Luiz Carlos Antero – Saudação à Militância

Homenagem de Luiz Carlos Antero a militância comunista realizada durante abertura da 14ª Conferência Municipal do PCdoB em Fortaleza.

Com elevado orgulho acolhi a tarefa de homenagear nossa militância, nossa contemporânea militância. Uma militância que se debruça e atua no calor da luta de classes em sua fisionomia conjuntural, que dela exige uma intensa participação na estruturação partidária, num diversificado espectro de demandas e sentimentos do nosso povo, nos embates de idéias e na ação concreta.

Uma ação concreta que deve observar os horizontes do socialismo, que passam necessariamente pelas batalhas políticas progressivamente acirradas pelas contradições do capitalismo em crise e pelo recrudescimento do intervencionismo imperialista — do qual são exemplos de atualidade a instalação das bases militares norte-americanas na Colômbia e o golpe militar em Honduras.

Então, esta homenagem à militância, nós fazemos com os olhos voltados para os nossos heróis construtores dos sólidos alicerces partidários, entre os quais se incluem aqueles que protagonizaram a Guerrilha do Araguaia — referência eleita pelos nossos camaradas da direção partidária municipal.

Foi esta a tarefa que recebi — e acolhi —, sabendo que para realizá-la me deparava com mais dificuldades emocionais que confrontar militares na selva, no campo de combate.

Neste caso, muito mais fácil que alcançar um turbilhão de sentimentos de profundo alcance teórico, político e ideológico, ao homenagear nossa aguerrida militância que persegue a paz de um mundo socialista.

Heróis que homenageamos, sim, não mártires como foram muitos os lutadores em nossa História e na trajetória do desenvolvimento social da humanidade.

Lutadores que remontam a Aquiles e seus guerreiros mirmídones ou a Leônidas e aos seus bravos 300 de Esparta — que, entre as lendas da Grécia Antiga, berço da civilização, e a dura realidade dos tempos da revolução proletária e antiimperialista, enxergaram décadas, séculos e milênios adiante, nesta busca renitente da humana caminhada civilizacional.

Por que, certa vez, me perguntou o poeta Thiago de Mello, aqui em Fortaleza, se eu conhecia a diferença entre mártires e heróis. Diante de um fecundo mestre da arte literária e poética, me reservei e sugeri que gostaria de ouvi-lo sobre esse dilema conceitual reservado aos lutadores. O autor dos Estatutos do Homem então disse: mártires são aqueles que lutaram por causas derrotadas; heróis são os que lograram êxito em suas lutas.

Naquele momento, lembrei dos nossos heróis, dos melhores filhos do povo. (Esse era, naquele momento, o principal critério do recrutamento, que hoje denominamos, de modo adaptado a este pedaço de conjuntura histórica, de filiação).

Sim, porque estamos aqui nesta conferência de comunistas como um resultado de sua luta e das dezenas de heróis que tombaram no Araguaia e em seu nome, nas cidades. E aí tivemos Mauricio Grabois, Carlos Danielli, Pedro Pomar, Ângelo Arroio e dezenas e dezenas de jovens e antigos militantes e quadros.

E, entre tantos bons brasileiros, tivemos cearenses de porte altaneiro, a exemplo de Custódio Saraiva Neto, Jana Barroso, Antonio Teodoro de Castro e Bergson Gurjão Farias — que se reencontrará simbolicamente com seu povo, com seus familiares, com seus amigos e camaradas no próximo seis de outubro, ali na reitoria da Universidade Federal do Ceará.

Porque estes bons brasileiros lograram êxito. Porque sua luta, seu exemplo e seu sacrifício foram decisivos quando se tratou de por fim à ditadura militar que se abateu em trevas sobre o Brasil por mais de duas décadas.

Porque os militares perdiam o sono quando imaginavam que havia brasileiros capazes de pegar em armas em qualquer lugar desse nosso imenso Brasil — para contestar o regime de exceção imposto ao País em abril de 1964.

Este temor se expressava também nas bárbaras torturas, quando o simples e cordato militante comunista era tratado como um ser capaz das mais incríveis diabruras, fazendo pipocar, aqui, acolá ou alhures, levantes armados de elevada periculosidade — no figurino dos inúmeros episódios das lutas populares ocorridas no Brasil, da Cabanagem à Revolução Praieira, dos Quilombos ao Contestado, da Revolução de 1924 à Coluna Prestes, de Canudos ao Caldeirão.

“Sob a determinação política de construir um mundo melhor”, como disse o nosso camarada farmacêutico Edson Pereira num depoimento para o documentário que estamos realizando sobre Bergson Gurjão Farias, entre os que tombaram no Araguaia. Sob a determinação de defender o povo brasileiro na luta contra a opressão e pela liberdade.

