O contexto por trás das novas bases dos EUA na Colômbia

O acordo para a instalação de bases norte-americanas na Colômbia deve ser visto dentro do contexto mais amplo de fenômenos que ocorrem no mundo e na região. As mudanças obtidas com a eleição de governos populares – que se voltaram à integração regional -, a visível perda de influência dos EUA no continente, a crise mundial e o surgimento de novos pólos de poder têm relação direta com as investidas estadunidenses na região. Os movimentos sociais e setores avançados da sociedade brasileira precisam estar atentos para mais essa agressão por parte do imperialismo.

Por Rubens Diniz*

A menos de uma semana do final da segunda Assembléia Nacional do Cebrapaz – na qual foi debatida a presença militar dos EUA na América Latina -, o noticiário internacional foi tomado, nos últimos dias, pelas informações sobre o acordo entre os EUA e Colômbia para a instalação de novas bases estadunidenses em território colombiano.

O acordo, que vinha sendo negociado de forma discreta, veio à tona na última semana. Trata-se da utilização por parte das forças armadas estadunidenses de três instalações militares colombianas nas regiões de Malambo ( na costa norte do Caribe, ao lado da Venezuela), Palanquero ( no Rio Magdalena, a 100 quilômetros a noroeste de Bogotá, no centro do país) e Apiay (nas planícies orientais, próximo à fronteira brasileira).

A iniciativa prevê ainda a utilização da base naval da Baía de Málaga e a de Cartagena, na costa do Caribe, por navios de guerra dos EUA. Segundo o jornal “O Globo” (31/07), em troca, a Colômbia receberia tratamento preferencial na compra de armamentos de ponta e ajuda financeira para ampliar e modernizar suas bases militares.

Com duração de dez anos, o acordo permitirá que os americanos tenham 1.400 homens, entre civis e militares, na Colômbia e contará com investimentos na casa dos US$ 5 bilhões.

A Colômbia é hoje o quinto país em ordem de grandeza com o qual os EUA têm cooperação militar, ficando atrás somente de Israel, Iraque, Egito e Afeganistão. A noticia do pacto provocou forte repudio de vários chefes de Estado da região.

Entre eles, o presidente venezuelano Hugo Chávez, que congelou as relações diplomáticas com a Colômbia e os presidentes Lula e Bachelet, que propuseram que o tema seja tratado pelo Conselho de Defesa Sul-Americano, na próxima reunião da Unasul, marcada para 10 de agosto, em Quito, Equador.

A imprensa brasileira, de um modo em geral, vem tecendo comentários errôneos sobre o tema. O editorial do jornal O Estado de São Paulo, de 02/07, e matérias escritas pelo jornal Folha de São Paulo, em suas edições de 31/07 e 02/08, minimizam a gravidade do problema e apontam seus canhões em direção à Venezuela. Também condenam o envolvimento do Brasil no tema.

Mas qual é realmente a gravidade de tal acordo? O problema deve ser visto dentro de um contexto mais amplo de fenômenos que ocorrem no mundo e na região, e não encarado como um fenômeno isolado, descontextualizado do atual quadro internacional.

Nos últimos anos, a América Latina vem passando por importantes mudanças políticas, que se materializaram através da eleição de vários governos de cunho popular, democráticos e progressistas. Tais governos têm dado prioridade política à agenda de integração política, econômica e social do continente, consolidando instâncias como o Mercosul, e a constituição de espaços como a ALBA e a União de Nações Sul-americanas – Unasul. Neste período é notória a perda de influencia dos EUA na região.

Soma-se a isto o agravamento da crise econômica mundial que tem como epicentro os EUA. Paralelamente emergem novos pólos de poder no cenário internacional com a constituição de alianças entre países em desenvolvimento, que buscam seu direito à paz, ao desenvolvimento e à soberania nacional.

O contexto internacional é de disputa: de uma lado, o imperialismo buscando impedir a consolidação de novos pólos de poder; do outro, os países em desenvolvimento lutando por uma ordem internacional menos injusta. Trata-se de um momento de transição, onde o uso da força pelo imperialismo, como forma de intimidação, não deve ser subestimado.

É dentro deste contexto que devemos analisar os últimos movimentos dos EUA na região, entre eles, a reativação da IV Frota em julho de 2008, o golpe militar em Honduras há pouco mais de um mês e a recente noticia da ampliação da presença militar estadunidense na Colômbia.

É notório e está expresso nos distintos relatórios produzidos por instâncias dos EUA que, na última década, a presença militar dos EUA na América Latina voltou a crescer a partir do momento que começaram a surgir governos na região que não se subordinavam à política estadunidense.

Ao compasso que a influência política dos EUA tem diminuído na região, o Comando Sul (Southcom), vetor militar do Departamento de Defesa para a América Latina e Caribe, tem ampliado de forma vertiginosa sua presença no continente, seja através das Localidades de Operações Avançadas (a forma como denominam as atuais bases militares), seja através da reativação da Quarta Frota ou da ampliação da cooperação e financiamento de cunho militar. Tudo isto com o intuito de projetar poder e os interesses hegemônicos em nossa região.

