Em entrevista, Lula Morais fala sobre 50 anos da Revolução Cubana

Em entrevista para Renata Wirtzbiki, aluna da disciplina de Jornalismo Impresso II da Universidade de Fortaleza, o deputado Lula Morais retrata sua opinião sobre a Revolução Cubana.

Maravilha
Ilha de luz
Quero tua cor mulata
A tua verde mata
Os teus mares azuis

Maravilha
Também quero o teu bagaço
A força do teu braço
O afago dos teus calos
Quero os teus regalos
Encharcados de suor

(trecho da música Maravilha, de Chico Buarque e Francis Hime)

Os versos da canção retratam o encanto de Chico Buarque e Francis Hime à Cuba. Encanto que foi compartilhado com uma geração de artistas, estudantes, intelectuais e políticos brasileiros nas décadas de 1960 e 1970, período do auge do sistema socialista de Fidel Castro, implantado em 1º de janeiro de 1959.

Apesar das informações escassas sobre a revolução – em terras tupiniquins, os tempos eram de ditadura militar, e o Brasil, a exemplo de outros países da América Latina, havia rompido relações com a ilha – as conquistas sociais promovidas por Fidel nos setores da reforma agrária, saúde, educação, esporte, infra-estrutura e habitação não passaram desapercebidas pelos brasileiros.

Na década de 70, por exemplo, militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) organizaram uma série de guerrilhas – a Guerra do Araguaia – com o objetivo de combater o governo militar e implantar o comunismo no Brasil, à exemplo de Cuba. O livro A Ilha, do jornalista Fernando Morais, que conta a sua viagem ao país de Fidel, serviu de inspiração para toda uma geração.

Quatro anos antes do Golpe Militar de 1964, o filósofo e escritor francês Jean-Paul Sartre, em visita ao Brasil para lançar o livro-reportagem “Furacão sobre Cuba”, que trata da sua estadia no país como hóspede de Fidel, retratou bem o sentimento – e a curiosidade brasileira – a respeito da Revolução.

Escreveu Sartre: “No Brasil, em toda parte – na Bahia, no Rio, em São Paulo, em Araraquara – encontrei uma juventude arrebatada, cuja primeira pergunta era sempre: ‘E Cuba?’. E, apesar de todas as características que distinguem um país do outro, acabei compreendendo que falar aos brasileiros sobre a ilha rebelde era falar deles próprios”.

Distinções, sim. A ditadura implantada no Brasil em 1964 difere da ditadura do presidente Fulgêncio Batista, em Cuba, nos anos 1950. A ditadura brasileira, a exemplo das que aconteceram no Uruguai, Argentina e Chile, teve um envolvimento com a Guerra Fria no combate ao comunismo. Já em Cuba, como na Nicarágua, as ditaduras serviram para assegurar a posse e os interesses econômicos e políticos dos Estados Unidos.

Saibam vocês, os de agora
Que conheci o ontem cubano
O anteontem de Havana:
Tudo era baralho e Daiquiri
Brancas e negras se vendiam
Enquanto subiam às varandas
Um clamor de bocas amargas
Com a seresta da fome:
Eu certifico que era assim:
Bolo podre, monte de esterco
Entardecer prostibular.

(Trecho da poesia Em Cuba, de Pablo Neruda)

Em princípio, Fidel não pensava em realizar uma revolução marxista-leninista: a intenção era democratizar a ilha, a exemplo de outros países do continente. E, junto com a democratização, aconteceriam eleições livres, reformas sociais e uma busca pela nacionalização.

De acordo com o colombiano Gerson Ledezma, doutor em História pela Universidade de Brasília (UNB) e professor de História da América Latina da Universidade Federal do Ceará (UFC), no início a palavra “socialismo” não era utilizada por Fidel em seus discursos.

“O que Fidel Castro representava para os Estados Unidos em 1958 era isso: mais um que iria democratizar Cuba, como outros estavam fazendo na Venezuela, em Costa Rica, no Haiti. Os Estados Unidos aplaudiram Fidel Castro, e ele viajou para Miami, Nova Iorque, Washington; viajou para outros países da América Latina, falando em democracia, em reformas sociais”, diz Ledezma.

No entanto, a situação não demorou a tomar um rumo diferente: percebendo uma mudança mais radical de Fidel para um regime de esquerda, como a desapropriação de propriedades dos americanos, pagando indenizações em um valor bem abaixo do real; e a nacionalização das refinarias de açúcar, usinas e indústrias – que tinham donos americanos, em sua maior parte – os EUA começaram a ficar irritados. Em 1961, o então presidente John Kennedy rompeu as relações diplomáticas com Cuba.

No mesmo ano, Fidel anunciou o caráter socialista da revolução cubana. “Se Estados Unidos tivessem deixado Fidel Castro continuar com suas reformas, dificilmente essas reformas não teriam passado daquilo que na América Latina chamava-se de ‘reformismo’, e não de socialismo”, acredita Ledezma.

