Entrevista: Cid Gomes diz que vai lutar por partilha do pré-sal

O Governador do Ceará, Cid Gomes falou em entrevista ao jornal Diário no Nordeste, sobre a polêmica da distribuição dos royalties do pré-sal. Ele foi um dos primeiros governadores a desaprovar o modelo apresentado e adianta que quer mobilizar o Congresso para que todos os estados sejam contemplados na partilha. Leia a seguir a íntegra do material publicado neste domingo (20).

Cid Gomes

"Eles fizeram uma ameaça, uma chantagem e foram atendidos. Fiquei indignado com isso e em sinal de protesto, me retirei do encontro". Reclamou o governador Cid Gomes ao chegar em Fortaleza após participar do encontro em que o presidente Lula apresentou aos governadores o novo marco regulatório do pré-sal, em Brasília, no dia 31 de agosto último. O governador Cid Gomes foi um dos primeiros a expressar a sua desaprovação com o fato de não ter sido apresentado, junto com o marco regulatório, um novo sistema de distribuição dos royalties que privilegiasse todas unidades da Federação brasileira, e não somente Rio de Janeiro, São Paulo e Espírito Santo. O governador explicou como acredita que deve ser a partilha dessas compensações, e como está mobilizando outros governadores em prol do projeto.

Governador, qual a proposta para a divisão dos royalties entre estados e municípios?

A discussão dos royalties está dividida em dois momentos. Primeiro, que não há questionamento mais forte ao sistema de compensação dos municípios e estados que têm jazidas, para exploração mineral, de petróleo. Eles têm direito ao crédito. O que está sendo discutido é em relação a essa nova riqueza, o pré-sal, que tem características diferentes, tanto que terá um marco regulatório específico para a sua exploração. A proposta para o pré-sal, na questão da exploração, é um modelo de partilha. A União continuará dona do petróleo e vai abrir a participação societária para as empresas irem explorar, também com risco deles, mas o petróleo vai ser da União e a União vai pagar a empresa pela exploração. Eu só tô dizendo isso porque, da mesma forma que vai ter uma nova regulamentação para a questão da exploração, o que eu pessoalmente entendo é que é muito razoável que você tenha um novo modelo de partilha dessas compensações. Até porque, essas compensações, o nome tá dizendo, são pra indenizar o Município, Estado, por danos no seu território. Isso vale pra exploração mineral, pra energia, e vale pro petróleo também. Então, se é uma coisa numa plataforma continental, distante, a uma profundidade violenta, não tem uma influência direta sobre eles… Esses estados já têm um grande volume de royalties no modelo atual, e vão continuar. Por que concentrar, manter uma concentração dessas compensações dessa nova riqueza pra três estados do Brasil? A Constituição fala cinco vezes em ser papel da União reduzir as desigualdades regionais. O que eu particularmente defendo é que isso seja partilhado com o país inteiro. São Paulo, Rio, Espírito Santo vão ter direito, mas o Acre, o Piauí, Tocantins, Roraima, Rondônia, o Ceará vão ter direito também. E eu vou mais além, eu defendo que isso seja feito proporcional à população e inversamente proporcional à renda per capita, e isso não é nada de ovo de Colombo, o FPE (Fundo de Participação dos Estados) já é feito dessa forma.

O presidente Lula, ao falar de pré-sal, diz que este seria o um "bilhete premiado". O senhor acredita que, dentro dessa discussão, esse prêmio realmente vai ser distribuído pra todos os estados?

O petróleo vai ser da União. A União vai ter uma riqueza e vai estar no modelo, no marco regulatório, a criação de um fundo, que vai ser prioritariamente investido em educação, em ciência e tecnologia, em cultura e em combate à pobreza. O que eu estou falando é a questão dos royalties, isso ficou omisso. Mas a União vai ter uma riqueza grande, porque o Brasil já se tornou autossuficiente em petróleo. A possibilidade aí é de mais do que duplicar a produção brasileira, é um excedente, um excedente que vai ficar na propriedade da União. É uma riqueza da União. Diferente do modelo atual, que é Petrobras ou concessões. Os exploradores vão receber um valor para explorar, mas o patrimônio, diferentemente do atual, vai ser da União. É uma riqueza a mais que vai ser utilizada de várias formas. Afora isso, os royalties, aí é uma compensação que deve ser paga.

Já foi percebida alguma sensibilidade do governo federal em rever essa questão dos royalties?

O governo federal preferiu (não apresentar proposta sobre os royalties), diante de pra ele ser mais importante a questão do modelo de exploração, do fundo, a ampliação da participação acionária do governo federal na Petrobras e a definição da Petrobras como já ser integrante sempre de qualquer exploração – qualquer bloco de pré-sal vai ter que ter necessariamente a participação da Petrobras junto. Tô frisando isso porque as pessoas ainda não se deram conta. Vai ter muita resistência. Não podemos ser ingênuos, e eu não sou ingênuo, de achar que não vai ter resistência. A rigor, a Petrobras, inicialmente, reagia a essa proposta do governo, a própria Petrobras. Aí o governo fez uma concessão assegurando a ela 30% da participação em todas as explorações. Aí ela se aquietou. Mas a Esso, a Shell, enfim, todos os outros que estão atualmente em exploração de petróleo no Brasil, vão reagir. E esse povo têm poder. E não jogam aberto não, eles jogam nos bastidores, o que é pior. É chute na canela. Então, o governo vai ter muito problema, não vai pensando que será fácil não. O Senado até imagino que não vai ser muito complicado, mas eu prevejo dificuldades na Câmara. A maioria do governo é mais frágil, e vai ter uma atuação dos que acham bom o atual modelo, vai ter uma resistência lá. Então, o governo, diante dessa discussão, preferiu não polemizar mais, deixou a questão dos royalties pra depois. Não mandou, lavou as mãos.

