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Balanço da Confecom pelos três segmentos

O portal pernambucano Ombuds PE conversou com representantes dos três segmentos presentes à 1ª Conferência Nacional de Comunicação (Confecom), ocorrida entre 14 e 17 de dezembro: Ana Veloso, Paulo Saad e Octavio Pieranti. Confira os consensos e contradições presentes em suas falas.

Ana Veloso, delegada por Pernambuco, pela sociedade civil organizada, é jornalista e professora de Comunicação Social. A pernambucana participou das plenárias, como uma das representantes do Fórum de Mulheres do estado – entidade que trabalha com formação de comunicadoras populares ( mídia advocacy) no interior e região metropolitana.

Paulo Saad, vice-presidente do Grupo Bandeirantes de Comunicação, foi delegado pelo estado de São Paulo no segmento sociedade civil empresarial. Saad integra, junto com a Rede TV, a Associação Brasileira de Radiodifusores- Abra, fundada em 2005 e presente na Comissão Organizadora Nacional (CON), da Conferência.

Ao final, entrevistamos o delegado pelo poder público Octavio Pieranti, coordenador geral de TV e plataformas digitais da Secretaria do Audiovisual do Ministério da Cultura( SAv/MinC). O representante do MinC na conferência, integrou a CON e conduziu parte dos trabalhos da plenária, que teve início dia 14, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães.

Ombuds PE: Como você avalia o processo da I Conferência Nacional de Comunicação ?
Ana Veloso: O processo foi muito tumultuado e desorganizado, tanto nos estados, quanto em Brasília. Inclusive, tivemos delegados/as de Pernambuco que não foram para a nacional por conta da falta de comunicação, uma vez que não houve uma estrutura competente que assumisse a articulação para mobilizar os/as delegados locais para a etapa nacional. Compreendo que foi falta de sensibilidade por parte do Estado. Incluo, aí, o governo de Pernambuco, que não administrou o processo de modo eficiente. Isso prejudicou a delegação da sociedade civil, principalmente, do interior. Não podemos deixar de tornar público o descaso e o destrato com os/as delegados de Pernambuco.

Paulo Saad: O processo como um todo, desde o decreto presidencial, foi muito rico e interessante. Algumas pessoas podiam não estar preparadas para o dialogo sem preconceitos, mas, com a contribuição dos que tinham a boa-vontade e o interesse genuíno em construir pontes e pavimentar estradas da compreensão, acho que obtivemos êxito. Pessoalmente, após 40 anos de trabalho, já tendo passado por diversas situações políticas e econômicas em minha vida profissional, senti um prazer renovado em conviver com a diversidade e com esta nova geração de profissionais dos três segmentos.

Octavio Pieranti: o processo de construção da Confecom foi extremamente rico. Uma conferência, além de permitir a mobilização e a reflexão de todos os brasileiros em torno de um tema, deve ser entendida, também, como espaço para a geração de um grande painel das demandas da sociedade em relação a um campo específico. Ao agregar, até o fim das discussões, poder público, empresariado e sociedade, a I Confecom cumpriu esse papel e sinalizou ao Poder Executivo e ao Congresso Nacional expectativas realmente representativas em relação ao campo da comunicação.

Ombuds PE: Como foi o diálogo entre segmentos tão diferentes da sociedade?
Ana Veloso: Não houve diálogo em muitos momentos, principalmente quando uma parcela do empresariado vota contra a acessibilidade de pessoas com deficiência à mídia. Os empresários querem manter seu poder e a ditadura do mercado na comunicação. A sociedade civil quer o oposto. Portanto, não acredito, como muitas organizações da sociedade civil e até o governo estava apregoando, que os empresários que permaneceram na Confecom, queriam construir uma comunicação mais democrática para todos/as. Algumas pessoas sim, do segmento de empresários que atuam no setor social, tinham esse compromisso. Outros estavam na Conferência para aprovar propostas que abalassem o poderio da Rede Globo, o monopólio de distribuição da Editora Abril e as empresas de televisão por assinatura.
Não era por uma questão de democratização da comunicação, mas, de democratização dos lucros, do faturamento. Eles, ainda, queriam reforçar a já existente parceria público-privada para obter mais recursos do Estado para suas produções e conseguir mais financiamento. Uma parcela do empresariado barganhou a participação o tempo todo com o governo e com entidades da comissão organizadora, para que as regras fossem adequadas ao seu segmento. Portanto, diante de uma relação assim, não percebo real compromisso com a democracia.

