundação Joaquim Nabuco

FONTES CONSULTADAS:

MOVIMENTO de Cultura popular: memorial. Recife: Fundação de Cultura Cidade do Recife, 1986. 341 p. (Coleção Recife, v. 49).

MOVIMENTO de Cultura Popular. Disponível em:. Acesso em: 8 jul. 2008.

SILVA, Maria Betânia e. Refletindo sobre o movimento de cultura popular: espaço para a arte? Disponível em: . Acesso em: 8 jul. 2008.

SOUZA, Kelma Fabíola Beltrão de. Abordagem sobre a cultura popular utilizada no Movimento de Cultura de Popular de Pernambuco. Disponível em: . Acesso em: 18 jul. 2008.