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O que aconteceria em caso de um colapso do dólar?

A crise financeira nos ensinou que os mercados podem cair mais e mais rápido do que as pessoas esperam. O preço das moradias nos EUA, por exemplo, caiu por três anos seguidos a começar de 2006, embora a sabedoria convencional dissesse até então que os preços não iriam cair nem um pouco.

Por Peter Coy, da BusinessWeek, no jornal Valor Econômico

Vamos aplicar isso ao dólar, que também deveria resistir a uma crise. Após se enfraquecer gradualmente desde 2002, a moeda americana subiu com a crise financeira do ano passado. Mas acumula uma desvalorização de cerca de 15% desde março, quando os investidores passaram a mudar para moedas de maior rendimento.

A sabedoria convencional diz que a esses níveis, o dólar está barato, prestes a iniciar uma recuperação. “As moedas não avançam muito mais que 20% em relação às suas médias de longo prazo em termos reais [ajustado à inflação]. Já estamos lá”, afirma Michael Dooley, economista, fundador e analista-chefe da Cabezon Capital Management, firma de investimentos de São Francisco.

Assim, vale ao menos cogitar a possibilidade de um “colapso” do dólar. A razão de o estouro da bolha imobiliária ter tido efeitos tão devastadores foi a falta de imaginação: bancos, autoridades reguladoras, agências de avaliação de crédito e outros simplesmente não conseguiam acreditar que os preços das casas cairiam do jeito que caíram, de modo que todos foram pegos de surpresa.

Imaginemos que o dólar caia rapidamente mais 25% contra cada uma das grandes moedas mundiais, algo mais ou menos parecido com o declínio sem precedentes de 30% nos preços das casas. Isso significaria que seria preciso US$ 2 para comprar € 1.

O lado bom é que as empresas americanas teriam mais facilidade para competir nos mercados internacionais, e o turismo teria uma explosão nos EUA. O lado ruim é que a inflação subiria nos EUA devido ao custo maior dos produtos importados. Os americanos teriam ainda mais problemas para obter empréstimos à medida que os compradores estrangeiros fossem saindo do mercado de dívida.

Fora, o dólar barato tornaria mais difícil exportar para os EUA, o que afetaria o crescimento do resto do mundo. A China poderia enfrentar distúrbios sociais. Guerras comerciais poderiam irromper. E haveria problemas em bancos expostos demais, aqueles que tinham certeza de que um estouro do dólar não ocorreria. Como diz o investidor Warren Buffett: “Você só descobre quem está nadando pelado quando a maré baixa”.

As autoridades reguladoras dos EUA estão monitorando os bancos em uma ampla variedade de riscos, incluindo a ameaça de uma quebra do dólar: “Não estamos acompanhando os riscos trimestre a trimestre, e sim minuto a minuto”, diz uma autoridade que pediu para não ser identificada.

Após o pico atingido no segundo trimestre, o dólar acumula queda de 11% contra o iene japonês, 16% contra o euro, 21% contra o dólar canadense e cerca de 30% contra o real e o dólar australiano, que estão se beneficiando do repique no preço das commodities.

Em relação a uma cesta ampla de moedas de todos os parceiros comerciais dos EUA, ajustada à inflação, o dólar já caiu 15% desde o pico atingido no segundo trimestre.
Por trás da fraqueza do dólar está a taxa de juro de curto prazo dos EUA, perto de zero.

Assim como fizeram antes com o iene, investidores estão tomando dólar barato emprestado para vendê-los e comprar moedas de países cujas ações e bônus prometem retornos melhores. O Federal Reserve (Fed) está mantendo o juro básico a 0,25% para estimular a economia americana e ajudar os bancos, mas um efeito colateral é que o dólar tornou-se o combustível preferido da aposta especulativa internacional, que o está sobrecarregando.

Uma outra força ajuda a derrubar o dólar: os contínuos déficits comerciais dos EUA, um custo que os EUA estão pagando por tomar emprestado do resto do mundo. Alguns economistas acreditam que, em algum momento, os EUA serão forçados a desvalorizar sua própria moeda para tornar seu endividamento mundial mais suportável. Embora o rombo comercial tenha caído para menos de 3% do PIB no segundo trimestre, contra o pico de 6% em 2006, ele ainda é alto pelos padrões históricos.

