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Guimarães: o dia em que a blogosfera venceu a ditabranda da Folha

Hoje, 7 de março, faz um ano que cerca de 500 pessoas se reuniram diante do jornal Folha de S.Paulo para protestar contra editorial do veículo que tentou reescrever a história recente ao afirmar que a ditadura militar brasileira teria sido uma “ditabranda” por não ter matado tanto quanto outras que vitimaram países vizinhos.

Por Eduardo Guimarães, no blog Cidadania.com

O editorial em questão foi publicado no dia 17 de fevereiro do ano passado. Neste resgate dos acontecimentos surpreendentes que sucederam a publicação do texto, julgo importante reproduzir o que a Folha escreveu para desencadear a forte indignação da sociedade que se viu.

Folha de S.Paulo – 17 de fevereiro de 2010

Limites a Chávez

O ROLO compressor do bonapartismo chavista destruiu mais um pilar do sistema de pesos e contrapesos que caracteriza a democracia. Na Venezuela, os governantes, a começar do presidente da República, estão autorizados a concorrer a quantas reeleições seguidas desejarem.

Hugo Chávez venceu o referendo de domingo, a segunda tentativa de dinamitar os limites a sua permanência no poder. Como na consulta do final de 2007, a votação de anteontem revelou um país dividido. Desta vez, contudo, a discreta maioria (54,9%) favoreceu o projeto presidencial de aproximar-se do recorde de mando do ditador Fidel Castro.

Outra diferença em relação ao referendo de 2007 é que Chávez, agora vitorioso, não está disposto a reapresentar a consulta popular. Agiria desse modo apenas em caso de nova derrota. Tamanha margem de arbítrio para manipular as regras do jogo é típica de regimes autoritários compelidos a satisfazer o público doméstico, e o externo, com certo nível de competição eleitoral.

Mas as chamadas "ditabrandas" – caso do Brasil entre 1964 e 1985- partiam de uma ruptura institucional e depois preservavam ou instituíam formas controladas de disputa política e acesso à Justiça (…)

Passou-se quase uma semana até que alguém reagisse a teoria tão insólita sobre um regime criminoso que tantas vidas destruiu e que envergonhou o Brasil diante do mundo.

A pessoa que se recusou a aceitar a pretensa revisão história da Folha foi este que escreve. No dia 23 de fevereiro, vendo que aquela teoria absurda estava sendo tolerada sem reação à altura, escrevi um texto que reproduzo parcialmente abaixo e que se inspirou no memorável discurso do ativista do movimento negro norte-americano Martin Luther King.

Quando os bons se calam – 23 de fevereiro de 2009

No último sábado (21/02/2009), a Folha de S.Paulo voltou a debochar do país ao publicar, em sua seção de cartas de leitores, manifestação de alguém que (…) tripudiou dos indignados com a absurda “ditabranda” prevendo que, “como sempre”, estes se limitariam a fazer abaixo-assinados (…) que é só isso o que “a esquerda” sabe fazer.

Acho muito pouco os e-mails, os artigos, os abaixo-assinados. Dizer que todo aquele horror, que tantas vidas destroçou com a colaboração inconteste da mesma Folha de S.Paulo, foi “brando”, não pode ficar por isso mesmo, ou seja, pelas manifestações escritas e publicadas só na internet. Devemos romper o silêncio e dizer nossa indignação diante daquele tentáculo da ditadura, ao vivo e à cores.

Não precisamos de manifestações de apoio, mas de engajamento. Precisamos que vocês que se indignaram e que não querem silenciar se comprometam a participar de um protesto diante da Folha, se preciso adiando viagens à praia, consultas médicas, festa na escola dos filhos, visita a parentes no interior, seja lá o que for, e que se engajem na dura missão de convencer outros a ir consigo.

Se (…) todos os indignados decidirem transformar sua indignação em reação unindo-se a esta ruptura do silêncio de que falava Luther King, estarei à frente e ao lado dessa reação (…). Não silenciem. Dêem sentido aos vossos protestos indignados. Assumam vossa responsabilidade de Cidadãos. Vosso país precisa de vocês.
 

Em um primeiro momento, poucos comentários ao post de pessoas se comprometendo a irem comigo protestar diante da Folha. Mas os que decidiram me apoiar passaram a trabalhar furiosamente difundindo meu texto na internet. Antes que meu chamado completasse 24 horas, mais de uma centena de leitores havia aderido.

Nos dias que se seguiram, os apoios vieram crescendo. Movimentos sociais como Tortura Nunca Mais, Fórum de Presos Políticos, entidades como UNE e CUT, acadêmicos, donas de casa, aposentados e tantos outros vieram se somando ao movimento desencadeado a partir deste blog.

