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Max Altman acompanha de La Paz a eleição boliviana

Na véspera das eleições gerais – presidenciais e legislativas – da Bolívia é grande a expectativa geral. Diria mais, há um grande interesse e entusiasmo em poder exercer o voto. Falei com diversas pessoas comuns do povo. Todos indistintamente manifestaram seu desejo de comparecer à votação, sem que eu pudesse notar qualquer hesitação.

Max Altman,* de La Paz

Falei com pessoas no avião de Santa Cruz a caminho de El Alto e La Paz, no hotel com empregados, na praca fronteiriça, El Prado, com gente sentada e transitando, no banco onde fui trocar moeda.

Estão aptos a votar 5.138,583 eleitores inscritos no moderno padrão eleitoral biométrico. Deverão ser eleitos presidente e vice-presidente da república, mais 166 membros da Assembleia Legislativa Plurinacional, sendo 130 deoutados e 36 senadores, quatro por cada um dos nove departamentos. O voto na Bolívia é obrigatório.

As últimas pesquisas eleitorais dão em média para Evo Morales, 55%; para Manfred Reyes Villa, candidato da direita, 20%; para Dória Medina, de centro-direita, 9%; outros 3%. Se se considerar apenas os votos afirmativos, excluindo-se brancos e nulos, a pesquisa apontou Evo com 64%; Reyes com 23%; Medina com 10%; outros, 3%. Esses levantamentos dão a vitória de Evo em seis departamentos: La Paz, Cochabamba, Chuquisaca, Oruro, Tarija e Potosi. Reyes Villa deve ganhar em Santa Cruz e Beni. Em Pando o vitorioso é incerto.

O discurso de El Alto

Ontem, 3, houve encerramento de campanha dos candidatos. Evo Morales, Álvaro Garcia Linera e o MAS (Movimiento al Socialismo) reuniram em El Alto mais de meio milhão de pessoas segundo avaliação da imprensa local. Perguntei a Maria Elena Duarte, uma cidada comum, se tinha estado no comício e se tinha havido grande esforco de mobilização por parte do governo, respondeu enfática "nós nos autoconvocamos porque estamos comprometidos com a mudanca e confiamos no 'hermano'.

O presidente boliviano centrou seu discurso nas medidas para alavancar a economia, investimento em infra-estrutura, especialmente estradas e aeroportos, industrialização do gás, petróleo e lítio para agregar valor a essas matérias primas, já estando a buscar recursos na India, China, Rússia, Espanha e Brasil, instalação de usinas termelétricas. No plano social reforcar os programas existentes e estender benefícios sociais aos professores do ensino básico e médio.

Evo e Linera fizeram um apelo es pecial à classe média: "Alguns companheiros de classe média dizem 'ele pode ser índio, pode ser indígena, mas faz respeitar nosso país, internamente e no exterior, e isto traz dignidade a nosso povo. Por eso quiero decir a la clase media: bienvenidos a ese proceso revolucionario."

Reyes: "Devolverei a Bíblia"

O candidato da chapa Plano Progresso realizou seu comício final em Santa Cruz. Seu companheiro de chapa é Leopoldo Fernandez está preso, acusado pelo massacre de Pando, departamento que governava. Reyes insistiu que chegará ao segundo turno. E que vencerá as eleições. E que suas primeiras medidas serão tirar seu companheiro de chapa da prisão e devolver a Bíblia ao palácio presidencial de Quemado

Ocorre que a nova Constituição declara a Bolívia como um Estado laico. "Comigo a Bolívia nunca mais será subordinada às imposições ditatoriais de Evo nem será dirigida por Hugo Chávez", disse Reyes.

Visitei a sede Nacional do MAS e entrevistei seu vice-presidente, Sergio Loayza Condori, (o presidente é o próprio Evo Morales), na verdade, o comandante da campanha eleitoral. Numa das passagens da entrevista mostrou-se talvez otimista demais. "O companheiro Evo vai ganhar com cerca de 70% e o MAS obterá dois terços das cadeiras tanto na Câmara de Deputados quanto no Senado". E que a abstenção será inferior a 10%. Se isto ocorrer, num país como a Bolívia, extenso e com parte da população vivendo em lugares distantes e isolados, será uma tremenda vitória da democracia.