A causa do Araguaia é uma causa vitoriosa, pois a ditadura foi derrotada e conquistou-se uma democracia no Brasil, como afirmou em outro depoimento um outro poeta, cearense.

E, mais ainda, afirmamos, para avançar rumo ao socialismo. Sim, pois pertencemos a uma geração que se arrojou na luta por acreditar no socialismo, a mesma geração que, naquele momento, pugnava com toda a sua energia para que o futuro do nosso País se associasse profundamente a esse objetivo.

Foi esta nossa geração de jovens comunistas que, ao lado dos mais antigos quadros partidários, referenciou o caminho para as novas gerações de militantes.

E não se tratava de uma geração violenta. Pelo contrário: éramos — assim como pretendemos ser na essência do nosso espírito — de extração poética, romântica, que se encantava com a música, com o teatro, com a literatura, com todas as mais belas manifestações do espírito humano.

Uma geração que cresceu numa Fortaleza humana, solidária, de poucos prédios e poucos carros nas ruas. Uma geração que, de um violão, de uma seresta ou da lua cheia, extraia uma diversão alegre, e que não tangenciava os sonhos de uma sociedade justa e igualitária.

A mesma geração de estudantes, brilhantes, destacados, que se encontrava num ponto de ônibus na Praça da Sé para alcançar a Praia do Futuro, se deslocava pela cidade cobrindo os “pontos”, panfletando nos comícios-relâmpago e nas madrugadas, de porta em porta, ou se confrontava com a repressão nas manifestações de rua.

Uma geração a exemplo de Bergson, um jovem militante capaz de doar sangue por não ter dinheiro para alguém que pedia ajuda em sua porta, ou de ensinar matemática ou química aos policiais que montavam guarda no hospital onde ficou preso após o célebre confronto na Praça José de Alencar, no qual foi gravemente ferido. Capaz de se tornar uma pessoa querida até por quem fosse amestrado para detestá-lo.

Naquele momento, como revelou sua irmã Tânia, a gente do hospital, dos médicos aos enfermeiros e funcionários, esteve envolvida num plano de fuga para Bergson, caso as equipes do delegado do DOPS, Luiz Coelho de Carvalho, ou do superintendente da Polícia Federal, Laudelino Coelho, tentassem tirá-lo do internamento que visava sua recuperação.

Daí para o Araguaia, foi um salto natural, nas circunstâncias da época. “Um jogador de basquete vice-campeão nacional e que não teve dúvidas quanto ao rumo a seguir”, como lembrou nosso camarada Chico Monteiro no seu depoimento para o mesmo documentário.

Ao Araguaia, uma forma superior da resistência, foi o coroamento da história de vida de uma pessoa humana e intimamente vinculada à vida do povo, do mesmo modo que o foi para Jana, Teodoro e Custódio — com quem convivi nas lutas partidárias, da União da Juventude Patriótica e em seus últimos dias em Fortaleza, antes que tombasse ao lado de Grabois no natal de 1973.

Barbaramente perseguidos, caíram na clandestinidade, como de resto todos os que se “queimavam” nos confrontos com a repressão.

Todos eles exemplos de militância, uma “mistura da ousadia, da coragem pessoal e afetividade”, capazes de estabelecer laços de amizade que produziram sentimentos muito profundos, arraigados, muito vivos ainda em personagens como João de Paula Ferreira, presidente do DCE em 1967, que também nos deu um depoimento para o documentário em curso.

Militantes de espírito cordato, capazes de dialogar sem perder o prumo, com a profunda convicção de que era possível trabalhar com as diferenças políticas. Exemplos de companheirismo, de combatividade, de coragem, de luta, de amor — como externou Ruth Cavalcanti.

Exemplos que merecem todas as nossas homenagens, o título de heróis nacionais entre aqueles que combateram o fascismo e o obscurantismo em nosso País, como disse o cineasta Francis Vale, nosso parceiro na produção e direção do documentário.

Aos nossos heróis e à nossa militância, formada nas lutas democráticas, populares e nacionais, contemporâneas, dedicamos esta emocionada homenagem, no intenso calor humano desta Conferência Municipal que reafirma a identidade de luta do glorioso e mais que octogenário Partido Comunista do Brasil!

E que as ameaças de estagnação, oriundas das trevas, cedam lugar ao florescimento militante de dezenas, centenas, milhares de artífices e artesãos de uma nova sociedade socialista!

Luiz Carlos Antero – Filiado em 1969 (Sociólogo, Escritor, Jornalista, Membro do Coletivo Cultural)