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O PIB que cresceu 1,9% e a receita de Lula para crescer mais

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva discursou com visível entusiasmo nesta sexta-feira (11) em Pernambuco, sobre a boa nova de que a economia brasileira cresceu 1,9% do primeiro para o segundo trimestre deste ano. O número de fato impressiona. Anualizado, como gostam de fazer os estatísticos estadunidenses, chega a 7,8%. Mas não basta sermos brasileiros e não desistirmos nunca para que todos os problemas desapareçam para sempre.

Por Bernardo Joffily


A estatística divulgada nesta sexta pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) de fato marca uma inflexão. Depois de dois trimestres de queda, que marcaram tecnicamente uma recessão, a recuperação veio com ímpeto. Melhor ainda: o 1,9% de avanço foi puxado para cima pela indústria, que cresceu 2,1%, depois de ter sido a maior responsável pelo tombo anterior, que teve o seu pior momento em dezembro.

É também uma inflexão de estado de espírito. O número fez a cabeça até dos mais ácidos críticos do Planalto: eles passaram o ano inteiro agourando nos seus editoriais e colunas de opinião, consultorias de mercado e discursos no Parlamento, que em 2009 o Brasil cresceria como rabo de cavalo, para trás e para baixo. Ridicularizaram a área econômica do governo e institutos como o Ipea, que projetavam um ano de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto), embora modesto, da ordem de 1%. Agora, mordem a língua. Já admitem que a economia vai crescer, embora sem fazerem autocrítica e, claro, sem perderem a pose.

"Por que o Brasil não virou potência?"

Porém Lula, na cerimônia de batimento de quilha do primeiro navio da Transpetro, no Porto de Suape, em Ipojuca (PE), não usou uma visão apenas conjuntural. Buscou um enfoque mais macro, estratégico, de longo praso.

"De 1950 a 1980 foi o país que mais cresceu no mundo, não se transformou em uma potência econômica mundial?", indagou o presidente. E respondeu: "Exatamente porque não se tinha noção dos efeitos que poderiam causar a este país a desconcentração da renda acumulada na mão de poucos".

Adiante, Lula acrescenta que "isso está muito ligado ao fato de o Brasil ter sido colonizado" e por isso "nós nunca nos comportamos como uma nação de primeira grandeza. A gente sempre achava que tinha alguém mais importante do que nós, a gente sempre achava que a gente tinha que pedir desculpas para fazer as coisas, e a gente deixou de avançar por não ter ousadia e por não ter coragem de avançar. No fundo, no fundo, a gente gostava menos da gente mesmo. A gente achava que os nossos colonizadores, fossem eles portugueses, ingleses ou americanos, eram sempre mais importantes do que nós, e a gente nunca evoluía", raciocinou o presidente.

O segredo essencial do crescimento

Em resumo, a receita de Lula para o Brasil potência econômica mundial se concentra em: 1) desconcentrar a renda; e 2) ter coragem e gostar mais de nós mesmos. São dois ingredientes necessários. Mas não são suficientes.

É verdade que o Brasil foi o país que mais cresceu no mundo entre 1950 e 1980. E não só então, mas também antes, desde a Revolução de 1930, e mesmo mais para trás. Muito antes, já nos idos do século 16, o Brasil escravista já era uma empresa mercantil que embasbacava o planeta pelas riquezas que produzia. E o segredo essencial do crescimento, no escravismo ou no capitalismo, tem sido arrancar o couro do trabalhador.

Sob este prisma, o governo Lula introduziu de fato uma mudança como nunca se vira antes neste país: sete anos de gradual porém persistente desconcentração, não ainda da riqueza, mas pelo menos da renda. O salário mínimo medido em dólares, por exemplo, é hoje coinco vezes maior do que era quando o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso mudou-se do Palácio da Alvorada. As negociações trabalhistas, mesmo durante os dois trimestres recessivos de 2008-2009, na maioria reajustaram os salários com ganhos reais acima da inflação.

Colonização, o complexo e o fato

Isso faz diferença. Explica, em grande medida, os índices de popularidade estratosféricos do governo, em especial nas camadas e nas regiões mais pobres. Ou a multidão de operários da construção naval que aclamou Lula na visita ao estaleiro e acotovelou-se para conseguir boas fotos do visitante ilustre com seus telefones celulares.

Porém é duvidoso que se consiga ir muito além disso pelo caminho apresentado por Lula em Ipojuca. Não basta "olhar a todos em igualdade de condições, conversar com o rico e conversar com o pobre, respeitando o rico e respeitando o pobre", apenas dando "a maior ajuda do Estado" à "parte mais pobre da população".

Aquilo que Lula a condição de "colonizado" tem igualmente o seu peso. Mas nesse como em muitos outros discursos o presidente abordou o problema como uma mera questão de "atitude" – no sentido hip-hopiano da expressão: a necessidade de quebrar com o complexo de inferioridade que nos levaria a "gostar menos da gente mesmo".

Ocorre que a colonialidade apontada, muito antes de ser um estado de espírito, foi, e ainda é, um fato. E os níveis obscenos da concentração da riqueza e da renda, que a distribuição gradativa dos sete anos de Lula mal arranhou, expressam uma polarização social, de classe, como diria outrora o presidente que ainda hoje gosta de frisar que "tem lado".

O imperialismo, o grande capital financeiro internacional, com sede em Wall Street e alhures, é uma força real e tem interesses muito concretos em países como o Brasil. A grande burguesia parasita que vive do rentismo, para não dizer da agiotagem, é uma minoria insignificante em percentagem da população mas uma enorme força pelos cordéis de domínio que maneja – desde o poder do dinheiro até as conexões longamente estabelecidas dentro do aparelho de Estado e de governo.

Em política, que é importante é conflituoso

Diante desses personagens e interesses, a receita apresentada por Lula em Ipojuca é insuficiente. Quando muito, representa algum alívio no garrote do sistema, condicionado à circunstância de um inquilino do tipo Lula no Alvorada.

O Brasil enquanto nação, e a imensa maioria dos brasileiros enquanto povo, podem se colocar um projeto mais elevado que este, compreendendo reformas e rupturas de maior profundidade e alcance. "Ter lado" é uma notável virtude de Luiz Inácio Lula da Silva, que voltou a afirmar essa condição em Ipojuca. Mas um projeto nacional com a ossatura, a musculatura e a capacidade mobilizadora requeridas pelo Brasil de 2009, e 2010, exige que se defenda este "lado", inclusive nas divididas, que não são poucas.

"Não que o Estado tenha que ser o gerenciador, não que tenha o Estado que ser o empresário, mas o Estado tem que ser o indutor e o regulador", defendeu Lula no discurso. Por que não, carapálida? Não fora o próprio presidente, minutos antes, que elogiara a União por ter comprado da Nossa Caixa ( (privatizada pelo governo tucano de São Paulo em 2001), em pleno pico da crise e como ferramenta para contê-la?

Com maior razão Lula poderia citar os projetos do novo marco regulatório do pré-sal. Em políticas de governo, via de regra, tudo que é importante é também conflituoso. Para que elas avancem, um segredo essencial é arregimentar maiorias políticas, sociais e históricas amplas, sólidas, ativas, mas justamente para se impor ao "lado" de lá.