Paulo Saad: Afinal acho que foi muito bom, a tão propalada batalha entre os contrários já pode ser chamada de Batalha de Itararé, a que não houve, pois o dialogo mostrou que os contrários não são tão contrários assim. É claro que algumas posições são muito divergentes mas, se bem analisadas podem ser adaptadas aos pontos de vista de cada segmento. Como exemplo, explicito a questão do controle social que a nós empresários de comunicação soa como censura a circulação de idéias, de informação e de ingerência na sua atividade – e para quem já sofreu pessoalmente com este processo é fundamental, essencial que a liberdade seja duramente defendida, e ela começa, primordialmente, pela liberdade de informação – e para o segmento civil e governamental pode ser a necessidade de responsabilização (no sentido adulto do termo) dos meios de comunicação e que é um tema muito sensível para todos, há de haver uma forma de conciliar as posições.
O setor empresarial já tem meios de auto-controle (em organismos independentes) e de sua responsabilização, devemos fortalecer esses meios e ter o aval dos outros segmentos da sociedade, preservadas sempre a liberdade de informação, a livre circulação de idéias e a livre iniciativa.
Como ponto comum, largamente defendido em nosso grupo de trabalho e em outros, é a defesa e o fortalecimento do mercado de produção de conteúdo brasileiro. É bom ter certeza de que aos meios de comunicação interessa muito que a produção de conteúdo nacional seja forte.

Octavio Pieranti: há quase quinze anos, desde a promulgação da Lei do Cabo em 1995, poder público, empresariado e sociedade civil não discutiam, juntos e durante tanto tempo, o campo da comunicação no Brasil. Antes, um espaço de debate tão duradouro quanto esse foi a Assembléia Nacional Constituinte de 1988. O diálogo entre os segmentos diferentes nem sempre é fácil, mas é essencial para a democracia. É claro que apareceram divergências ao longo dos últimos meses, mas os segmentos entenderam que elas são naturais e que não podem ser empecilho para a construção de um debate franco e aberto sobre a comunicação no país.

Ombuds PE: o que você espera que aconteça com as propostas elaboradas e aprovadas na Confecom?
Ana Veloso: Nossa missão, agora, é monitorar a implementação das propostas aprovadas. Isso vai ser um trabalho muito difícil, uma vez que a sociedade civil brasileira ainda não aprendeu que não basta, apenas, a realização das conferências se o que foi apontado não sair do papel. Temos que ter força política para cobrar, do Estado, o que foi proposto, com orçamento para isso. Mas, o que ocorre, na prática, até hoje, é a negociação de pautas por segmento. Cada um coloca o pires na mão e vai mendigar com o governo de plantão.
Quero dizer que vai ser muito grave se cada setor da sociedade civil se isolar em torno da implementação, apenas, das suas propostas específicas, sem discutir com o conjunto dos sujeitos coletivos (fato que ocorreu durante a própria Confecom), um projeto de comunicação mais amplo.
Não estou querendo negar a autonomia dos sujeitos. Todavia, não teremos vitórias significativas se a luta for fracionada, fragmentada.
Nosso desafio é construir uma unidade política, respeitando nossas diversidades, também no campo da comunicação. Sim, tivemos vitórias muito significativas no processo. Agora, precisamos distanciar nosso olhar das conquistas suadas e analisar os processos.
Para tanto, é preciso reconhecer quem são nossos/as companheiros/as e suas posturas na hora da negociação, bem como, compreender as posições do Estado e traçar nossas metas para detectar onde ainda precisamos avançar.

Paulo Saad: acredito que foi criada uma plataforma de discussão que deve ser analisada e reavaliada nos seus aspectos mais importantes para que possa seguir seu curso legislativo. Não vejo como o total de propostas aprovadas, por consenso ou por votação, possa se tornar um projeto se não for organizada em termos mais dinâmicos e concretos até porque acredito que muitas delas sejam duplicadas.
Como sugestão para uma nova Confecom eu proponho que o numero de Grupos de Trabalho seja reduzido e o numero de delegados também, mantendo-se os princípios que nortearam esse. Acredito que assim teremos mais eficiência e pouca superposição nas propostas.
E por fim,mas não por ultimo, quando falamos de segmentos parece existir uma fragmentação na sociedade brasileira o que eu não acredito. Não existem segmentos, existe o Brasil e sua sociedade como um todo.
Para ficar claro aos empresários interessa:
1- Liberdade de informação e de circulação das idéias.
2- Defesa da livre iniciativa.
3- Desenvolvimento econômico.
4- Distribuição de renda e melhora do poder aquisitivo de todos.
5- Respeito a democracia e a diversidade.
6- Fortalecimento dos meios de produção de conteúdo nacional.
Acredito que estes princípios e interesses são ou deveriam ser de toda a sociedade.

Octavio Pieranti: Uma conferência como a Confecom sinaliza aos Três Poderes quais são as demandas de todos os brasileiros. Assim, as propostas aprovadas passam a ser subsídio importante para a tomada de decisões, sempre se respeitando garantias e direitos constitucionais. A implementação de grande parte das propostas aprovadas dependerá dos encaminhamentos do Congresso Nacional. Outra pode ser implementada pelo Poder Executivo, que já desenvolve programas e políticas aderentes a parte das propostas aprovadas na Confecom. Por fim, há diversas propostas relativas à garantia de direitos fundamentais, cuja implementação depende de todos os segmentos presentes na Conferência

Fonte: OmbudsPE