Sem categoria

Especialistas defendem ciência como fator de avanço social

O PCdoB e a Fundação Maurício Grabois dedicaram a noite desta quarta-feira (30) ao debate sobre ciência e tecnologia no projeto nacional de desenvolvimento. O evento – que constitui os debates do partido rumo ao seu 12º Congresso – teve a presença de mais de uma centena pessoas e recebeu nomes consagrados da área.

Participaram da mesa Marco Antonio Raupp, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC); Luiz Cláudio Costa, reitor da Universidade Federal de Viçosa (MG) e Luis Fernandes, presidente da Financiadora de Estudos Projetos (Finep). Os trabalhos foram coordenados por Luciana Santos (foto), secretária de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente do Estado de Pernambuco.

Marco Antonio Raupp começou sua apresentação falando sobre os recortes cultural e utilitarista que podem ser dados à ciência a fim de tirar dela o maior número possível de vantagens para o país. Mas, alertou que “ciência não é uma panacéia” e para funcionar “precisa estar associada a políticas públicas bem direcionadas; do contrário, pode gerar catástrofes”. Para ele, “a sociedade tem que dirigir a ciência”.

Ele reconhece que houve avanços importantes no governo Lula – entre eles o conjunto de ações intitulado PAC da Ciência e Tecnologia que devem ser implementadas até 2010 –, mas ainda é preciso estabelecer uma ligação mais direta entre investimentos nessa área e políticas públicas em diversos segmentos. “É relativamente recente o uso da ciência de maneira organizada”, constatou.

Raupp recordou o processo de industrialização a partir dos anos 1930 – quando houve principalmente investimentos de empresas estatais “que tinham uma visão estratégica”, sem correspondência no setor privado. O sistema acadêmico voltado para a pesquisa ganhou força com a USP, criada em 1934. “Hoje temos um sucesso razoável na área, nossa pesquisa é responsável por 2% da produção científica mundial”, disse.

O fato de o setor privado não ter assimilado essa visão de longo prazo assumido pelas empresas públicas nos anos 1930 fez com que “o sistema de produção de conhecimento ficasse isolado da demanda do setor produtivo”. Após a ditadura militar – em que ainda houve investimentos no setor público – “chegamos aos anos 1980 e 1990 com grandes impasses inclusive na área de CeT. Os governos passaram a adotar medidas liberais que desestimularam o setor público”. A era neoliberal “não investiu em políticas públicas e fracassou. Hoje vivemos outro mundo” e “a indústria pede rápida capacidade de adaptação e inovação para competir externamente”.

Para Raupp (foto), alguns desafios devem ser enfrentados para colocar a ciência e a tecnologia em um patamar ainda mais avançado no Brasil, ele destacou aspectos como “inovação e adequação tecnológica, gerando novos produtos, serviços e conhecimentos” e “a observância dos problemas ambientais, que hoje fazem com que milhões de consumidores em todo o mundo exijam certificações”. Segundo Raupp, “o ambientalismo deixou de ter uma abordagem quase religiosa para ter uma econômica, ligada às necessidades reais das empresas”. Para ele, se o Brasil souber investir em políticas públicas que explorem de maneira sustentável sua riqueza natural “terá a chance de ser a primeira potência ambiental do planeta”.

Segundo o presidente da SBPC, “este é o momento de o país deslanchar, mas é preciso que as políticas de ciência e tecnologia sejam de Estado e não de governo”. Lula, disse, “está fazendo o que Vargas fez e temos que garantir que isso continue através dos tempos. Sou otimista e sei que se o Brasil se desenvolver, a sociedade também poderá avançar muito”.

Papel político da ciência

O reitor da Universidade Federal de Viçosa, Luiz Cláudio Costa, começou sua apresentação enfatizando que “a ciência teve e tem papel político importante” no desenvolvimento da sociedade e que “não se faz um país sem ter grandes universidades e sem um sistema de ciência e tecnologia”. Ele ressaltou que hoje “o sistema de ensino superior não está voltado para a pesquisa”.

Apesar desse quadro, ressaltou que “o Brasil figura na 13ª posição no ranking de geração de conhecimento no mundo e estamos avançando; em breve, podemos estar no 10º lugar”. Sobre os investimentos que têm sido feitos na área desde a chegada de Lula à Presidência, ressaltou: “tenho muito orgulho de ser reitor de universidade e de ter um torneiro mecânico como presidente do meu país, alguém que tem uma visão que ninguém nunca teve da sociedade. Antes, os reitores precisavam ficar quebrando a cabeça para conseguir pagar contas de água e de luz”.

