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PCdoB define bases para debates da 4ª Conferência de CTeI 

Dar à ciência, tecnologia e inovação centralidade no novo projeto nacional de desenvolvimento e debater a contradição entre política macroeconômica e os investimentos nesta área. Estas devem ser as linhas-mestras da atuação do PCdoB no processo da 4ª Conferência Nacional de CTeI, convocada pelo governo federal para maio. Na opinião de Luís Fernandes, presidente da Finep, “um novo projeto de desenvolvimento, se não tiver caráter nacional, será um projeto neocolonial e subserviente”.

Renato CeT

A afirmação condensa boa parte das opiniões emitidas durante o seminário da Fundação Maurício Grabois, realizado nesta sexta-feira, 5, em São Paulo, evento preparatório para a 4ª CNCTI. As demais posições advindas dessas duas posições-chave serão sistematizadas e divulgadas em breve pela FMG. Ao todo, mais de 100 pessoas participaram do evento, que também foi transmitido ao vivo pelo Portal Vermelho.

As posições definidas pelos comunistas partem de dois pressupostos. O primeiro, de que um novo projeto nacional de desenvolvimento – que seja capaz de levar o Brasil a superar entraves históricos e a progredir como nação – deve estar calcado em um sistema nacional de ciência, tecnologia e inovação avançado, organizado e encarado como política de Estado e não de governo. O segundo diz respeito à necessidade de se superar o atual modelo macroeconômico que ainda emperra investimentos na área, especialmente por parte do setor privado.

Estímulo à CTeI

Após a abertura do evento, feita pelo presidente da Fundação Maurício Grabois, Adalberto Monteiro (veja abaixo), foi a vez do presidente do PCdoB, Renato Rabelo, falar sobre a relação necessária entre CTeI e o novo projeto nacional de desenvolvimento que tem sido defendido pelo partido como caminho brasileiro ao socialismo. Para ele, “a ciência e a tecnologia, enquanto manifestações humanas, não podem ser encaradas como algo sem nacionalidade; afinal, não têm caráter espontâneo. Elas surgem onde há condições para isso, onde há estímulo para seu desenvolvimento”.

Para Rabelo, o Brasil já deu passos importantes no que diz respeito ao seu progresso. “Entre aproximadamente os anos 1930 e 1980, o Brasil saiu da Idade Média para a Contemporânea, do sistema majoritariamente agrário para a indústria, algo que a Europa levou 400 anos para fazer”, brincou. Tal avanço se deve, conforme colocou, “ao papel do Estado e da CeT, casados com o espírito inovador de nosso povo”.

Trazendo a discussão para os dias de hoje, Rabelo enfatizou o papel do governo Lula no incremento do setor. “Em 2009, mesmo com a crise, foram investidos 5,6 bilhões de reais em CTeI e esse valor pode chegar em breve a 7,2 bilhões, um recorde histórico”. Ele também ressaltou o aumento dos investimentos e créditos da Finep e BNDES, que teriam passado respectivamente de 117 milhões e de 105 milhões em 2004 para 1,6 bilhão e 1,3 bilhão em 2009.

No entanto, ressaltou que o país poderia ter avançado mais nas últimas décadas a partir do fortalecimento do Estado, o que resultaria em empresas públicas e privadas mais bem preparadas para competir no cenário mundial. “Mas, passamos por um processo pernicioso de desmonte do Estado, de formação de grandes monopólios. Os ‘vestais da modernidade’ ainda hoje pregam que o país não deve ter empresas públicas fortes”, lembrou.

“Quebrar essa lógica não é tarefa fácil porque se trata de uma ideologia conservadora ainda dominante em nossa sociedade”, colocou o dirigente. Para fazer frente a essa visão, Renato Rabelo reafirmou a necessidade de um novo projeto nacional de desenvolvimento possível devido às bases lançadas pelo atual governo desde 2003. “Por isso é que temos dito que nestas eleições é preciso sim comparar esses dois modelos de gestão. A mídia tenta diluir essa discussão defendendo a tese de que há vários projetos em disputa. Na verdade, há dois, bem distintos e essa disputa deverá mesmo ter caráter plebiscitário”.

