Sem categoria

Mariano Freitas: Bergson era uma unanimidade no movimento estudantil'

O Vermelho/CE prossegue recontando a trajetória de Bergson Gurjão de Farias, militante comunista morto em combate nas selvas do Araguaia. Na manhã desta terça-feira (04/08), estivemos com Mariano Freitas, autor do livro “Nós, os estudantes”, publicação que conta a vida dos universitários cearenses na década de 60.

Mariano Freitas: ''Bergson era uma unanimidade no movimento estudantil''

Contemporâneo de Bergson, Mariano Freitas também atuou no movimento estudantil no Ceará na época da Ditadura. Membro da Ação Popular, corrente divergente do PCdoB na época, o médico falou sobre as manifestações estudantis, o endurecimento da Ditadura, a proposta de trazer pessoas de fora do movimento para fortalecer as manifestações e ressaltou que Bergson era o principal representante desta mentalidade aglutinadora

Mariano inicia a conversa destacando que a decretação do Ato Institucional Nº 5 (AI 5) tinha sido um marco para as ações do movimento estudantil. “Não dá pra gente analisar aquele contexto sem ressaltar o AI 5. O golpe de 1964 aumentou a indignação do povo e fortaleceu os movimentos populares: estudantil, sindical, operário, dentre tantos. Com esta maior consciência política e social, era preciso uma ação mais dura para que as forças reacionárias agissem”, analisa o médico.

Em 1968, segundo Mariano, o movimento universitário cearense era organizado e liderado por três frentes principais. “O PCdoB/PCB defendia os direitos dos estudantes universitários; a Ação Popular (AP), que nasceu dentro da igreja católica, levava as bandeiras da sociedade; e ainda a Quarta Internacional, que pregava a aliança estudantil-operária-camponesa. Apesar dos embates, formou-se uma aliança tática, com linha política ofensiva porém equilibrada”, avalia. O médico afirma que esta aliança fortificou o movimento e trouxe visibilidade. “Vieram muitas pessoas de fora. Eram operários, comerciários, bancários e até donas de casa. O movimento estudantil passou a ser um desaguadouro da insatisfação popular pois ele era a única força viva visível de oposição à direita. Devido a isso, transbordou suas competências”.

Após contextualizar, Mariano afirma. “Dentro deste cenário de articulação, surge a figura do Bergson. Ele defendia que era preciso ampliar as ações do movimento estudantil e garantir que as manifestações seriam ordeiras e pacíficas. Ele lutava para que o movimento não fosse taxado de baderneiro porque isso esvaziaria as manifestações. Bergson era o defensor mais ferrenho desta compreensão pois acreditava que para crescer, o movimento estudantil precisava ter credibilidade”.

Ação política ampla

Em seu livro sobre os universitários, Mariano faz um destaque especial sobre o militante comunista. “Bergson, um amor de pessoa, jovem atleta de basquetebol do Clube Náutico Cearense, muito conceituado entre os colegas pelo seu comportamento cuidadoso no trato com as pessoas, tornara-se uma unanimidade entre os líderes do Movimento Estudantil. Pelo seu comportamento ético, exemplar e, mesmo ligado ao PCdoB, mantinha relações de amizade e convivência política com amigos e amigas em todas as forças políticas que militavam na universidade. Sempre muito preocupado com a impressão de que as manifestações estudantis causavam na sociedade, esforçava-se durante as manifestações de rua para que o nosso comportamento fosse o mais pacífico e convincente possível”.

Mariano Freitas recorda que conheceu Bergson numa visita ao Náutico Atlético Cearense. “Fui jogar vôlei com o Fernando Borges (o Fernandão). Lá, o Roberto Bastos (técnico do Bergson) nos apresentou. Dias depois, recordo que o encontrei debaixo de uma mangueira onde hoje é o Museu de Arte Moderna da UFC. Tínhamos saído de uma reunião do movimento estudantil e fomos abordados pelo Fernando Maia, jovem jornalista pilotando uma lambreta, que queria saber da programação das manifestações”.

Uma das orientações da organização das manifestações era a de não divulgar o roteiro das passeatas. “A gente não podia dizer nem dia nem hora mas o Bergson era defensor de que se pedisse permissão à polícia para que a gente realizasse as caminhadas. Segundo ele, era uma garantia que teríamos. Caso a polícia negasse, a gente faria mesmo assim”, recorda Mariano.

Novo rumo

O médico relembra ainda que Bergson, que fazia parte da equipe de organização das manifestações, era extremamente preocupado com as provocações durante as caminhadas. “Ele estava sempre atento ao que os colegas manifestantes falavam com a polícia. Quando algum era retido, era ele quem ia mediar. Impressionante como ele tinha a compreensão de que era importante angariar a simpatia do povo, trazê-lo para perto e fortificar o movimento. Diria que Bergson era um embaixador, um digno representante do movimento junto às forças de repressão”.

Mariano Freitas enfatiza que Bergson era um excelente estudante, destacado atleta e mantinha contato com a elite da capital cearense. “Quando soube que Bergson tinha se tornado comunista, o delegado Luis Coelho (na época dirigia a Delegacia de Ordem Pólítica e Social – DOPS) teve uma grande decepção. O delegado era uma espécie de orientador espiritual dos atletas do Náutico e queria evitar que a moçada tivesse consciência política”. Segundo o médico, a maioria das amizades de Bergson era de classe média alta. “A vida dele era o esporte e o movimento estudantil. Na época, muitos falaram dele, se afastaram. Os ‘amigos’ ficaram horrorizados quando ele se apresentou como comunista. Bergson fez uma reflexão profunda para decidir seu rumo, sofreu pressão de sua classe de origem, de parte da direita que o tinha como um garoto exemplar”, analisa.

A trajetória política

Com a extinção da AP, Mariano Freitas passou pelo PCB e PDT, legenda em que concorreu ao cargo de deputado federal em 1986. “Lá fiquei até 2000. foi devido a um choque de ideias que resolvi sair do PDT. Eu acreditava que era preciso a unidade das esquerdas. Nem o PDT de Brizola e nem mesmo o PT caminhavam para este rumo. Analisando, percebi que o PCdoB era o único que seguia esta linha de pensamento. Por ter muitos amigos, minha chegada ao Partido foi consequencia. Minha linha natural de aglutinar forças casou com a do PCdoB”.

Questionado sobre a visão de Bergson na atual conjuntura política brasileira, Mariano analisa. “Acho que ele estaria numa linha de frente mais ofensiva, o que não quer dizer mais radical. Imagino que ele buscaria ter uma maior influência dentro do executivo e tentaria uma mudança tática das esquerdas dentro do Governo. Sem dúvida, Bergson estaria empenhado para que a esquerda perdesse o medo da direita”, finaliza.

De Fortaleza,
Carolina Campos