Com o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras) “o governo passou a reinvestir nas universidades”. Até 2012, serão cerca de 2,5 bilhões de reais no programa. “O país começou a ver a importância da ciência e da tecnologia; temos cem campus novos, pós-graduação pujante e nunca houve tanto recurso nessa área. Ainda nos faltam profissionais que a própria universidade pública forma, mas que acabam saindo para a iniciativa privada por conta dos salários”.

Ele lembra que o Brasil já realizou diversas pesquisas em áreas estratégicas. “Inovou, por exemplo, no que diz respeito à ciência da agricultura tropical. Mas, o mundo está prestes à perenização da fome e há uma demanda crescente de comida. Com as mudanças climáticas, teremos um problema sério porque cerca de dois bilhões de pessoas vivem em áreas secas do mundo. Precisamos de pesquisas que respondam a essa demanda”.

Para Costa, o desenvolvimento da ciência e da tecnologia “deve servir ao desenvolvimento social”. Neste sentido, disse que é importante “ampliar o diálogo entre empresas e universidades, mas principalmente entre a sociedade e a universidade. Há setores que estão completamente fora dessa relação, como os quilombolas e os índios”. Por isso, conta que criou na Universidade de Viçosa uma assessoria de movimentos sociais “porque precisamos fazer essa ligação”.

Segundo Costa, reside na melhoria social o grande trunfo da ciência e da tecnologia. “Ainda somos o país mais injusto do mundo, com assimetrias que nos envergonham e não dá para esperar o bolo crescer para dividi-lo; a universidade moderna necessita de excelência acadêmica, mas também de relevância social de maneira que seus produtos estejam a serviço da sociedade e para que assim consigamos construir o país que queremos”. Ele destacou ainda que “o Brasil pode e deve liderar a interação sul-sul” e que “a internacionalização da CeT tem de levar em conta o aspecto da solidariedade”.

Um dos pontos que precisam ser combatidos na universidade, mais do que a evasão é, segundo o reitor, a pré-evasão. “Há milhares de jovens que sonham estar na universidade, mas sequer consegue chegar lá. Isto é pior do que a evasão. O Brasil não pode mais perder cérebros que não chegam a esses espaços devido à injustiça social”.

Novo padrão tecnológico

Luis Fernandes (foto), da Finep, finalizou as apresentações. Ele lembrou que houve, nas últimas décadas, “a ascensão de um novo padrão tecnológico em que a ciência se tornou um fator agregador de valores. Com isso, criou novos mecanismos de poder: aqueles que dominam a cadeia tecnológica dominam os rumos mundiais e com isso reforçam determinadas características de assimetria do sistema internacional”.

O novo cenário levou ainda ao deslocamento da geração de conhecimento. “Assistimos nos países centrais a pesquisa saindo das instituições públicas para as grandes empresas centralizadoras e de feição monopolista, o que resulta no processo de centralização do capital. Por isso, o país que não colocar o tema da inovação em CeT no coração de seu esforço, está se condenando à condição de colônia”.

Ele alertou que esse sistema adquire centralidade no debate sobre o desenvolvimento nacional porque “na medida em que essa tendência não é combatida por políticas públicas, há a propensão de se continuar reproduzindo essa assimetria”. O momento atual, em que emergem países como China, Brasil e Índia é, para ele, propício para essa discussão. “Os países que se tornaram pólo o fizeram acoplando os investimentos em ciência e tecnologia ao seu projeto nacional de desenvolvimento e é este caminho que devemos seguir”.

Ele lembrou que “nosso sistema de CeT – o mais avançado da América Latina – teve a vicissitude de ser montado num momento em que o projeto nacional de desenvolvimento foi implantado, num momento em que o mercado nacional era protegido”. Porém, ressaltou, “a lógica daquele modelo (implantado a partir dos anos 30) não trouxe consigo a questão da inovação tecnológica, com exceção das estatais, como foi dito”. Portanto, “tivemos exemplos tópicos de sucesso – como na Embraer e na Petrobras –, mas que não expressavam uma conexão sistêmica com um projeto e com a autonomia na geração nacional de conhecimento”. O legado dessa falta de conexão foi a “falta de inovação incorporada como força motriz da produção cientifica. Essa deficiência levou, mais tarde, a uma grande desnacionalização”.

Para ele, a solução hoje está em “sermos capazes de canalizar grandes investimentos para planos de ação em CeT; identificar os programas estratégicos para sustentar ciclo sustentável, apoiar a inovação tecnológica nas empresas e potencializar nossas vantagens para diminuir desigualdade social”.

De São Paulo,
Priscila Lobregatte