Uma história construída com a marca da perseverança

De origem humilde e com uma trajetória que o colocou como um dos mais importantes empresários do país, vice-presidente é conhecido por sua simplicidade e obstinação

O celular toca no meio da manhã. Atendo distraído. O jornalista Adriano Silva dispara. "João? Só um minuto. Te passo o vice-presidente". Menos de cinco segundos depois, ouço a voz grave do outro lado.

"Barile? Zé Alencar. Como vai? Você queria falar comigo?".

No primeiro instante achei que era trote. O vice-presidente da República ligando no meu celular pré-pago? Já tinham me dito que seria impossível falar com ele. Para não dar bandeira, continuei falando. Fingindo naturalidade.

"Presidente? Como vai o senhor? E Brasília?"

Na hora, várias perguntas pipocavam na minha cabeça: "É verdade mesmo que o senhor vai sair para o Senado? Tem sido difícil evitar o racha entre os partidos da base aliada em Minas?" Mas me controlei e segui a conversa.

"Sabe, gostaria de entrevistá-lo. Precisamos marcar. Qualquer dia destes".

Arredio, ele responde de forma meio acanhada.

"Se quiser podemos fazer agora. Mas se estiver muito ocupado, tudo bem. Fazemos depois. Quando eu estiver aí. O senhor é quem manda".

Um pouco mais convicto de que a voz era mesmo do vice-presidente, respondo meio atônito.
"Eu não mando, presidente. Obedeço".

"Então vamos lá", responde, com uma simplicidade impressionante.

E a simplicidade talvez seja mesmo a característica maior deste homem. Ajuda a explicar um pouco como o mineiro José Alencar Gomes da Silva, nascido na pequena Glória (hoje Itamuri) no dia 17 de outubro de 1931, de uma numerosa família de 15 filhos, conseguiu chegar ao segundo mais importante cargo da República brasileira.

"Ele nunca perdeu a noção de sua origem. Nunca deixou que qualquer cargo ou posição social subisse à cabeça", confirma Dolores Gomes da Silva Abrahão, sobrinha de Alencar e sua assessora desde 1997.

Sentada na cadeira de sua sala no 12º andar do edifício da Companhia de Tecidos Norte de Minas (Coteminas) em Belo Horizonte, ela recorda algumas histórias que viveu ao lado de Alencar, a quem carinhosamente chama de tio Zezé.

"Sabe de uma coisa? Tio Zezé sempre foi mesmo um homem simples. Mas não acho que esta seja sua característica mais forte, não… Para mim, seu traço mais marcante é a perseverança", confessa Dolores, que, sem que eu pudesse respirar, continua o raciocínio.

"Ele não desiste. Em 1994, tio Zezé disputou o governo de Minas. Ficou em terceiro lugar. Atrás do Eduardo Azeredo e do Hélio Costa. Mas ele não se abateu. Continuou tentando".

Quatro anos mais tarde, Alencar se lançaria candidato ao Senado. Desta vez, teve uma vitória expressiva. Foi eleito com 48,19% dos votos válidos. O equivalente a quase 3 milhões de votos.
"Ele é mesmo determinado", confirma o simpático Honório Carneiro, secretário particular de Alencar desde 1959, quando o vice-presidente foi morar em Ubá. Bom de prosa, ele me presenteia com a deliciosa cachaça Maria da Cruz. E se põe a revirar a memória. Carneiro revela que, já nos anos 60, Alencar demonstrava grande visão política.

"Lembro-me de um dia, lá no Tabajara Esporte Clube, em Ubá, eu e o Toninho (Antônio Gomes da Silva, irmão de Alencar) conversando sobre o Zé. De repente, o Toninho parou e disse: ‘Tá vendo aquele morro ali? A gente enxerga só este lado. O Zé já tá enxergando o lado de lá’", conta Carneiro.

Mais de 40 anos depois, Toninho se diverte ao lembrar da história. "É como se dizia antigamente: o Zé enxerga atrás dos morros. É um homem de grande intuição", explica o irmão.