Paulo Marcelo Freitas – A democracia da participação

O monopólio e a influência dos meios de comunicação são obstáculos para a construção de uma sociedade verdadeiramente democrática a participativa

Recente publicação lançada pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) revelou que os países onde os cidadãos participam ativamente da vida política têm mais chances de combater as desigualdades sociais. Em síntese, pode-se dizer que a democracia ajuda a enfrentar a pobreza. Isso é percebido na prática ao olhar para as grandes transformações que o Brasil viveu em sua história. Nunca se conquistou direitos em nosso País sem que a participação popular fosse a grande protagonista: o fim da ditadura e as eleições diretas, a crescente participação da mulher no mercado de trabalho e nos espaços de poder e o Estatuto da Criança e do Adolescente são alguns importantes exemplos da história recente do País.

No entanto, uma pessoa só busca seus direitos se souber que eles existem e onde pode reivindicá-los. Ou seja, na prática, não existe participação sem informação. E quanto mais esclarecida for a sociedade, mais qualificada é sua participação na busca por soluções. E aí é que está um dos graves problemas do País: de onde o brasileiro acessa a informação e como a utiliza diariamente. Se queremos reverter a enorme desigualdade social do Brasil, precisamos combater não apenas a concentração de renda, mas também a concentração dos meios de comunicação, o que significa, dentre outras coisas: diversificar as fontes, descentralizar a produção da informação, pautar a sociedade a partir da pluralidade de assuntos que formam uma nação e não apenas daquilo que é prioridade para uma minoria. Os grandes meios de comunicação do País estão nas mãos de poucas famílias. E se pensarmos que estes grupos concentram não apenas a informação, como também grande parte do poder econômico com forte influência na tomada de decisões que afetam os rumos do país, temos um monopólio de ordem política, econômica, social e cultural imensurável.

Da mesma forma que não há como distribuir a riqueza sem mexer na renda dos mais ricos, descentralizar a comunicação é impossível sem atingir os interesses dos donos das grandes mídias. A construção da democracia a partir da comunicação torna-se então uma disputa desigual, tendo em vista a enorme presença que os meios têm em nossa sociedade. Segundo dados recentes da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad – 2008), 95% dos lares brasileiros possuem aparelhos de televisão – índice superior aos lares que possuem acesso a itens que são fundamentais para a qualidade de vida de qualquer cidadão, como rede de esgoto (52%) e coleta de lixo (88%).

Para mudarmos esta realidade é imprescindível entender a comunicação como um direito humano tão importante quanto o direito à saúde e à educação. A diferença é que existem políticas públicas que regulam o acesso à educação e saúde de nosso País, mas no caso da comunicação, não há ainda nenhum controle social. Ou seja, a informação e o conteúdo que recebemos diariamente em nossas casas, pela TV, rádio ou jornal, não tem fiscalização, apesar de a Constituição estabelecer que os meios de comunicação devem exercer uma função social.

Falar em controle social não significa falar em censura, como querem fazer pensar os donos das mídias quando o assunto vem à tona. Muito menos impedir a liberdade de imprensa. Vivemos em constante disputa – de ideologias, por espaços políticos etc – e nesse sentido o controle social é fundamental para regular de alguma forma os interesses privados sobre os meios de comunicação, além de ser uma maneira de a sociedade civil organizada acompanhar, monitorar, opinar e escolher.

A falta de regulamentação dos artigos da Constituição que tratam do assunto leva à ausência de fiscalização e oferece um território livre para os abusos de poder dos grandes meios. A nossa Carta Magna proíbe que os meios de comunicação social sejam objetos de monopólio e prevê que a programação das emissoras de rádio e televisão dê preferência a conteúdos educativos; promova a cultura nacional e regional e estimule a produção independente. A realidade mostra que isso está longe de acontecer, pois os veículos comerciais tratam a população como meros consumidores e não como cidadãos. E o preço pago por todos nós é caro. Ao olhar a grade de programação de uma TV aberta, percebemos que faltam conteúdos que respeitem a pluralidade do povo brasileiro e os aspectos regionais e culturais. Temas importantes, como violência, são tratados de maneira superficial, banalizada ou, na maioria dos casos, apelativa. Os donos das mídias, de acordo com os seus interesses, decidem por nós o que é importante e merece ser discutido pela política e a sociedade, em casa, no trabalho e nos espaços de convivência a partir da TV, do rádio e do jornal. É sob essa forte influência que vai sendo formado o pensamento de milhões de brasileiros.

Esse cenário se torna permanente porque as outorgas e renovações das concessões públicas são aprovadas sem nenhuma discussão, às escuras, sem observar o cumprimento de princípios legais mínimos.

Conferência de Comunicação: um passo importante

A proximidade da Conferência Nacional de Comunicação, que será realizada pela primeira vez no Brasil entre os dias 14 e 17 de dezembro de 2009, revelou que há uma ansiedade dos movimentos sociais em trazer à tona este debate. Convocada pelo governo federal, o evento é fruto de uma reivindicação histórica das organizações que atuam no setor e cada vez mais tem aglutinado diversos atores. A possibilidade de debater temas importantes, como a regulamentação e o controle social do sistema de comunicação, a produção de conteúdo e os próprios meios, que envolvem as telefonias, a radiodifusão (aberta, fechada, digital, etc), a internet, a mídia impressa e o incentivo aos meios alternativos, fortaleceu a participação de ONGs, associações, movimentos, partidos, sindicatos e outras organizações sociais. No Ceará, a Conferência Estadual foi considerada uma das maiores do País em participação e sua realização se deve muito à mobilização da sociedade civil.

A Conferência em si já é um avanço importante, mas é preciso garantir nela reais possibilidades de intervenção da sociedade civil na formulação e implementação de políticas públicas para a democratização da comunicação. É um passo importante de um longo caminho a ser percorrido. Defender a democratização da comunicação é lutar pelo direito de participar politicamente, de poder falar e ser ouvido.

Paulo Marcelo Freitas – jornalista, assessor do PSB-Fortaleza/CE e integrante da CPC-CE

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