Opinião – Direitos Humanos: desafio de construção de uma frente

O tempo presente e a tarefa histórica de construção de uma nova sociedade nos impõe o desafio da luta pela hegemonia social sobre os setores que sofrem sobre o jugo do capitalismo e tal desafio significa estarmos presentes em todos os espaços sociais que possam constituir-se como frentes de batalha política, ideológica e social.

E é sobre uma área ainda pouco desbravada por nós que venho querer discorrer nessas breves linhas: a defesa dos direitos humanos (DH). Frente de luta que de certa forma se põe diante de nós em decorrência de nossa própria história, no momento em que avança a batalha pelo direito de esclarecer o que houve nos anos de ditadura, para que o Estado brasileiro se redima dos crimes perpetrados contra combatentes daquele período e em que retorna o debate sobre a revisão da polêmica anistia geral que deixou tais crimes impunes.

Esse campo remonta à Declaração dos Direitos do Homem da Revolução Francesa, realizada com ampla participação das massas, mas adquire sua feição atual a partir da escalada dos direitos políticos e econômicos, fruto das jornadas de lutas dos trabalhadores e dos povos, apesar das classes dirigentes. E assim como os direitos humanos possuem a marca aguerrida do proletariado e do povo na contenda por mais direitos, constitui-se em frente avançada de combate à faceta fascistóide da sociedade burguesa quando esta volta seu braço repressivo como meio de controle e contenção social sobre as classes e camadas oprimidas, quando intenta em tratar questões sociais como questões de polícia e através da estereotipação busca destituir de direitos aqueles que freqüentemente são alvos da desigualdade econômica e desproteção social própria do sistema capitalista.

Nesse terreno de batalha nos defrontamos com toda a ordem de preconceitos e com as posições mais reacionárias que permeiam o arsenal inimigo e circulam pela sociedade sendo mobilizadas nas outras diferentes arenas, como movimento de mulheres, de direitos da criança e do adolescente, do idoso e relacionados a segmentos bem específicos com maior dificuldade de reação organizada aos ataques do inimigo, como muitos daqueles que se encontram no sistema carcerário.

A defesa dos Direitos Humanos liga-se a estas lutas e se estabelece como interseção em muitos pontos e em vários momentos com várias outras frentes, mas principalmente volta-se para a garantia dos direitos universais na mesma medida em que na prática confere defesa freqüentemente aos setores mais fragilizados frente às formas de opressão vigentes neste tipo de formação social. Muitos dos setores que muitas vezes são justamente o alvo dessa ação dos reacionários são segmentos que combinam tanto o fato de serem especialmente expostos socialmente, inclusive alvos de preconceito ou estigma social, como o fato já citado de não possuírem o nível de organização que os “movimentos tradicionais” ou “novos movimentos” já possuem. E por isso mesmo tal frente se abre como frente transversal de defesa de vários segmentos onde às vezes não estamos muito presentes, mas dos quais não deixamos de atuar pontualmente ou em momentos mais críticos, como na defesa de crianças e adolescentes na qual atuam camaradas que são conselheiros tutelares, educadores sociais ou ocupam outros postos de batalha, mas onde não temos uma ação específica articulada, integrada, formando e sistematizando no nosso pensamento nossa experiência especificamente nessa luta.

O Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz (CEBRAPAZ) já configura um primeiro passo no sentido de constituição de mecanismos para uma ação articulada na defesa dos direitos humanos – e bem sucedida, mesmo que sendo em uma discussão mais específica e mesmo em outra frente, a da solidariedade internacional. Da mesma forma existem outras iniciativas espalhadas pelo país, como atuação isolada ou mais articulada de advogados do partido que abrem caminhos, ou outros profissionais ou militantes que atuam a partir de sua vocação e formação também profissional ou por participação em espaços da sociedade civil. Mas nos falta ainda pautarmos esta questão como algo a ser tratado enquanto frente de disputa de idéias e de espaços para a luta social de nosso tempo. Nesse sentido vários espaços privilegiados se apresentam para uma atuação nossa em um novo patamar como em entidades plurais da sociedade civil – como entidades profissionais que defendem os direitos das chamadas “minorias” -, organizações religiosas de militância social, conselhos sociais como os comunitários de segurança, de defesa dos direitos da criança e do adolescente, entidades de defesa da anistia e de luta pela responsabilização criminal dos torturadores e de grupos de extermínio, entidades de solidariedade internacional, comitês de mobilização social e que cobram justiça em casos pontuais entre outras modalidades de formas de organização nessa luta.

Espero ter conseguido minimamente ter expressado o que penso ser a ponta de um iceberg que aponte ascendentemente para um novo flanco da luta mais geral de nossos dias, sua importância particular, que para além de suas imagináveis limitações também, penso, dispõe de potencial para agregar novos sentidos a antigas batalhas de fundo, hoje em novas condições. O engajamento ponderado e organizado de uma organização conseqüente e com o acúmulo e consciência histórica como a nossa possui, com vocação para o empenho abnegado de emancipar as massas dos grilhões da propaganda e ideologia dominantes podem ser o elemento diferencial numa batalha tão “ingrata” como é hoje a luta em torno dos direitos humanos tanto pela sua implementação quanto pela sua defesa junto à população. Assim poderemos quiçá deflagrar vitórias num campo tão emblemático como é o da forma como nosso povo edifica seus sentimentos e consciência frente à diferença e muitas vezes frente a si próprio, o que o faz freqüentemente com sabedoria, mas ainda sofrendo muito a influência pérfida dos setores mais atrasados.

Roberto dos Santos da Silva é membro do Comitê Auxiliar da Universidade Federal do Ceará e bacharel em Ciências Sociais.