E o que o senhor acha de deixar essa questão pra depois?

Veja bem, é muito fácil você de um lado falar do que está do outro lado. Não sei, acho que o governo deu prioridade àquilo que considerou prioridade, que são os interesses da União. Isso é certo ou errado? Cada um julga, eu não vou julgar. Sinceramente. O governo priorizou aqueles projetos que são mais importantes e que dão o start do modelo. A exploração de petróleo, quando de fato se terá o eventual royalty, a compensação, é só daqui a quatro anos. Não tem essas urgências todas. Eu pessoalmente teria achado muito melhor se tivesse ido tudo junto. Não estou falando de bem nem de mal, cada um faz o seu julgamento.

Essa semana, acredito, o senhor já estava em conversações com os governadores dos estados do Nordeste pra marcar a próxima reunião dos chefes de Estado da região, a ocorrer em Fortaleza. Essa discussão dos royalties deve estar em pauta. O que vai ser levado a eles?

Com certeza. No dia do evento lá (apresentação do marco regulatório), eu conversei com o Jaques Wagner (governador da Bahia), com o Eduardo (Campos, governador de Pernambuco), com o Wellington (Dias, governador do Piauí), com os três, e todos três têm a mesma opinião minha. E acho que já deram declarações públicas nessa direção. Eu vou fazer aqui, tá vindo na terça feira, 22, a vice-presidente do Banco Mundial. Ela vem lá dos Estados Unidos e vai visitar uns projetos que teve o financiamento do banco e, no dia, na segunda, terça-feira, a gente vai fazer uma reunião, e eu chamei os três estados do Nordeste que têm, além do Ceará, projetos do Banco Mundial, que são o Rio Grande do Norte, Pernambuco e Sergipe.

Essa mobilização que o senhor está fazendo vai ser especificamente com os estados do Nordeste, ou fará contatos com outras regiões?

Eu acho que, claro, a gente deve mobilizar… O fórum que tem já instalado aí, que eu participo, é o Fórum de Governadores do Nordeste. Agora, eu sei que há um fórum de governadores na região Norte, que certamente deve ser mobilizado, e há também um do Sul, não sei se tem do Centro-Oeste também. Mas não sou eu quem vai definir estratégia não. Eu vou acertar a pauta nessa reunião.

Quais são os planos?

O plano é isso, é mobilizar. Pode ter certeza que na Câmara dos deputados já deve ter uns 30 projetos tratando dos royalties. Aí, a gente, depois de ver, examinar todos, vai centrar fogo num. Aí, é trabalho de política.

O senhor acha que existe a possibilidade de a Constituição, diante dessas discussões, ainda continuar do jeito que está?

Rapaz, a interpretação da Constituição é controversa. Eu, por exemplo, tenho um parecer aqui de um renomado jurista, que mostra, à luz da Constituição, essa informação que eu tinha dado a você, de cinco referências a combater desigualdades regionais, é constitucional também. Ele entende que constitucionalmente não tem nenhum problema, pode ter um novo modelo, pelas características que são, pela plataforma não ser no território do Estado, ser da União, e é perfeitamente possível que a compensação seja feita à totalidade dos estados.

E o que os royalties do pré-sal representariam para o Nordeste, e para o Ceará?

Eu, sinceramente, não sei, acho que ninguém sabe, a exata monta do que é que tem de petróleo explorável no pré-sal e o preço que o barril de petróleo vai estar. O barril do petróleo já esteve a 140 dólares, e hoje está a 60. Então, tudo isso influencia. Se fizer uma média aí, são bilhões. Hoje, o que é feito de partilha de royalty é algo em torno de R$ 10 bilhões, se não me engano. A gente pode estimar, seguramente, que é algo equivalente. Mais R$ 10 bilhões, ou mais. Dependendo do preço, essa coisa pode ir a 20 bilhões de reais, o que é praticamente todo o montante de recursos que a União tem pra investimentos no orçamento. Se tirar aí as empresas, Petrobras e Eletrobras, do orçamento da União, 20 bilhões é o que ela tem pra investir no Brasil inteiro. Isso significa dobrar a capacidade de investimento. E se você faz isso considerando essas questões das desigualdades regionais, de renda per capita, isso pode significar, fora o fundo, que é dinheiro de outra fonte, e não de royalty, isso pode triplicar. Pode acontecer com isso a verdadeira revolução social no Brasil.

O senhor acredita que até quando a gente pode ter uma resposta de como vai ficar a resolução sobre a partilha?

Isso é um processo. A primeira etapa do processo é tentar na Câmara dos Deputados já aprovar um projeto. Eu defendo a tese de que seria importante que caminhassem todos juntos, já que não partiu do Executivo. Acho que no Senado, diferente das outras matérias, acho até que será uma coisa mais pacífica, porque o Senado é a casa da Federação. E se você tem lá 27 estados, e 24 defendem um modelo e três só defendem outro, vai ser mais fácil. O fato de não ir agora, ninguém deve nunca dar por perdido, acho que tem condição de ganhar, botar 24 governadores pra convencer os deputados, eu acho que consegue. Os partidos não vão ter coragem de fechar a questão, não creio. Mas também não será a única oportunidade. Esperar um novo Congresso, politizar essa discussão nas eleições agora seria uma segunda estratégia. Se você não aprovar esse ano, dificilmente o ano que vem será votada alguma coisa de maior importância no Congresso. Você politiza e leva pro debate eleitoral, botar os candidatos pra se comprometerem. Vamos lá: o que é que o candidato daqui, de Pernambuco, do Maranhão, vai fazer? Vamos ter que fixar posição em relação a isso.

Fonte: Diário do Nordeste