Por fim, salientou: “o PCdoB é um partido de ciência e não pode conceber um novo projeto avançado para o país se não com base em CTeI”.

A 4ª CNCTI

A intervenção seguinte ficou a cargo de Carlos Alberto Aragão (foto), presidente do CNPq e um dos coordenadores da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, convocada pelo governo federal e cuja plenária final acontecerá dias 26 a 28 de maio, em Brasília.

Depois de fazer um apanhado geral das três últimas conferências (realizadas em 1985, 2001 e 2005), Aragão salientou que o foco é “colher subsídios para uma política de Estado baseada no desenvolvimento sustentável – usando a rica biodiversidade brasileira, porém sem vilipendiá-la – e no progresso social”. Para ele, “o Brasil foi tardio em seu desenvolvimento em CTeI, mas não lento”, o que faz com que hoje o país figure entre o mais importante nesta área na América Latina e um dos que mais cresce no mundo. “Exemplo disso é que respondemos por 2,1% de toda a produção científica mundial, além de contarmos com mais de 150 mil pesquisadores”, ressaltou.

Aragão recordou que tal processo teve início ainda no final dos anos 1940, ganhando novo impulso com a criação da Capes, CNPq, ITA, Petrobras, UFBA, Embrapa, entre outros, a partir dos anos 1950. Mas, alertou: apesar desse desempenho “hoje a graduação em áreas ligadas à ciência ainda é baixa. Cerca de 69% está concentrada nas áreas humanas”.

Para levar adiante o desenvolvimento da CTeI defendeu “empresas públicas mais fortes e políticas de Estado que imunizem a área contra a troca de governos”. Outro ponto que ressaltou foi a necessidade de popularizar o assunto. “Precisamos fazer com que a sociedade tenha mais informação sobre qual é o papel da ciência e da tecnologia no desenvolvimento do país. A 4ª CNCTI não deve ser fechada ao mundo acadêmico, mas aberta a toda a população”. Também colocou a necessidade de se investir cada vez mais na educação. “O que vemos hoje é que existe uma verdadeira segregação entre os estudantes e a ciência desde a infância. CTeI requer educação, e educação requer democracia e cidadania”.

Desafios da agenda nacional de CTeI

Darc Costa, ex-presidente do BNDES abriu a segunda mesa do seminário, iniciada no começo da tarde. Conforme ressaltou, “a partir da reunião de vontades individuais, o homem pode agir de maneira coletiva, intervindo na natureza a favor dessa coletividade”. Segundo Costa, a intervenção humana parte de um “triângulo indissolúvel” formado pela política (o “o que fazer”), a estratégia (o “como fazer”) e o poder (o “com o que fazer”). E tais pontos podem se ligar a três aspectos distintos: competição, cooperação ou conflito. “Sou da turma da cooperação”, brincou.

Para ele, “ainda que o capitalismo se auto-intitule um espaço de competição, tal sistema só evoluiu porque houve cooperação. Essa cooperação busca a inovação, que leva à acumulação, que leva à inovação e assim por diante, numa espiral ascendente”.

Dado o contexto inerente ao capitalismo, Darc Costa colocou que o que deve ser questionado é a quem está servindo a CeT nesses moldes. “Na forma atual, a ciência e a tecnologia não servem aos homens; os homens é que servem a elas”.

Levando o debate ao nível das nações, Costa colocou que ao se discutir o papel da CTeI hoje é preciso levar em conta que “toda periferia almeja ser centro” e foi isso que levou à ascensão e à queda de impérios ao longo da história, como ocorreu com Grécia e Roma, que foram periféricas, se tornaram centros e declinaram; o mesmo se aplica ao caso da Inglaterra em relação aos Estados Unidos. “E como um país da periferia do sistema pode, atualmente, se deslocar para o centro? Somente com um Estado nacional forte e organizado, como ocorre com a China”, exemplificou.

Para se atingir esse novo patamar, Darc Costa colocou que é preciso encarar a “economia como meio e não como um fim. O projeto de nação deve ser definido através da política e a economia deve estar submetida a ela”. Conforme destacou, “o governo Lula tem projeto, mas a economia ainda não serve a ele porque o modelo ainda é servil”. Nesse sentido, recordou que “nos últimos 150 anos, a maior parte das principais inovações no mundo tiveram origem em políticas de Estados nacionais; é importante salientar inclusive que por trás de muitas das inovações do setor privado está a atuação do Estado. Este é o caso, por exemplo, da educação”.

