"Tudo o que escrevemos está guardado no subsolo do inconsciente"

Mais que uma entrevista, duas escritoras em diálogo: convidamos aos leitores para conferir a "troca de figurinhas" publicada no interpoética, entre Inah Lins e Izabela Domingues, esta última colhendo elogios através do seu livro de estreia A solidão é espaçosa. Confira:

IZABELA DOMINGUES: Como você definiria seu livro de estréia, que vem ganhando repercussão nacional?

INAH LINS: A obra não é totalmente do autor, mas também do leitor, quantas vezes este enxerga coisas que o autor não pensou dizer, e nisso está a grande façanha da obra de arte: as diversas leituras. Posso dizer o que pretendi ao escrevê-lo: reunir, sem maiores pretensões, através de um tom coloquial, sem palavras rebuscadas, histórias do passado, e até mesmo do que haveria de vir, saudades do futuro? Talvez.

Qual o valor da memória na sua escrita?

Fundamental. A memória é o elemento essencial ao escritor. O que seria do ser humano sem as lembranças? Memórias da infância, da adolescência, de ontem, e quem sabe, até do futuro, a saudade do tempo passado, que não é passado, é o do por vir. Tudo o que escrevemos está guardado no subsolo do inconsciente, como bem diz Dostoievsky, complementado por idéias de outros grandes autores, por exemplo, Baudelaire, que analisa a infância como a fonte mais significativa e presente nas obras literárias dos grandes escritores.

Seus contos têm personagens muito curiosos. Como você os constrói?

Eles surgem no momento do olhar diante da folha em branco, no momento da solidão essencial e tormentosa do autor. Nesse sentido, ela é espaçosa, diante do que virá, do que haverá de vir. Quando não tenho noção do desenrolar da história, surge o título, uma palavra inusitada arrancada da memória salta e a folha em branco é titulada. Às vezes escrevo na terceira e/ou na falsa terceira pessoa. Parece muitas vezes ser a voz do autor, quando na verdade é a do narrador onisciente. A memória baixa o personagem, nominado ou não. Acomodo-o junto a mim, um desconhecido que já se encontrava cravado na mente sem que eu mesma o conhecesse, eis que ele aparece tal fantasma vindo do meu outro eu.

O humor refinado e a ironia estão presentes em muitas das suas histórias. Você se considera uma pessoa bem humorada?

Depende. A alegria pode me trazer humor, ironia e até mesmo tragédia, assim como a tragédia às vezes nos traz o humor e daí podem nascer as melhores histórias. Escrevemos para nos salvar e é nos momentos de análises mais profundas à procura do eu de dentro, do medo, dos traumas vivenciais quando as idéias chegam do eu desconhecido, vindas do nosso inconsciente, sem ao menos termos a menor noção.

O que a solidão, que titula de forma tão instigante o seu livro, representa para você?

Há muito, escrevia sobre janelas, olhares de ângulos da vida, cada janela, um departamento de histórias vividas, ouvidas, vistas através do olhar do personagem, uma janela iluminada, outra fantasmagórica, e daí pensar em janelas da solidão. Relendo Maurice Blanchot e a sua visão da solidão humana, aquela essencial, firmei que a reunião de contos deveria assim ser batizada.

Fale um pouco sobre o seu processo criativo. Tem alguma mania ou curiosidade?

Mania e curiosidade são marcantes no meu processo criativo. Sempre observei com muita atenção as pessoas e, de vez em quando, encontro uma que merece ser personagem. A curiosidade chega a um ponto que posso até parecer maluca, quando, por descuido, sou flagrada perscrutando a figura encontrada. Exemplos disso aparecem, com freqüência, em muitos contos quando observo, atentamente, aquele que julgo ser personagem, seja numa padaria, como no conto Indefinição, seja no Milagre na Fila do Banco, Persona e tantos outros. Posso dizer que me considero uma voyeur no mundo criativo. Procuro em vários lugares, pessoas, janelas, bares, amigos, aqueles merecedores de uma história. Às vezes penso estar à procura de mim mesma, da outra metade, do outro eu.

Você está preparando algum outro livro? Sobre o que se trata?

Não estou escrevendo nada depois da publicação do livro. A sensação de vazio, de tristeza, me tomou de assalto e a explicação que encontro, no momento, é a de não ter seguido o conselho de Flaubert: o de que, após a publicação de um livro, o autor não deve jamais o reler. Tipo uma depressão pós parto, sei lá, acredito que faça parte do processo criativo. No momento, penso retomar uma novela já iniciada há mais de um ano. O título ainda está indefinido. Começo a desenhar a figura do personagem à procura do seu eu de dentro, quem sabe, o batizarei de -Outro?

Que livros e autores você recomendaria para melhor entendimento da solidão espaçosa?

Inicialmente Maurice Blanchot, Lúcia Castello Branco, Gabriela Llansol, Gaston Bachelard, Lacan e Foucault e Nietzsche. Desde cedo li: Shakespeare, Dostoievsky, Tolstoi. Thecov, Gogol, Huxley, Faulkner, Unamuno e o grupo de Hemingway: Fitzgerald, O´Neil, Stein e seu salão freqüentado por grandes escritores. Mansfield, Duras, Joyce e Virginia Woolf, esta sempre releio, Zygmunt Bauman., Manoel de Barros, não esquecendo os hispano americanos: Ernesto Sábato, Vargas Llosa, José Maria Arguedas, Garcia Marques, Alejo Carpentier, Juan Rulfo, Onetti e outros. E os nossos Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, João Cabral, Clarice Lispector e Machado de Assis, que sempre releio com admiração, sobretudo os contos. Atualmente, a literatura está muito rica, sobretudo os nossos pernambucanos, sem bairrismos, que em nada ficam a dever aos nomes do Sudeste. Quantos valores expressivos apenas estão surgindo graças à Internet, através de blogs e outras oportunidades virtuais. Ler é o mais importante para se começar a escrever.

IZABELA DOMINGUES é escritora e professora da UNICAP