Direitos Humanos e Desaparecidos Políticos em pauta no FSM

“Não precisamos mais do que a verdade. Só dela”. Parafraseando Gramsci, o deputado federal Emiliano José (PT), preso político nos anos de chumbo da Ditadura Militar, defendeu a instalação da Comissão da Verdade e Justiça, inserida dentro do Plano Nacional dos Direitos Humanos. “Não descansaremos enquanto toda a verdade sobre os crimes cometidos durante a Ditadura não virem à tona e, os culpados, julgados e punidos”, completou.

O temo norteou os debates na mesa Direitos Humanos no século XXI e as questões dos desaparecidos políticos, na tarde desta sexta-feira (29/1), no Hotel Sol Barra, durante o Fórum Social Mundial Temático da Bahia. “Os militares são contra a instalação dessa Comissão porque eles não têm como justificar, pro mundo, que fizeram aqui no Brasil. E nós temos testemunhas das atrocidades cometidas nos cárceres”, criticou a presidente do Grupo Tortura Nunca Mais, seção Bahia, Diva Santana.

A luta inclui a reparação na Lei de Anistia, decretada em 1979 e que apesar da sua importância histórica, fundamental na derrocada do governo militar, não toca diretamente na questão da tortura; tida como crime imprescritível. A crítica se estende, ainda, à postura política do Brasil que, diferentemente das demais nações latino americana, não possui uma Comissão da Verdade para apurar e punir os carrascos do período.

A ausência da dita Comissão, inclusive, excluiu o país do recém-inaugurado Memorial dos Desaparecidos Políticos da América Latina, no Chile. “Como diria (a presidente chilena), Michelle Bachelet, ‘Só as feridas lavadas cicatrizam’. Não estamos atrás de revanchismos. Nós queremos a verdade e queremos justiça. Não podemos permitir que a memória do povo se perca”, proclamou Diva, que é irmã de Dinaelza Santana, morta na Guerrilha do Araguaia.

A combatente baiana do PCdoB é mais uma entre os 479 mortos e desaparecidos políticos do país entre os anos de 1964 a 1985, segundo os dados oficiais. A estimativa de grupos como o Tortura Nunca Mais, entretanto, dão conta de um número ainda maior; todos vítimas de violações dos direitos humanos, incluindo os familiares que, ainda hoje, têm negado de si, o direito sagrado de enterrar os corpos das vítimas. “Até na guerra, existe um momento de trégua, quando os exércitos trocam os corpos dos mortos”, lamentou Nilmário Miranda, que integrou a primeira Comissão dos Direitos Humanos, quando da sua criação, em 1995. “O desaparecimento forçado dos militantes passou a ser prática vigente. Eles eram levados a cárceres clandestinos, torturados, mortos e dados como desaparecidos para evitar um desgaste do regime e as pressões internacionais”, recordou.

Memória Revelada

Enquanto críticas do Comando Militar e de setores da grande imprensa atrasam a execução do Plano Nacional dos Direitos Humanos, o Governo da Bahia dá continuidade às ações da Comissão Memória Revelada, baixada em decreto assinado pelo governador Jaques Wagner no ano passado, e que incluiu a publicação, no Diário Oficial, de chamamento público para a entrega de documentos relativos à Ditadura. “O grupo tem se reunido frequentemente, mas a maior dificuldade é o acesso aos arquivos das Forças Armadas e órgãos de repressão da época, que insistem em se negar a abri-los”, afirmou o secretário estadual de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos, Nelson Pelegrino.

O secretário ratificou o compromisso do governo com o resgate e divulgação dos documentos oficiais do período, e com a execução do 3º Plano Nacional dos Direitos Humanos. Em reunião do Conselho Estadual dos Direitos Humanos esta semana, foi aprovada inclusive moção de apoio ao ministro da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vannuchi, que ameaçou se afastar do cargo caso o Plano fosse alterado em favor da argumentação militar.

A postura de solidariedade ao ministro foi consenso entre os palestrantes, que endossaram o coro reforçando que nenhuma anistia pode perdoar torturadores, e que o direito à verdade é tão essencial como o de ir e vir. “Se hoje estamos aqui na Bahia, nesse governo democrático, debatendo esse tema, é fruto de todas as lutas e da influência das idéias libertárias e socialistas em todo o mundo. E temos que continuar lutando”, declarou emocionada e aplaudida de pé, a companheira de Carlos Lamarca, militante histórica e Conselheira do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Clara Charf, do alto da sabedoria e vivência dos seus 84 anos.

De Salvador,
Camila Jasmin