"Tudo calmo"

O presidente Evo Morales convidou os observadores internacionais da União Europeia, da OEA e do Centro Carter para uma reunião às 7 horas da manhã no palácio presidencial de Quemado. Quis transmitir-lhes as providencias do exército e polícia para garantir a seguranca e tranquilidade do processo eleitoral, bem como a ajuda que essas instituições dão à Corte Nacional Eleitoral na distribuição e custódia do material de votação em todo o país. O porta-voz dos observadores, Horácio Serpa, em rápida declaração aos meios de comunicação, informou que o país está em calma e que esperam eleições transparentes e justas.

Encontrei-me com alguns desses observadores no hotel Europa. Perguntei-lhes como estava a situação em toda a Bolívia na véspera do pleito. "O presidente nos disse que estava tudo calmo". Não queria saber a opinião de Evo Morales e sim dos próprios observadores. °Percorremos os principais pontos do país nesses dias. Não temos nenhuma informação de irregularidade."

O Caso dos 400 mil Eleitores

Segui para o centro de imprensa montado pela Corte Eleitoral, no hotel Radisson. Contei, junto à parede 24 aparelhos de televisão, cada qual intonizado numa estação, e no centro do salão 43 computadores instalados em uma mesa retagular comprida e extensa, cada um deles destinado a determinado órgão de imprensa. Aparelhos havia muitos, jornalistas pouquíssimos. "Se não há nada de extraodinário para informar, por que estar de plantão?"

No saguão encontrei-me com um repórter da televisão brasileira, meu conhecido, e seu cinegrafista. Estava conversando com Lorenzo Hernandez, professor de economia. Falava sobre a possibilidade de fraude visto que no processo de formação do registro eleitoral biométrico havia sido emitida, sem controle, uma grande quantidade de cédulas de identidade e com elas o cidadão foi-se alistar.

Mencionou o fato dos mais de 400 mil eleitores que tiveram suspenso o seu direito de votar, depois devolvido pela CNE. Contestei, afirmando que esses 400 mil não tinham certidão de nascimento, documento básico para o registro biomátrico, mas isto não era suficiente para desclassificá-los de seu direito fundamental de cidadão e que a possibilidade de fraude era praticamente impossível porquanto no padrão biométrico constavam as dez impressões digitais e que na hora de votar o eleitor só seria autorizado se as impressões digitais captadas por uma máquina coincidissem com o padrão e com o seu documento particular.

"Meu caro professor, desde que o argentino Vucetich, no comeco do século 20, inventou o sistema de identificação pelas impressões digitais, sabe-se que não existe uma impressão digital exatamente igual a outra. E isso vale para os mais de 6 bilhões de terráqueos."

Coincidência ou não, a grande imprensa boliviana, em seus editoriais e colunas, batia na tecla da fraude. O jornal El Dia de Santa Cruz abriu enorme espaco para o advogado Eduardo Arancibia, que conseguiu captar no registro eleitoral uns tantos casos de portador de um dado documento estar inscrito para votar em dois ou três locais distintos. No entanto esta irregularidade será saneada no próprio ato de se apresentar para votar. Ao apor suas impressões a máquina irá identificá-las e estampar na tela que este eleitor já votou.

Eles querem que o 'cambio' contuinue

Pegamos uma carona com o repórter brasileiro até a Praca de San Francisco, local de grande afluência popular. Queria fazer umas tomadas com pessoas simples do povo. Provavelmente sua estação não irá transmiti-las.

Foram ouvidas mulheres com seus trajes típicos indígenas, gente sentada na escadaria da igreja. Foram unânimes. Querem que o 'cambio' continue e avance, que as transformações previstas na Constituição Política do Estado se concretizem, que os programas socias prossigam para amenizar a pobreza. "Sempre um pequeno grupo mandava nesse país, só para seus interesses. Agora o comando é de um dos nossos, da maioria da Bolívia", enfatizou a jovem Juana Aguirre.

* Jornalista brasileiro, membro da Comissão de Relações Internacionais do PT