Alguns dos bancos centrais que sustentaram o dólar parecem estar com medo. Em vez de comprar só dólares para suas reservas internacionais, estão diversificando para outras moedas. Os países que revelam a composição de suas reservas colocaram 63% delas em euros e iene no segundo trimestre, segundo análise do Barclays Capital. Steven

Englander, principal estrategista de câmbio do Barclays, diz: “O incentivo desses países é tentar uma diversificação discreta, e não ’sair fora a todo preço’”. A China não revela a composição de suas reservas, que superam US$ 2 trilhões.

Membros do governo Obama não parecem perturbados pela queda do dólar até agora. O dólar mais fraco ajuda a diminuir o déficit comercial ao tornar os produtos americanos mais competitivos.

Mas essa calmaria pode desaparecer da noite para o dia se os mercados financeiros sentirem que a queda do dólar vai se tornar uma bola de neve sem controle. Nesse ponto, o “campo de força” invisível que protege o dólar vai sumir, afirma Martin Weiss, presidente do Weiss Group, firma de análises de dados financeiros de Júpiter, Flórida. Weiss diz: “Nos tornaríamos mortais comuns, mais vulneráveis a ataques contra a nossa moeda”.

Nesse cenário pessimista, o declínio ganha vida própria. As vendas geram mais vendas. Bancos centrais mundiais interviriam para estimular o câmbio, mas os especuladores, tendo já experimentado o gosto da vitória, não recuariam. Paul Krugman, economista da Universidade Princeton, certa vez chamou isso de cenário coiote, numa referência ao personagem do desenho animado Papa-Léguas, que perde o chão no alto de um despenhadeiro, mas só começa a cair quando olha para baixo e vê que não há nada sob seus pés.

As especulações de que o dólar poderá sofrer um colapso podem se tornar autorrealizáveis se os operadores se apressarem a deixar a moeda. Ashraf Laidi, principal estrategista de câmbio da CMC Markets, uma corretora de Londres, diz que “agora há cerca de 30% a 40% de chances de vermos o dólar cair ao ponto de configurar uma crise”.

Os otimistas com o dólar apontam que a moeda recuperou-se ultimamente. Mas Laidi não vê nisso uma demonstração de apoio ao dólar ou à economia dos EUA. Ele diz que os investidores apenas recuaram de todos os tipos de risco e colocaram seu dinheiro no instrumento de curto prazo de maior liquidez – justamente os títulos do Tesouro americano. Englander, do Barclays, concorda: “Não se trata de uma aposta de longo prazo na economia dos EUA”.

Os operadores de câmbio não dão muito crédito às declarações de apoio ao dólar forte feitas por autoridades americanas. Observam que secretários do Tesouro desde o governo Clinton vêm dizendo que apoiam o dólar forte. Mas os EUA não vêm dando apoio à sua moeda através de compras no mercado desde 1995.

Se o dólar despencar, o preço das importações pode subir mais rápido que o esperado pelos economistas. Seria um desastre para a economia se o Fed tivesse que subir a taxa de juros para conter a inflação ou defender a moeda, enquanto o crescimento segue fraco.

O dólar mais fraco deixaria os americanos mais pobres, ao reduzir o poder de compra da moeda. E não há garantias de que isso vai estimular o setor industrial americano, diz David Mallpass, presidente da consultoria Encima Global. Para ele, a queda do dólar no fim dos anos 80 mais atrapalhou que ajudou Detroit, ao dar ao Japão poder de compra para fortalecer suas montadoras. “Podemos ficar pobres a ponto de não podermos importar muita coisa e equilibraremos a balança comercial. Mas isso seria bom para os EUA?”

No curto prazo, o maior risco seria a falência de quem fez apostas altamente alavancadas e que está vulnerável a uma queda do dólar. Isso afetaria não só os negócios de câmbio, mas também os de derivativos de juros e os swaps de defaults de crédito. Cinco grandes bancos responderam por 88% da exposição de risco de crédito a derivativos em todo o sistema bancário dos EUA no segundo trimestre. Ninguém sabe se o dólar caminha para um desastre. Mas acreditar no melhor é arriscado.