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Um brasileiro reporta a Festa portuguesa do Avante!

Quinta da Atalaia, Seixal. Quem atravessou o Rio Tejo entre os dias 4 a 6 de setembro e chegou a 33ª Festa do Avante!, organizado pelo Partido Comunista Português, para sustentar seu jornal, o semanário Avante!, pôde conhecer uma Cidade do Sol. Muito parecida com aquela idealizada por Tommaso Campanella no século 16, ali brilhou por três dias um sol radioso, exceto quando deu lugar a uma lua que iluminava quase com a mesma intensidade.

Por Kerison Lopes, de Lisboa


Parece que o sol havia respondido ao chamado da música Avante Camaradas. A canção que tem letra de Luís Cília e foi imortalizada pela voz de Luísa Basto, quando ambos estavam exilados pela ditadura de Salazar, era tocada o tempo todo na Festa. Avante Camarada, junte a tua a nossa voz. Avante Camarada, o sol brilhará por todos nós, dizem os versos que cada militante comunista conhece bem, pois viraram o hino da resistência e depois da própria Revolução dos Cravos. Aliás, a revolução que libertou Portugal da ditadura este ano completou 35 anos e foi muito saudada no evento.

Cidade comunista

A Festa do Avante! acontece em um terreno adquirido pelo PCP, onde é construída uma verdadeira cidade de alvenaria, plástico, ferro e muita garra comunista. O trabalho militante de cerca de 7.500 membros e amigos do PCP somou mais de 50 mil horas de trabalho para projetar, arquitetar construir e edificar um município com centenas de milhares de pessoas. Em três dias, toda essa gente se encontra em espetáculos, exposições, artes plásticas, artesanato, Feira do Livro e do Disco, gastronomia, esporte, Espaço Criança, Novas Tecnologias, Espaço Ciência, Espaço Internacional e Debates Temáticos sobre os mais variados temas.

Depois dos dias intensos, a Festa terminou em uma grande nuvem de poeira. Após Seyne Torres, que falou em nome da Juventude Comunista Portuguesa, declarar “oficialmente encerrada a Festa do Avante!”, os alto-falantes tocaram A Carvalhesa e os milhares de jovens, alguns com mais de oitenta anos, como Maria Alves, começaram a pular e dançar, levantando muita poeira. A música é um tema popular português que em 1985, por iniciativa do PCP, foi objeto de um arranjo instrumental e desde então transformou-se num símbolo musical da Festa, abrindo e encerrando os seus palcos.

O PCP não divulga oficialmente o número de participantes da Festa, mas o que se via no Comício de Encerramento era um mar de gente em frente ao palco principal. Dezenas de milhares de comunistas e participantes da Festa em geral. Naquele encerramento, o secretário geral do PCP, Jerônimo de Sousa, afirmou que a Festa será sempre a “Festa da cultura, da amizade, da fraternidade e da solidariedade internacionalista. Uma festa que é um enorme abraço solidário entre todos aqueles que por esse mundo afora travam, nas mais diversas condições, importantes lutas pelo presente e o futuro dos trabalhadores e dos povos, e da própria humanidade”.

Eleições

O Comício de encerramento é tido pelos comunistas como o “momento mais marcante”. Como a edição deste ano acontece quando faltam três semanas para as eleições legislativas e pouco mais de um mês para as autárquicas, o discurso de Jerônimo de Sousa teve um grande apelo para a importância do voto na CDU (Coligação Democrática Unida, formada pelo PCP e o PVE, Partido Ecologista os Verdes). “Este momento é uma oportunidade para mudar o rumo do país e a vida de muitas das nossas terras, dos nossos concelhos e freguesias”.

A América Latina mereceu uma saudação especial de Jerônimo, quando agradecia a presença das delegações internacionais. Para ele, o povo latino-americano é protagonista de uma “onda progressista que varre o continente, de intensas e apaixonantes lutas, de processos novos que desbravam novos caminhos na construção de sociedades mais justas, solidárias e fraternas”. No comício de encerramento falou também José Casanova, do Comitê Central do PCP e diretor do Jornal Avante!, além de Seyne Torres, da JCP.

A Festa continua

Quem achava que a Festa terminava com aquele Comício, se assustou ao chegar no Espaço Internacional, que tinha bem na entrada os stands do Partido Comunista do Brasil de uma lado e do outro o Partido Comunista da Espanha. A mesma Carvalhesa era tocada e uma multidão de jovens pulava e dançava regada a muita Caipirinha. Aquela cena se repetiu durante os três dias. O local foi o mais concorrido do Espaço Internacional, que contou com stands de 23 organizações, das 43 que prestigiaram a Festa.

O espaço ganhou o nome de Esquina Brasileira, em homenagem aos botecos de esquina de Minas Gerais, terra natal dos que construíram e trabalharam naquele stand, além claro, da localização geográfica em forma de esquina. De um lado ficou a loja do PCdoB, do outro o Bar do Brasil, que servia caipirinha, caipifrutas, angu à baiana, bobó de camarão, caldo de feijão e de frango. Além dos brasileiros, trabalharam intensamente todos os dias militantes do PCP destacados para auxiliar no stand do PCdoB. Coordenados por Nuno Gonçalves, nove portugueses ali estiveram, a maioria da sua própria família, que tem na sua tradição a militância comunista.

