O Nacionalismo e a Estratégia de Defesa na discussão do NPND

Gustavo Guerreiro – O significado do nacionalismo e da Estratégia Nacional de Defesa na discussão do NPND

O Programa Socialista do partido, em suas formulações e interpretações da realidade brasileira, deixa clara sua posição avançada em relação ao eixo estratégico fundamental e fundador das demais discussões: o Novo Projeto Nacional de Desenvolvimento (NPND). Não é difícil perceber como esta discussão tem peso decisivo e desdobramentos nos mais variados assuntos da sociedade brasileira como educação, saúde, ciência e tecnologia, cultura, defesa e soberania nacional.

Sem perder de vista o horizonte do socialismo à brasileira como um marco civilizacional, o documento denota o esforço intelectual do partido em interpretar as dramáticas e recentes transformações mundiais. O neoliberalismo e a crise financeira global têm relação direta com os rumos do país e da América Latina. Assim, ao defender um novo projeto nacionalista o partido não deve descuidar do processo histórico a que está inserido, evitando preconceitos e rediscutindo antigos problemas.

O projeto de desenvolvimento nacional brasileiro – mais especificamente as recentes decisões sobre a Petrobras e a Petro-sal – tem sido alvo de constantes ataques de interesses transnacionais poderosos, representados internamente por correntes políticas reacionárias e pela grande mídia. A noção de nacionalismo é posta em xeque. Foi deturpada não só pelas experiências totalitárias do século passado, mas pelo recente processo de mundialização e financeirização capitalista. Na disputa ideológica suscitada pelo novo papel que o Brasil cumpre internacionalmente, o nacionalismo tem sido amiúde apresentado como o antônimo do internacionalismo. Historicamente, a sociedade brasileira assimilou, mesmo que forma inconsciente, essa idéia. Em verdade, nacionalismo e internacionalismo são construções extremamente dialéticas e complexas, que foram forjadas pelas elites e pela intelectualidade brasileira. Há, no entanto, um esforço de romper com essa falsa dicotomia nos marcos do NPND, mas que o Projeto Socialista não deixa bem claro.

Não se pode negar o papel que as grandes lutas populares desempenharam na construção da nação. Por outro lado, é impossível deixar de reconhecer que a afirmação de somos uma nação singular, que formou uma “cultura original, base de uma “civilização flexível” (p.14) é uma construção ideológica bastante disseminada pela intelectualidade, sobretudo nas grandes obras literárias. Qual nação no mundo não é fruto de miscigenação? Há algum país mais multi-étnico do que os próprios EUA? A meu ver, o Programa Socialista do partido, quando afirma que “o povo é, portanto, o herói e autor da nacionalidade” (p.14) reproduz uma meia verdade e parte de um falso pressuposto para legitimar o nacionalismo. O Programa acerta ao reconhecer os momentos de tensão social em que as classes populares impuseram com sacrifício seus anseios e suas utopias, mas é necessário compreender a nação brasileira como uma construção ideológica de ordem política e convocar o povo para a construí-la a partir de um novo momento histórico que vive o país.

As circunstâncias e propósitos do NPND estão relacionados a essa nova realidade. Não se pode mais dizer que o NPDN tem a mesma natureza dos grandes projetos de desenvolvimento iniciados na década de 1940. Naquele momento, após a II Grande Guerra e posteriormente com o advento da Guerra Fria, os projetos nacionalistas eram iniciativas de regimes autoritários que criaram no país um capitalismo periférico e dependente, com a ilusão de que isso resolveria grande parte de nossos problemas sociais. A história mostra o contrário. Hoje, o NPND traz um fato novo. O Brasil não está mais a reboque de interesses imperialistas. Tal condição impõe desafios gigantescos e perigos ainda maiores. Não é à toa que a Quarta Frota foi reativada e que se instalam novas bases estadunidenses na Colômbia, numa clara afronta aos povos latinos e seus governos progressistas. Neste ambiente a Estratégia Nacional de Defesa (END) emerge como ponto de discussão fundamental.

Não há grande potência à revelia do poder militar. No campo das relações internacionais, o Brasil optou por um caminho pacifista. Debater defesa soa como algo alheio a nossa cultura, mas se faz cada vez mais necessário. A postulação do Brasil a uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU depende, entre outros fatores, do êxito do país em apresentar um sistema de defesa à altura de seu papel político e econômico no plano internacional. Os comunistas precisam se debruçar sobre essa temática, afastando preconceitos e substituindo idéias superadas.

Outro grande desafio é conjugar as transformações socioeconômicas do NPND, com a sua defesa e soberania. A END explicita essa relação ao reformular a defesa nacional através de três eixos fundamentais: reorganização das Forças Armadas, reestruturação da Indústria Brasileira de Material de Defesa e política de composição dos efetivos das forças armadas. A reorganização das forças armadas vai muito além do interesse meramente militar. As conexões entre defesa e desenvolvimento científico e tecnológico estão entre as principais preocupações de nações desenvolvidas. O Brasil não pode apenas margear deste debate.

Ciência e Tecnologia ganharam maior importância estratégica não apenas para o poderio militar, mas para o desenvolvimento nacional soberano. Foi no Pós-Guerra que constituíram o binômio C&T, sendo inseparáveis e interdependentes. A lógica da pesquisa de ponta também segue a da guerra. Não é por acaso que a END elege três setores decisivos para a defesa nacional: o cibernético, o espacial e o nuclear. São conhecidos como “tecnologias sensíveis”. Descobertas revolucionárias como os raios-X, a internet ou a anestesia são herdeiras diretas desse tipo de pesquisa. No NPND, o desafio é apropriar esse tipo de pesquisa para o bem comum e o progresso. Além disso, o investimento em pesquisa e inovação tecnológica, de acordo com a nova END, é prioritário para um desenvolvimento soberano e independente. Basta ver como se deu a negociação bilionária entre Brasil e França para aquisição de equipamentos militares. O fator decisivo foi condição colocada para transferência de tecnologia ao Brasil. Uma nação com forte C&T proprietária é também uma nação soberana, dona de seu destino e influente mundialmente.

Gustavo Guerreiro é professor da Escola Estadual do PCdoB e membro do Comitê Municipal de Paraipaba.