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Fogo destrói obras de Hélio Oiticica avaliadas em US$ 200 milhões

Um incêndio destruiu, no final da noite de sexta-feira (16), parte da residência do pintor e arquiteto César Oiticica, irmão do pintor, escultor e artista conceitual Hélio Oiticica, morto em 1980, aos 42 anos. A casa fica na região do Jardim Botânico, no bairro de Botafogo, zona sul do Rio.

No local estavam cerca de 2 mil obras de Hélio. “Perdemos cerca de US$ 200 milhões, mas esse não é o valor principal — o valor em dinheiro não significa nada”, disse César, em entrevista à Rádio CBN. “É uma perda que o mundo inteiro irá lastimar. A cultura brasileira ficou ferida. Eu me sinto pessimamente.”

César disse que estava jantando em casa quando foi alertado por uma empregada sobre o fogo. Segundo ele, a sala onde estavam guardadas as obras era adaptada para funcionar como uma reserva técnica, e não havia nada de inflamável no local. Os bombeiros foram chamados, e viaturas do quartel de Humaitá foram deslocadas para a residência.

Ainda não se sabe o que teria causado o incêndio, que começou no primeiro andar da casa. Segundo a família, os bombeiros demoraram para chegar até a casa e começar o combate ao fogo. Quando chegaram, o fogo já havia destruído o acervo.

Seja qual for sua causa, o incêndio dilapidou grande parte da produção de uma dos mais importantes artistas plásticos brasileiros. De acordo com o César, todo o acervo do artista que estava guardado no local foi perdido. Esse acervo, mantido numa sala com controle de umidade e temperatura, corresponderia a 90% da obra de Hélio Oiticica.

Neoconcretismo

Um dos artistas plásticos brasileiros de maior renome internacional, com obras expostas em vários países, o carioca Helio Oiticica, nascido em 1937, compareceu a uma escola pela primeira vez aos dez anos. Ele teve sua formação influenciada pelo pai, José Oiticica Filho — um dos mais importantes fotógrafos brasileiros — e pelo avô José Oiticica, intelectual filólogo, professor, escritor e jornalista.

Em 1953, Oiticica começou a estudar pintura com Ivan Serpa, após tomar contato com a obra de Paul Klee, Alexander Calder, Piet Mondrian e Pablo Picasso durante a 2ª Bienal de Arte Moderna de São Paulo. Em 1954, entrou para o Grupo Frente e junto fez a sua primeira exposição no Museu de Arte Moderna.

Nessa época, Oiticica começou a conviver com artistas e críticos, como Lygia Clark, Ferreira Gullar, Amilcar de Castro e Mário Pedrosa. Sua obra desse período, entre 1955 e 1957, são pinturas geométricas sob guache e cartão, que resultou em 27 trabalhos nessa técnica, intitulados Secos, que foram expostos no Rio de Janeiro, na Exposição Nacional de Arte Concreta.

Em 1959, convidado por Lygia Clark e Gullar, integrou o Grupo Neoconcreto do Rio de Janeiro e passou a realizar pinturas a óleo sobre tela e compensado. São obras monocromáticas que incluem pinturas triangulares em vermelho e branco. Também em 1959, participou da 5ª Bienal do Museu de Arte Moderna de São Paulo. Em 1960 trabalhou como auxiliar técnico de seu pai, José Oiticica Filho, no Museu Nacional.

Os “parangolés”

A partir do início dos anos 60, Oiticica começou a definir qual seria o seu papel nas artes plásticas brasileiras e a conceituar uma nova forma de trabalhar, fazendo uso de maneiras que rompiam com a ideia de contemplação estática da tela. Surgiu aí uma proposta da apreciação sensorial mais ampla da obra, através do tato, do olfato, da audição e do paladar.

Foi naquela década que ele ficou conhecido por obras conceituais, como as capas coloridas chamadas por ele de “parangolés” e instalações, os “penetráveis”. Estes últimos foram criados para serem vivenciados (ou penetrados) pelo espectador. Nessas obras, o artista passa a criar espaços de convivência que rompem com a relação formal entre arte e observador e pedem presença ativa e distendida no tempo.

Em 1964, Oiticia se aproximou da cultura popular e passou a frequentar a Escola de Samba Estação Primeira de Mangueira, tornando-se passista e integrando-se na comunidade do morro. Vem dessa época o uso da palavra "parangolé" que passou a designar as obras que estava trabalhando naquele momento.

“Agitação súbita ou alegria inesperada.” Era o significado de parangolé na gíria dos morros cariocas nos anos 60. Era tanto o burburinho de uma roda de samba quanto o susto de uma batida policial. Mas, para Oiticica, parangolés eram capas de algodão ou náilon, com poemas em tinta sobre o tecido. Em repouso, quando estavam fechadas, lembravam "as asas murchas de um pássaro", segundo o poeta Haroldo de Campos. Bastava alguém vesti-las e abrir os braços para que se confundissem com uma "asa-delta para o êxtase", percebeu o poeta.

Os primeiros parangolés se compunham de tenda, estandarte e bandeira e P4, a primeira capa para ser usada sobre o corpo. São obras que causaram polêmicas e ele definia como "antiarte por excelência". Em 1965, o artista começou carreira internacional e realizou a exposição Soundings Two em Londres, ao lado de obras de Duchamp, Klee, Kandinsky, Mondrian, Léger, entre outros.

Inspiração

Já em 1967, iniciou suas propostas supra-sensoriais, com os bólides da Trilogia Sensorial, além dos penetráveis PN2 e PN3 que faziam parte da obra Tropicália, mostrada na exposição Nova Objetividade Brasileira, no MAM, Rio de Janeiro. Um de seus trabalhos mais importantes, Tropicália acabaria por inspirar e dar nome, em 1968, ao célebre movimento cultural brasileiro que revolucionou a música, o cinema, o design, a moda e as artes do país nos anos seguintes.

Na década de 70, Helio Oiticica morou durante oito anos em Nova York. Em 1972, usou o formato super 8 e realizou o filme Agripina é Roma – Manhattan. O cinema passou a ser uma referência, e em 1973 criou o projeto Quase-cinema, com a obra Helena Inventa Ângela Maria, série de slides que evocam a carreira da cantora Ângela Maria.

Uma nova série de penetráveis intitulados Magic Square e os objetos Topological ready-made landscapes foram mostrados na exposição Projeto construtivo brasileiro, MAM, Rio de Janeiro, em 1977. Em 1979, criou o seu último penetrável chamado Azul in azul. Neste ano, Ivan Cardoso realizou o filme HO, retratando a obra de Hélio Oiticica.

Homenagens pós-morte

De volta ao Rio de Janeiro, o artista faleceu em 22 de março de 1980, após sofrer um acidente vascular cerebral. Um ano após sua morte, foi criado no Rio o Projeto Helio Oticica, para preservar a obra do artista.

A prefeitura carioca também criou, em 1996, o Centro de Artes Helio Oiticica, instalado num prédio do século 19, próximo à Praça Tiradentes, no centro do Rio. Além de exposições temporárias, o espaço abriga uma parte pequena do acervo de Helio Oiticica. O museu de Inhotim, em Minas Gerais, também conta com obras de Oiticica, incluindo o penetrável Magic square # 5 e uma versão da série Cosmococa, feita com Neville D'Almeida.

Da Redação, com agências