Em 1962 os EUA anunciam um embargo econômico, financeiro e comercial a Cuba, e o país é expulso da Organização dos Estados Americanos (OEA). O bloqueio foi ampliado durante o governo do democrata Bill Clinton, em 1999. No entanto, outro democrata, o atual presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, dá sinais de que o maior embargo da história contemporânea pode estar com os dias contados.

Obama já suspendeu, em abril deste ano, as restrições às viagens e ao envio de dinheiro de cidadãos cubano-americanos, que tinham sido aprovadas pelo ex-presidente George W. Bush em 2004.

O fim do embargo pode estar próximo… Será?

Atualmente, os EUA contam com mais de 1,5 milhão de cubanos e seus descendentes vivendo em seu território. O dinheiro enviado para seus familiares em Cuba auxilia àqueles que ganham, em média, um salário de 17 dólares. Com o provável fim do embargo econômico e com o afastamento de Fidel Castro do poder, por motivos de saúde – atualmente a ilha é governada por seu irmão, Raúl Castro – a dúvida é se Cuba continuará sob o regime socialista.

Para o deputado estadual Lula Morais, único representante do PCdoB na Assembléia Legislativa do Ceará, a consciência política e social do povo cubano já está consolidada, e não vai ser destruída com a abertura econômica. “Eu vejo com muito otimismo essa possibilidade, em função da nova realidade geopolítica e econômica que o mundo passa”, enfatiza. O parlamentar acrescenta que o favorecimento da movimentação econômica vai garantir um grande salto de qualidade na vida dos cubanos.

O professor Ledezma, por sua vez, acredita que, acabado o bloqueio, todas as empresas terão a liberdade de negociar em Cuba. “Imagino que, caso Fidel Castro e Estados Unidos cheguem a algum acordo entre o capitalismo e o socialismo, eles vão ter que mediar. O que nós vamos ver em Cuba não será esse capitalismo que está inserido em todos os países. O que Fidel Castro vai tentar, como tenta o presidente Lula, ou como tenta Hugo Chávez, ou Evo Morales, é humanizar o capitalismo”.

No entanto, o professor levanta ainda outra questão: o capitalismo pode ser humanizado? “Nós sabemos que a intenção dos ricos que manejam o capitalismo não é humanizar. Nós sabemos o quanto eles ficam bravos quando em um país surge um líder desses carismáticos – que a imprensa chama de populismo pejorativamente, e que eu chamo de nacionalista”.

Há ainda quem não acredite no fim do embargo econômico. É o caso do diretor da Casa de Amizade Brasil-Cuba no Ceará, e membro estadual do Partido dos Trabalhadores, Antônio Ibiapino. “Não vai acabar o embargo. O Obama representa o capitalismo norte-americano. Ele não está acima do capitalismo: o capitalismo está acima dele. Jamais ele acabará com o embargo”. E acrescenta: “O imperialismo norte-americano não pode permitir, de forma alguma, que Cuba seja um exemplo socialista para o mundo”.

“É preciso esperar para ver”, é o que aconselha a jornalista e professora Valéria Geremia, que esteve em Cuba em janeiro deste ano para participar de um curso de roteiros Escola Internacional de Cinema e TV de San Antonio de los Baños. “Um cubano extremamente esclarecido e partidário do governo de lá, se mostrou aberto a possíveis avanços com a eleição de Barack Obama. Mas sempre desconfiando. Ele tinha razão, não é possível confiar em discursos, principalmente com situações políticas tão complicadas”.

“Hoje à noite, 500 milhões de crianças vão dormir na rua. Nenhuma delas é cubana”

A frase foi colocada em um outdoor em Havana, em 1998, durante a visita do Papa João Paulo II. Após uma década de 90 sofrida, em razão da queda da União Soviética e do rigoroso bloqueio econômico, Cuba vem conseguindo manter as conquistas sociais consolidadas pela revolução?

Lula Morais é enfático ao responder que sim. “O povo em Cuba tem uma educação média de 14 anos de escola, o Brasil está tentando chegar a nove anos. Eles têm um patamar de educação bastante significativo. E na área da saúde é indiscutível, Cuba exporta profissionais de saúde”.

O professor Ledezma tem outra percepção. “Eu fui à Cuba em novembro de 2006, e você sente um aperto em seu coração quando vê, por exemplo, a questão da moradia. No centro de Havana está se começando uma grande favela. Casas que foram lindas na época de Batista hoje em dia não estão nem à sombra do que eram”, relata. Ele acrescenta que o salário que se ganha em Cuba dá apenas para o básico; e é grande a quantidade de médicos e advogados desempregados.

Já para Valéria, a ilha é um lugar cheio de marcos históricos. “Havana Vieja (bairro de Havana) tem construções e traços arquitetônicos belos, mas na maior parte muito mal conservadas. Os carros antigos que circulam nas ruas dão um charme especial… Parece que viajamos para o passado”.

Fonte: Assessoria do Deputado Lula Morais