O cinema por Rosemberg Cariry

O cineasta cearense Rosemberg Cariry integra a comissão que vai eleger o melhor longa do Cine-PE, ao mesmo tempo em que o filho, Petrus Cariry, participa do festival como único cearense,  na categoria curtas-metragens 35 mm, com "A Montanha Mágica". Nessa entrevista, fala sobre as diferenças de público com relação ao Cine Ceará, além das reivindicações do Congresso Brasileiro de Cinema (CBC), do qual é presidente. Ainda revela que já tem o projeto de um novo filme: "O auto do Lampião no além".

Rosemberg Cariry

Que tipo de avaliação você faz sobre os filmes exibidos aqui ?

Não só o Cine-PE, mas também os demais festivais começam a refletir a atual produção brasileira que é marcada por uma diversidade muito grande. Você tem documentários, começa-se a diversificar também os gêneros, com filmes voltados pra adolescência, de humor, documentários mais sociais. Isso de certa forma traduz o atual estágio da produção brasileira, que é muito diversificada. Um avanço técnico significativo, mas que ainda enfrenta uma grande dificuldade, que é a procura do seu público, ou seja, a distribuição ainda é uma questão muito difícil pro cinema brasileiro. É o grande gargalo, digamos assim. Nós, os cineastas brasileiros, estamos produzindo muito, por volta de 80 a 90 filmes por ano, ou seja, é um número significativo. No entanto, estamos com uma faixa de 10% do mercado. Isso é uma média, que varia de ano pra ano.

Há uma temática muito puxada pra violência nas cidades… E poucos filmes que retratam o homem do interior, uma característica da sua produção…

Eu acho que tem muito filme de curta-metragem que busca esse encontro com o homem brasileiro e com a diversidade cultural brasileira. São muitos os filmes que retratam, interpretam as manifestações culturais, tanto rurais como também urbanas. Quanto a essa questão da violência, eu acho que o que é urbano, o que é rural, é uma falsa questão. Na verdade, no fundo, no fundo, trata-se do homem brasileiro em trânsito entre o urbano e o rural, a modernidade e a pós-modernidade. Somos uma sociedade muito inquieta e em trânsito, que passa por mudanças muito significativas e profundas. A reação do público sempre me parece muito esquizofrênica, contraditória. Aplaude o bandido e tem medo do bandido, entre a ameaça que se critica, mas ao mesmo tempo uma humanização da bandidagem, bem esquisito.

O Cine-PE é um festival que atrai bastante o público…

Uma das características do Cine-PE é exatamente esta. O cineteatro lá do Centro de Convenções está sempre lotado em todas as sessões com uma participação muito atípica, viva e calorosa do público, sobretudo quando se trata de um filme pernambucano. Uma das características desse público é notadamente a paixão, de mente bairrista. Você vê qualquer coisa que é Pernambuco, a plateia pega fogo. Ou seja, pra quem não sabe Pernambuco é o centro do mundo. Eu falo isso porque eu gosto dessa coisa da auto-estima, as pessoas tão sempre valorizando muito o que é seu.

Nesse sentido, público cearense precisa aprender, então?

Não, o que acho é que o público cearense deveria participar mais do Cine Ceará, um dos eventos mais importantes do cinema brasileiro. Um festival que está completando 20 anos. É um feito. Isso é importante não só pro Ceará, mas pro Nordeste. É um festival com essa amplitude de ser latino-americano, de estar aberto para a produção ibérica também e um grande fórum de debates, de encontro. E acho que o público cearense deveria lotar aquele espaço do Cine Ceará. Um festival não é só filmes, é também o debate, o público, a reflexão, a possibilidade que surge entre um encontro de gerações, surgimento de novas oportunidades.

Petrus é o único cearense concorrendo aqui. Isso representa algo sobre o cinema cearense?

Veja bem, eu acho que o cinema cearense vai muito bem, porque você tem toda uma geração de jovens cineastas, que tem feito um cinema marcado pela experimentação, uma certa ousadia de linguagem e também por uma poética, um humanismo. Fico muito contente em ver esses jovens conquistando espaços e prêmios. Outros filmes de cearenses estiveram em festivais e ganharam muitos prêmios, vai ver por isso não entraram no Cine-PE. Por exemplo, no festival de Tiradentes teve vários curtas cearenses premiados. Não se trata de um ou de outro, mas de uma geração.

Quais as principais reivindicações do CBC?

Estamos esperando a aprovação pela câmara do PL-29, que reserva 30% da programação de TV a cabo pro cinema brasileiro. Um alento pra produção independente brasileira. Estamos lutando para a criação do Fundo de Inovação do Audiovisual, voltado pra financiamentos do cinema experimental, da preservação, da memória, pesquisa. Toda uma área que tava fora do mercado. Uma das coisas que nós estamos discutindo é o subsídio do conteúdo audiovisual brasileiro pra que possa circular nas TV´s comunitárias, universitárias, públicas e culturais, de tal forma que toda a produção brasileira possa escoar e chegar até seu público. O cinema brasileiro é de classe média alta que encontra um público de classe média alta, o que é profundamente restritivo, porque hoje você tem cinema praticamente confinado ao shopping center, ou seja, muito caro o acesso. Mais de 90 % da população brasileira está excluída dessa possibilidade de ver cinema.

Quais os seus projetos?

Estou com um projeto de fazer um filme sobre a chegada de Lampião no além, “O Auto do Lampião no Além”. É uma sátira, inspirada no cordel muito famoso “A Chegad de Lampião no Inferno”. É um filme bem picaresco, inspirado nos romances medievais e em personagens populares como Cancão de Fogo, Pedro Malasartes.

Fonte: Diário do Nordeste