No dia 7 de março de 2009, às 8 da manhã em ponto, estava eu lá, diante da Folha, com o megafone do Movimento dos Sem Mídia nas mãos à espera das centenas de pessoas que chegariam em seguida para protestarmos contra a “ditabranda” inventada por aquele jornal, um protesto que ganharia a repercussão que se viu nas semanas seguintes.

Naquele dia 7 de março, o movimento surgido na Blogosfera venceu a mídia. No dia seguinte, a Folha de S.Paulo teve que noticiar a manifestação à sua porta – ainda que manipulando o número de manifestantes – e publicar nota de seu controlador, Otavio Frias Filho, reconhecendo o “erro” da teoria da “ditabranda”. Abaixo, a notícia sobre o ato e a nota de Frias.

Folha de S.Paulo – 8 de março de 2009

Manifestação contra Folha reúne 300 pessoas em frente ao jornal

DA REPORTAGEM LOCAL

Cerca de 300 pessoas participaram ontem pela manhã de manifestação contra a Folha em frente à sede do jornal, na região central de São Paulo.

O ato público tinha o duplo objetivo de protestar contra editorial publicado pelo jornal no dia 17 de fevereiro, que usou a expressão "ditabranda" para caracterizar o regime militar brasileiro (1964-1985), e prestar solidariedade aos professores Maria Victoria Benevides e Fábio Konder Comparato. Nenhum dos dois estava presente.

A Folha publicou no "Painel do Leitor" 21 cartas sobre o assunto, 18 delas críticas aos termos do editorial, entre as quais as assinadas por Benevides e Comparato. Segundo escreveu este último, o autor do editorial e o diretor de Redação que o aprovou "deveriam ser condenados a ficar de joelhos em praça pública e pedir perdão ao povo brasileiro".

Em resposta, o jornal classificou a indignação dos professores de "cínica e mentirosa", argumentando que, sendo figuras públicas, não manifestavam o mesmo repúdio a ditaduras de esquerda, como a cubana. Desde então, além de cartas, o jornal vem publicando artigos a respeito da polêmica, alguns dos quais com críticas ou reparos à própria Folha.

O protesto de ontem foi organizado pelo Movimento dos Sem-Mídia, idealizado pelo blogueiro Eduardo Guimarães. O público era composto na sua maioria por familiares de vítimas da ditadura, estudantes e sindicalistas ligados à CUT.

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Folha avalia que errou, mas reitera críticas

DA REDAÇÃO

O diretor de Redação da Folha, Otavio Frias Filho, divulgou ontem as seguintes declarações:

"O uso da expressão "ditabranda" em editorial de 17 de fevereiro passado foi um erro. O termo tem uma conotação leviana que não se presta à gravidade do assunto. Todas as ditaduras são igualmente abomináveis.

Do ponto de vista histórico, porém, é um fato que a ditadura militar brasileira, com toda a sua truculência, foi menos repressiva que as congêneres argentina, uruguaia e chilena -ou que a ditadura cubana, de esquerda.

A nota publicada juntamente com as mensagens dos professores Comparato e Benevides na edição de 20 de fevereiro reagiu com rispidez a uma imprecação ríspida: que os responsáveis pelo editorial fossem forçados, "de joelhos", a uma autocrítica em praça pública.

Para se arvorar em tutores do comportamento democrático alheio, falta a esses democratas de fachada mostrar que repudiam, com o mesmo furor inquisitorial, os métodos das ditaduras de esquerda com as quais simpatizam."

Otavio Frias Filho
 

Esse movimento que obrigou o maior jornal do país a se retratar, por o protesto ter tido até repercussão internacional, e que fez o veículo perder cerca de 3 mil assinantes, só foi possível por conta da união da blogosfera e do apoio do leitorado deste blog.

Este ano, o futuro do Brasil, na próxima década, estará em jogo. Esse setor minúsculo e antidemocrático da sociedade que a Folha de S.Paulo e seus congêneres representam tentará outros atentados à democracia.

Este blog, o Movimento dos Sem Mídia e a blogosfera em geral desarticularam aquele golpe contra a verdade histórica do país, um golpe que pretendia fazer a sociedade aceitar crimes contra a humanidade dos quais a Folha e o resto da imprensa golpista são cúmplices.

Nesta data que, para mim, ficará sempre na memória, conclamo a todo aquele que me lê a não se dispersar, a continuar apoiando esta luta contra essa imprensa golpista que continua tentando devolver o Brasil aos idealizadores da ditabranda, hoje encabeçados pelo governador de São Paulo, José Serra.

Não podemos nos dispersar.