Presidente do PCdoB/CE afirma que Bergson era um líder nato

Dando continuidade à série de matérias sobre Bergson Gurjão Farias, ex-guerrilheiro cearense e militante comunista morto em combate na Guerrilha do Araguaia, o Vermelho/CE ouviu nesta segunda-feira (27 de julho) o presidente estadual do PCdoB/CE Carlos Augusto Diógenes, o Patinhas. Contemporâneo do ex-guerrilheiro, o dirigente comunista falou sobre o tempo em que participaram do movimento estudantil, citou características marcantes do amigo e comentou sobre os ensinamentos do Araguaia.

Carlos Augusto Diógenes - Patinhas _CE

Amigo, companheiro, atencioso, corajoso, dedicado, estudioso, alegre, descontraído, simples, destemido, conciliador, carismático. Não faltaram adjetivos para classificar Bergson. Segundo Patinhas, o estudante era uma figura extremamente querida por todos. “Não consigo imaginar alguém a quem possa compará-lo. Não recordo em nenhum momento dele nervoso, nem nos momentos mais tensos do movimento estudantil. Ele era a alegria em pessoa, bonachão, amigos de todos”, relembra.

As recordações dos tempos de convivência surgem aos poucos. Patinhas relembra que os dois participaram do movimento estudantil nos duros anos de 1967 e 1968. “Eu era presidente do Diretório Acadêmico Walter Bezerra de Sá (da Engenharia) e ele era presidente do Diretório Acadêmico João XXIII (dos Institutos Básicos). Nosso convívio era permanente no ambiente da Universidade, nas reuniões e passeatas estudantis. Almoçávamos juntos no Restaurante Universitário pois lá era um local de articulação política e de convivência com a estudantada”. Os assuntos eram os mesmos: perspectivas de terminar o curso, movimento estudantil, anseio de liberdade e luta contra a Ditadura Militar.

Segundo Patinhas, apesar de ser um estudante de classe média, vindo da “Aldeota”, atleta frequentador do Náutico Atlético Cearense, Bergson era muito querido. “Diferentemente dele, nós vínhamos do Interior do Estado. Mas as diferenças de origem não interferiram pois ele era uma pessoa muito simples, querida e se relacionava bem com todos, inclusive com pessoas de outras correntes políticas. Ele era referência para nós”, destaca o comunista.

O dirigente relembra que em 1967 e 1968 Bergson integrou o Conselho de Entidades do DCE. “Naquela época, a disputa política era violenta, o movimento estudantil estava em ascensão, as reuniões eram tensas e longas. Muitas vezes começavam às 19h e iam até as 2h da madrugada. Nesses momentos, o Bergson buscava sempre uma proposta que unificasse”.

Tempos difíceis

Com o endurecimento da Ditadura o movimento estudantil reagiu com vigor e aumentaram as manifestações. “Isso levou a uma grande mobilização entre os estudantes. Levamos cerca de 20 mil pessoas para protestar contra a morte do estudante Edson Luis (assassinado em março de 1968 no Restaurante do Calabouço, no Rio de Janeiro). Numa das manifestações aconteceu um acidente com Bergson. Ele viu que um coquetel molotov (bomba caseira usada pelos estudantes contra a polícia) tinha caído debaixo de um carro. Estava ao lado dele quando o ouvi afirmar que se danificasse o carro prejudicaria o movimento estudantil. Sem titubear, ele saiu correndo e se jogou debaixo do carro para retirar a tal bomba. Foi aí que a polícia o cercou, o espancou muito provocando um sério trauma na cabeça, e o prendeu”, relembra Patinhas.

Com a decretação do Ato Institucional 5 (AI-5), confirmou Patinhas, os principais líderes estudantis cearenses foram obrigados a sair do Estado. “Cada um teve que tomar seu destino. Desde então nunca mais tive contato com Bergson”.

O dirigente comunista destaca a intensidade que foi a breve vida de Bergson. “Ele era uma grande figura humana. Era um dos mais jovens mas também um dos mais visados pela Ditadura. Pouco tempo depois de ingressar no Curso de Química assumiu a presidência do Diretório Acadêmico. Bergson deixou marcas muito fortes na Universidade”.

Patinhas afirma que Bergson era convicto de que, com o endurecimento da repressão, o resgate da democracia no Brasil só poderia ser conquistado com a luta armada. “Assim como ele amava a Universidade, também amava a liberdade. Os acontecimentos o empurraram para esse desfecho”.

A notícia da morte

O comunista relembra que depois do AI-5 não teve mais contato com o colega. Reticente, disse que soube da morte de Bergson através da ‘Rádio Tirana’. “Foi um negócio profundo. Senti a perda de um grande amigo, como se fosse um irmão. O sentimento é de que todos nós estávamos predestinados para este fim. Fiquei reflexivo mas senti que era o momento de redobrar as energias e reafirmar a luta”.