Um “cinturão militar” sobre nossas fronteiras

A presença militar estadunidense na América Latina é pequena, se comparada com o numero de contingentes existentes em outras partes do mundo, mas se levarmos em consideração que, em nossa região, prevalece um clima de paz e de entendimento entre os países, tal presença de torna injustificada.

Traçamos a seguir um breve panorama da presença estadunidense na América Latina, e as ameaças que ela traz às nossas fronteiras e aos países vizinhos.

Uma série de reportagens produzida pela Agência Brasil, intitulada “Geopolítica do Cerco”, apresenta um relato, a partir de estudos realizados pelo exército brasileiro, da presença das forças americanas ao redor da América do Sul.

De acordo com as matérias, com a desativação, no fim dos anos 90, das instalações militares do Canal do Panamá, os EUA criaram estruturas militares mais flexíveis, conhecidas hoje como “Localidades de Operações Avançadas” (Forward Operating Locations – FOL).

Até então, a América Latina possuía três FOL – em Aruba e Curaçao (Rainha Beatrix e Hato, com 450 militares), e em El Salvador (Comalapa, com 100 militares) – além da hoje em fase de desmantelamento base de Manta (com 450 militares), no Equador. Tais estruturas oferecem uma cobertura geográfica maior que a antiga base de Howard, no Panamá, com um custo financeiro e político bem menor.

A presença militar dos EUA inclui ainda a existência de duas bases militares, a de Guantânamo, que funciona de forma ilegal em território cubano (com 8100 homens), e a base militar de Soto Cano (com 550 homens), que recentemente deu suporte de inteligência para os golpistas hondurenhos.

Além disto, os EUA possuem uma vasta rede de radares, com um total de 17, localizados em sua grande maioria entre o Peru e a Colômbia, além de acordos militares com países como a Guiana, que permite que os EUA utilizem sua costa e espaço aéreo. Tais radares são ligados aos Space Warfare Center (Centro Espacial de Guerra) da força aérea dos EUA, localizado em Schriever, Colorado Springs.

Soma-se a isto a recém reativada Quarta Frota da marinha de guerra dos EUA, que, entre suas esquadras, possui porta aviões nuclear USS Nimitz, que pode levar até 85 aeronaves e 6 mil tripulantes, além de artefatos nucleares.

Toda esta complexa rede de “localizações avançadas”, Frota Naval e radares faz com que os EUA tenham o controle do espaço aéreo de nossas fronteiras, além de ocuparem posições estratégicas, no oceano Atlântico, na faixa onde está localizado o pré-sal e nas fronteiras da Amazônia brasileira, região rica em biodiversidade.

Situação igual vive a Venezuela, que, a menos de 50 quilômetros de sua costa, conta com as Localidades de Operações Avançadas de Curaçao e Aruba e, completando o cerco, as novas instalações militares em território colombiano junto às suas fronteiras.

Os argumentos utilizados para justificar todo este aparato bélico são a luta contra o narcotráfico, o terrorismo e apoio humanitário.

Como se afirma, mentir nas relações internacionais não leva ninguém ao inferno, o que pode de fato levar é acreditar nas ditas mentiras. O argumento de que toda esta presença tem como objetivo o combate ao narcotráfico é falsa.

Os interesses do imperialismo estadunidense são outros. Trata-se de projetar seu poder em regiões com grandes riquezas naturais e controlar rotas e fluxos comerciais, como claramente afirmou por um relapso o Almirante Gary Roughead, em suas declarações sobre a IV Frota, em 11 de julho de 2008.

Para o Chefe de Operações Navais da Marinha Americana, a IV Quarta Frota está destinada a “proteger os mares da região daqueles que ameaçam o fluxo do comércio internacional”. Ele concluiu afirmando que “ninguém deve se enganar, porque esta frota estará pronta para qualquer operação, a qualquer hora e em qualquer lugar, num máximo de 24 a 48 horas”

Os EUA estão perdendo influência em sua primeira linha de defesa.

A projeção de poder dos EUA sobre a América Latina, responde à formulações de seus principais geopolíticos, que sempre viram a necessidade de impor seu poderio sobre nossa região.

Desde 1823, com a Doutrina Monroe – que orientava a política externa estadunidense da “América para os americanos”-, passando pelas formulações do Almirante Alfred Mahan – outro geopolítico da escola americana, que influenciou profundamente o presidente Theodore Roosevelt.

Para Mahan, os EUA deveriam constituir uma grande força naval para proteger seus interesses ao redor do mundo, e manter sobre sua influência direta o Caribe, que seria sua primeira linha de defesa.

Outro dos grandes formuladores da escola geopolítica americana foi Nicolas Spykman, um holandês naturalizado nos EUA, diretor do Instituto de Estudos Internacionais da Universidade de Yale e autor de duas obras que influenciam até hoje o pensamento estratégico americano – America's Strategy in World Politics (1942) e The Geography of the Peace.