Ele concluiu dizendo que “precisamos criar um projeto de CTeI que não privilegie a lógica da acumulação porque esta leva à sociedade do consumo que, no final, acaba sempre esmagando o homem”.

Afirmação nacional

O palestrante seguinte foi o professor Luis Martins, da UFRJ. “Os países que se firmaram no cenário mundial o fizeram a partir do desenvolvimento tecnológico”, afirmou. A fim de “não repetir a história”, Martins lembrou que nos anos 1970, a esquerda centrava sua crítica relacionada ao desenvolvimento tecnológico em três pontos: falta de financiamento de longo prazo, falta de setores centrais que fizessem as empresas nacionais serem modernas e competitivas e a falta de um núcleo endógeno de inovação e tecnologia. “No entanto, não conseguimos essas mudanças e, nos anos 1980 e 1990, assistimos à chegada e consolidação do neoliberalismo, a busca pela estabilidade dos preços, a abertura comercial, as privatizações, a liberalização cambial etc.”

Um dos resultados é que o país seguiu “com uma estrutura produtiva de baixo teor de valor agregado, com grande abertura ao comércio externo e ao fluxo financeiro”. O fato é que, conforme colocou, “hoje nossas empresas têm um comportamento defensivo e apenas se modernizam, mas não inovam, porque não têm garantias de que terão retorno. E sem um projeto nacional, não teremos uma política real de inovação”.

Martins explicou que isso demanda um sistema nacional de inovação composto por rede de instituições e organizações que trabalhem em conjunto. “Também vale lembrar que a nacionalidade, como já foi colocado, é decisiva para a inovação. Afinal, as grandes empresas estrangeiras investem em inovação em suas sedes, em seus países”.

As falhas nesse sistema hoje estão, na avaliação de Martins, em três aspectos principais: “falta de coordenação e organização; a esmagadora representação dos interesses científicos e a forte tendência à dispersão de recursos”.

As soluções seriam, entre outras, “o adensamento tecnológico das cadeias produtivas; o estabelecimento de ligações entre os diversos nós que ainda hoje estão desconectados e a recuperação das engrenagens do círculo virtuoso pós-crise”.

Neocolonialismo

Luis Fernandes, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos, abriu sua fala lembrando que “nas últimas décadas houve um problemático deslocamento da CTeI das empresas públicas para as privadas, o que reforçou os processos de centralização e concentração do poder no mundo e o apartheid tecnológico”.

Esse processo, segundo ele, “introduz um padrão de exclusão e de aprofundamento das assimetrias” entre países do centro e da periferia. Para lidar com isso, “é preciso uma política que coloque a CTeI no coração do esforço de construção de um novo projeto nacional de desenvolvimento”.

Fernandes voltou a tratar do projeto iniciado nos anos 1930: “foi exitoso, pois conseguimos deixar de ser um país agrário para ser um país industrial, além de termos estruturado um sistema de CeT. E é desse patamar que partimos”. Porém, naquele momento, houve uma “desconexão desse esforço com as empresas, resultando em baixo grau de inovação nas empresas nacionais”, o que deve ser superado agora.

Hoje, “devemos identificar as áreas estratégicas ligadas à soberania nacional e à inclusão social”. Assim, afirmou que “um novo projeto de desenvolvimento, se não tiver caráter nacional, será um projeto neocolonial e subserviente”.

Para ele, as principais tarefas da 4ª CNCTI devem ser “consolidar avanços e políticas que levem ao novo projeto nacional de desenvolvimento e lançar o Brasil num ciclo sustentável e constante de desenvolvimento”. Nesse sentido, precisam ser superados obstáculos como “a contradição existente entre política de CTeI e política macroeconômica” e “fortalecer a máquina do Estado, desmontada no período neoliberal e que ainda hoje tem setores que andam contra o desenvolvimento nacional”.

De São Paulo,
Priscila Lobregatte