Patinhas, que também foi obrigado a viver como refugiado em seu próprio país, quando soube da morte de Bergson, vivia como camponês no interior da Bahia. Sobre essa experiência afirma: “Nada é mais difícil do que a vida clandestina. Você perde contato com sua família, amigos, cidade, tudo. Passa a ser outra pessoa”, recorda.

A identificação

A confirmação da notícia de que a ossada catalogada na Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República como Xambioá 2 era de fato de Bergson trouxe um impacto muito grande. “Senti um misto de alívio e tristeza. O fato me fez relembrar muitos momentos em que estive com ele pois além de sermos camaradas de Partido, também éramos amigos próximos”, relembra. Emocionado, Patinhas revela que sempre teve preocupação com a família de Bergson, que em nenhum momento desistiu de lutar pela identificação de seus restos mortais, em especial com Dona Luiza, mãe de Bergson. “Isso me deu certa tranquilidade de que agora todos poderiam enfim descansar desta longa agonia.”

Pressão da sociedade

O dirigente comunista avalia que a protelação na identificação dos corpos encontrados na região do Araguaia representou uma postura de descaso e desrespeito do Estado Brasileiro. “Apesar de retardar essa confirmação, não podemos deixar de destacar o avanço da democracia no Governo Lula. Além de ter uma opinião pública favorável e a pressão da sociedade, sabemos que se não fosse a postura deste Governo, as coisas demorariam ainda mais”, analisa Patinhas.

O dirigente ratifica que a identificação do cearense é importante pois representa um momento histórico. “Nesta ocasião faz-se um resgate daquele período quando jovens dedicaram suas vidas em busca de um país melhor e mais justo. A Guerrilha do Araguaia foi um marco da história de um povo que foi até as últimas consequências em busca da democracia”.

O comunista avalia que o sepultamento de Bergson será mais um passo importante de caráter humanista e demonstrará o avanço da democracia no país. “As manifestações com a presença de familiares, ministros, parlamentares, juventude, democratas, amigos da época serão também uma forma de pressionar para que os outros corpos também sejam identificados, como os cearenses Teodoro de Castro, Custódio Saraiva e Jana Barroso”. Patinhas afirma ainda que “este é um processo doloroso para os familiares e sobreviventes da Guerrilha porém muito simbólico e gratificante para todos”.

Ensinamentos do Araguaia

Quase 40 anos após a Guerrilha do Araguaia, o dirigente comunista afirma que a operação deixou o ensinamento de que “quando houver repressão, haverá sempre resistência decidida”. Para Patinhas “O PCdoB cumpriu seu papel naquele período de obscurantismo. Foi para a Região Amazônica, integrou-se com o povo simples, ensinou e aprendeu com ele. Quando atacado pelas forças repressoras resistiu com apoio popular, defendendo a liberdade”. O presidente do PCdoB cearense afirmou que Bergson incorporou bem a vida de camponês. “Ele se integrou muito bem com a população local e era muito querido por todos na região. Na ocasião em que foi morto assumiu a linha frente do combate contra os militares para impedir que os seus companheiros fossem presos ou até mortos. Bergson era um líder nato”, revela.

“Não fazemos proselitismo da Guerrilha do Araguaia. Ela ocupa naturalmente seu papel e os fatos por si só mostram sua importância”, analisa Patinhas. “Tudo isso aumenta ainda mais a nossa responsabilidade. Com a Anistia, o Partido entendeu que surgia um novo cenário para a luta política, que já não era mais a selva amazônica. Quando mudou a situação política brasileira, mudou também nossa forma de agir. Em geral tem sido esta a nossa postura”, ratifica.

Patinhas alerta que o PCdoB tem sempre buscado evoluir, mas mantendo-se fiel aos seus ideais e sem se prender a modelos. “Temos heróis e mártires para honrar, no entanto fazemos política sem rancor. Olhamos para frente sem ficar presos ao passado. Depois de 1962, o Partido deu um salto no seu pensamento político e buscou compreender melhor a realidade brasileira”. O comunista afirma que o Partido tornou-se uma instituição, quase secular, bastante respeitada.

Bergson morreu lutando pela democracia. Hoje o PCdoB faz parte do Governo Lula e de governos progressistas em alguns estados e municípios. Levando em conta esses aspectos, perguntamos a Patinhas como ele acha que o guerrilheiro encararia esta atual situação. “Naquela época Bergson jamais imaginaria o percurso que levou ao avanço democrático não só no Brasil mas em toda América Latina. Acho que hoje tomaria um choque mas também vibraria com a projeção que o Partido tem no país. Hoje falamos livremente e amplamente com a sociedade, temos comunistas como ministro, senador, parlamentares em todos os níveis, prefeitos, lideranças expressivas no momento popular, na academia e na intelectualidade. Estamos realizando nosso 12º Congresso discutindo o caminho brasileiro de transição ao Socialismo. Penso que Bergson elogiaria a capacidade do PCdoB de se adaptar aos novos tempos e diria: Nossa luta no Araguaia não foi em vão”, finaliza.

De Fortaleza,
Carolina Campos com colaboração de Inácio Carvalho