Spykman (que morreu de maneira precoce), argumentava que existia uma diferença radical entre a “América anglo-saxã e a América dos latinos”. Na América dos latinos, ele propõe fazer uma divisão em duas zonas, a “América mediterrânea e a América do sul”.

A zona mediterrânea é considerada, para ele, área de supremacia absoluta dos EUA, uma região na qual a influência estadunidense não deve ser questionada em hipótese alguma, por ser tratar de sua primeira linha de defesa. Nesta região encontram-se México, América Central o Caribe, além da Venezuela e Colômbia (que mesmo estando na América do Sul são países caribenhos).

Contrariando as formulações dos geopolíticos americanos, temos visto que os EUA têm perdido influência política em áreas para eles vitais. Os seus movimentos mais recentes, visam, em última instância, recuperar a hegemonia sobre estas zonas.

Transformar a Colômbia em um centro de operações táticas contra seus vizinhos

No meio deste debate, o governo de Álvaro Uribe, realiza acusações ao governo do Equador e da Venezuela por supostamente estarem se intrometendo no conflito interno colombiano.

Na última semana, o presidente Álvaro Uribe, lançou uma campanha midiática na qual afirmava ter encontrado, em poder de insurgentes, armas que foram compradas pela Venezuela à Suécia. Tratam-se de três lança-foguetes adquiridos em 1988, pela Venezuela, e que desde o ano passado se encontram em mãos do exército colombiano.

Vale perguntar por que somente agora se torna público o pedido de explicação sobre os artefatos, se estes estavam em poder das forças armadas colombianas desde setembro do ano passado.

Igual ocorre com o Equador. A cada momento delicado do conturbado governo Uribe, surge um vídeo, uma carta, uma foto de supostos computadores de Raul Reyes incriminando os vizinhos.

Trata-se de uma verdadeira cortina de fumaça. O que Álvaro Uribe busca é tirar o foco da operação que vai transformar a Colômbia em um centro de operações táticas do governo dos EUA contra os países da região.

Palanquero seria a base para operação dos aviões militares C-17, que possuem uma grande capacidade de vôo, cobrindo grande parte do continente sem necessidade de realizar paradas técnicas de reabastecimento. O porto da Baia de Málaga, também seria utilizado por porta aviões de grandes proporções, como os que compõem a IV Frota. Aparenta que os EUA querem transformar os EUA em um Israel da América Latina.

Quem deve explicações são os governo colombiano e norte-americano, pois, em decorrência das armas vendidas pelos EUA à Colômbia, vários jovens inocentes têm sido mortos, em mais um escândalo que tem abalado a opinião publica nacional. Os chamados “Falsos Positivos”, pessoas inocentes, em sua maioria oriundas de regiões periféricas, têm sido executados e apresentados como baixas das forças insurgentes.

Segundo o Jornal “El Espectador” , de 2006 a 2009, o número de falsos positivos ultrapassa os 2 mil. A situação é tão grave que nos últimos meses o Comandante Geral do Exercito, o General Mario Montoya Uribe, foi destituído de suas funções por estar implicado no caso.

Defender a América Latina como uma região de paz

A presença de forças bélicas dos EUA em nossa região representa uma grave agressão ao nosso continente. A América Latina é uma região de paz. As diferenças entre os países da região são tratadas de forma diplomática e dentro das instâncias políticas do continente, como é o caso da Unasul.

Neste sentido, são sumamente importantes as declarações feitas pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que é preciso debater o caso no âmbito do Conselho de Defesa Sul-americano – instancia pertencente à Unasul.

O Conselho de Defesa Sul-americano é um fórum de concertação sobre temas vinculados à defesa da região. Não se trata de uma aliança militar de formato tradicional, como está expresso de forma clara em sua carta de fundação, de 16 de dezembro de 2008.

Fortalecer a corrente antiimperialista na América latina passa por aprofundar o processo de integração regional e evitar a ampliação de forças bélicas do imperialismo em nosso continente.

É necessário que os movimentos sociais e os setores avançados da sociedade brasileira estejam atentos a mais uma agressão por parte do imperialismo às nossas fronteiras e aos rumos políticos que toma o “Continente Rebelde”. Repudiar a presença militar americana em nosso continente é defender a paz em nossa região.

* Rubens Diniz, é diretor do Cebrapaz – Centro Brasileiro de Solidariedade aos Povos e Luta pela Paz e membro da comissão relações internacionais do PCdoB.

Referências:
– “Geopolítica do Cerco” – http://www.radiobras.gov.br/especiais/euamerica/
– www.geoplitica.ws
– A Reativação da Quarta Frota no Atual Contexto da América Latina – textos do seminario organizado pelo Cebrapaz
– Folha de São Paulo, 03 de agosto de 2009 “Documento sobre bases gera suspeitas do Brasil”
– www.elespectador.com – consultado em 12 de maio de 2009
– O Globo de 31 de junho de 2009 -Critica tripla a base dos EUA na Colômbia
– Tratado constitutivo do Conselho de Defesa Sul-americano – www.defesa.gov.br/mostra_materia.php?ID_MATERIA=32704