Presença do PCdoB

O stand Político do PCdoB se tornou a grande novidade do Espaço Internacional. Foi o mais procurado e comemorado pelos comunistas e portugueses em geral, além de ser o ponto de encontro de mais de uma dezena de comunistas brasileiros que estavam “perdidos” pela Festa.

Nas décadas anteriores o PCB representava o Brasil e há 16 anos o PT participa oficialmente da Festa. Este foi o terceiro ano que o PCdoB participa e o primeiro em que teve um stand exclusivamente político. Este foi um fato comemorado pelo PCP, pois apesar do respeito com o PT, a solidariedade entre os comunistas é a de partidos irmãos. Além disso, muito se ouve na Terrinha sobre o crescimento e as vitórias acumuladas pelo PCdoB. Aquele foi o momento destes desfazerem suas dúvidas. As perguntas mais frequüentes eram em relação a opinião dos comunistas sobre “o governo de Lula da Silva”, “a diferença do PCdoB com o PCB”, “o número de filiados e de parlamentares do partido”.

Centenas de bottons do Partido foram vendidos, assim como camisetas feitas especialmente para a Festa. Muitos materiais impressos foram adquiridos pelos portugueses, como as teses do 12o Congresso. Os materiais mais procurados diziam respeito a brasileiros admirados na Terrinha. Cartazes de Luis Carlos Prestes, pintado por Candido Portinari, esgotaram ainda na sexta-feira, assim como a obra de Portinari sobre a Coluna Prestes e sua pintura O Patriarca com o rosto de José Bonifácio, que foi um dos heróis da resistência portuguesa contra a invasão napoleônica e é um dos cem mais importantes cientistas de Portugal.

Os portugueses também demonstraram sua admiração por Oscar Niemeyer. A revista Princípios que o trouxe na capa com uma entrevista exclusiva e fotos de suas obras esgotou-se rapidamente. A feliz coincidência da atual edição da Princípios expor na capa um desenho de Álvaro Cunhal trouxe grande procura. O histórico secretário geral do PCP é dos mais adorados por todos os portugueses e além de ser um dos principais nomes do comunismo internacional com vasta obra teórica, era também artista plástico e escritor, deixando clássicos da literatura como Até Amanhã Camaradas e Cinco Dias, Cinco Noites, todos assinados com o pseudônimo de Manoel Tiago, por serem lançados no período da ditadura de Salazar.

A participação brasileira se deu também no debates. No Palco da Solidariedade do Espaço Internacional, o PCdoB participou na tarde do domingo de uma discussão sobre “A crise do capitalismo, repressão e militarismo” ao lado do representante do Partido Comunista da Grécia e do Partido Socialista da Letônia. Centenas de pessoas acompanharam atentamente as idéias comunistas dos brasileiros, representados ali por Ricardo Abreu, membro do secretariado do Comitê Central do PCdoB,

A Festa da Juventude

Um dos aspectos que mais chamou a atenção é na Festa a presença da juventude. São milhares deles, andando quase sempre em bandos. “Uma festa que a juventude tomou como sua”, justifica Jerônimo de Sousa. Quando ainda faltavam dois dias para a abertura dos portões, uma enorme fila já se formava com jovens que queriam conseguir um bom lugar no acampamento montado para abrigá-los.

Foi a juventude que protagonizou um dos momentos mais bonitos nestes 33 anos de Festa, pelo menos na opinião do militante Joaquim do Carmo, que participou de todas elas. “O ponto mais alto cultural destes anos todos foi ver mais de 50 mil pessoas, a maioria jovens, cantar e se emocionar com a “ópera apresentada no primeiro dia, aquilo é algo inédito em Portugal”.

Se é “algo inédito em Portugal”, para o observador brasileiro aquilo desperta mais interesse ainda. Foi uma cena sem igual. Na grama em frente ao palco principal, dezenas de milhares de jovens deitados com roupas e cabelos que lembravam o Festival de Woodstock. Além da poeira que levantava, o cheiro de cigarro lembrava ainda mais o Festival nos Estados Unidos que marcou gerações. Para completar as similaridades, no palco era cantada uma das músicas símbolos de Woodstock, Summer Time, a canção composta por George Gershwin em 1935. As coincidências param por aí, pois se no festival norte-americano a música ficou imortalizada por Janis Joplin, quem entoava os acordes na Festa do PCP era a soprano portuguesa Ana Paula Russo, acompanhada de um coral e de mais de cem músicos de uma orquestra sinfônica comandada pelo maestro japonês Kodo Iamagishi.

Vermelho

Dizer que trabalha para o portal Vermelho abre muitas portas do outro lado do Atlântico. Fica fácil entender porque Portugal é um dos países país que mais acessam o portal. Os que procuravam o stand do PCdoB sempre se referiam a ele. Além disso, nas andanças pela Festa era só se identificar como brasileiro para não raro alguém se referir ao portal do galo.

Foi o caso do encontro com Margarida Martins, militante do PCP na região da Amadora. Ela cuidava das vendas do stand central e se disse leitora assídua. “Leio sempre o Vermelho, principalmente para me informar das questões da conjuntura brasileira e da América Latina. Não só da sua região, pois acompanho e gosto muito das análises que surgem sobre a realidade chinesa”. “Mesmo quando não estou lendo o Vermelho me deparo com ele”, brinca a comunista. “Quando faço uma procura de algum assunto no Google, sempre digo: 'Lá vem o Vermelho de novo'”, conta rindo Margarida, que elogiou bastante as últimas mudanças no portal. “Agora posso deixar meus comentários”.