Cia. do Latão lança revista e encena A Comédia do Trabalho

A Companhia do Latão vai lançar, nesta quinta-feira (30), no Teatro Coletivo, na Rua da Consolação, em São Paulo, a revista Vintém 7. O evento marca uma série de apresentações do grupo, que também encenará, de 30 de julho a 1º de agosto, seu espetáculo mais popular, A Comédia do Trabalho. Já no dia 2, o Latão apresenta o experimento videocênico Entre o Céu e a Terra.

Com o apoio da Petrobras, patrocinadora da companhia, a revista Vintém 7 trata de questões ligadas a teatro, cinema e televisão. Entre os entrevistados da nova edição está o ator e diretor Paulo José, que discute sua trajetória de trabalho, e a psicanalista Maria Rita Kehl, falando sobre arte e luta social. O dramaturgo e criador do Teatro do Oprimido, Augusto Boal (1931-2009), é o tema do dossiê especial. A revista também reúne artigos de Iná Camargo Costa, Renata Pallottini, entre outros.

Entre o Céu e a Terra, o experimento videocênico do Latão sobre a obra de Machado de Assis, combina as linguagens do vídeo, da música e do teatro. Sobre a projeção de imagens inspiradas no conto A Cartomante, uma trilha sonora é executada ao vivo enquanto os atores do grupo enunciam textos poéticos e teóricos que comentam a narrativa. Os escritos são baseados em fragmentos de Machado de Assis e do crítico Roberto Schwarz.

Gravado em locações na Vila Maria Zélia, no Museu da Caixa Econômica Federal e no Teatro Sesc Anchieta, Entre o Céu e a Terra é um filme mudo que conta com a participação de mais de 20 atores convidados, entre eles integrantes da Companhia do Latão e do grupo XIX. Foi todo feito a partir de cenas improvisadas pelos atores, constituindo-se num trabalho de dramaturgia e direção coletivas, sob a coordenação de Sérgio de Carvalho.

A reapresentação de A Comédia do Trabalho é uma oportunidade para o público conhecer o espetáculo da Companhia do Latão de maior sucesso popular. Mostrada em sedes de sindicatos de trabalhadores e movimentos populares, a peça foi encenada por diversos elencos em quase 300 apresentações, sendo vista por um público de aproximadamente 70 mil pessoas, além de integrar a programação do Fitei, em Portugal.

Com texto coletivo e dramaturgia da própria companhia e direção direção: Sérgio de Carvalho, A Comédia do Trabalho expõe um mosaico de diversos personagens no auge do capitalismo financeirizado. Um banqueiro depende de ajuda governamental para vender seu negócio a um investidor estrangeiro. Um desempregado, em meio às massas de demitidos, tenta suicidar-se no alto da empresa em que trabalhou. Uma representante da Missão Filantrópica Internacional viaja ao trópico para oferecer sua ajuda.

A massa de miseráveis da grande cidade se move caoticamente entre a insatisfação, o desespero e a rebeldia. Os capitalistas e policiais se deparam com a necessidade da ação coletiva, e o assistencialismo cultural pode ser um bom negócio. Desta vez, a peça será interpretada por Adriana Mendonça, Helena Albergaria, Ney Piacentini, Rodrigo Bolzan, Ana Cristina Petta e Renan Rovida, com participação especial de Maurício Braz e Carlos Alberto Escher.

O grupo

A Companhia do Latão é um grupo teatral de São Paulo interessado na reflexão crítica sobre a sociedade atual. Seu trabalho inclui espetáculos, atividades pedagógicas, a edição da revista Vintém, bem como uma série de experimentos artísticos. A origem do grupo está ligada à montagem de Ensaio para Danton (1996), livre adaptação do texto A Morte de Danton, de Georg Büchner, com direção de Sérgio de Carvalho.

No ano seguinte, o diretor reuniu uma equipe em torno do projeto “Pesquisa em teatro dialético”, para a ocupação do Teatro de Arena Eugênio Kusnet, em São Paulo — momento em que se formou efetivamente o grupo de pesquisa teatral, que passa a ser co-dirigido por Márcio Marciano. Nos dois anos de residência naquele espaço se realiza um estudo da obra teórica de Bertolt Brecht como um modelo para o teatro épico-dialético no Brasil.

A abertura pública do projeto ocorreu com a leitura do texto A Santa Joana dos Matadouros, de Brecht, seguida de uma palestra de Roberto Schwarz, em 3 de julho de 1997. Nos meses seguintes, o grupo trabalhou sobre o conjunto de escritos teóricos de A Compra do Latão, procurando confrontar a teoria de Brecht com observações realizadas nas ruas de São Paulo. A experiência deu origem ao espetáculo Ensaio sobre o Latão (1997).

Em 1998, a leitura de Santa Joana se converteu numa encenação de grande repercussão — que aproximou a companhia de espectadores ligados a movimentos sociais e universitários. Mesmo trabalhando com uma dramaturgia pré-existente, as primeiras montagens da Companhia do Latão apresentam um caráter de releitura processual, espetáculos ensaísticos no sentido de uma recusa a se inserir no sistema produtivo como um "produto acabado".

As regras do jogo teatral são, assim, como que expostas, em encenações desprovidas de maiores efeitos cenográficos, centradas nos atores e música, em que o espaço da ficção surge da colaboração imaginária do espectador. Ainda no Teatro de Arena Eugênio Kusnet, o grupo deu início a uma produção de dramaturgia própria, realizada na sala de ensaios de modo coletivizado, com base em improvisações dos atores e conjugada a uma pesquisa musical épica conduzida por Lincoln Antonio e Walter Garcia.

O Nome do Sujeito, de outubro de 1998, é uma peça de feições históricas, que se passa no Recife, na segunda metade do século 19. No seu movimento crítico existe a representação de aspectos do projeto de modernização do estado na perspectiva neoliberal empreendido pelo governo brasileiro do fim dos anos 1990.

A coletivização da escrita se radicalizou no espetáculo seguinte, A Comédia do Trabalho, que nasceu de um processo de ensaios abertos, integrado a diversas oficinas teatrais e estreia no ano 2000. Concebida como peça de intervenção, em estilo de farsa de agitprop, teve pré-estreias em escolas e num assentamento do MST. A montagem ampliou o intercâmbio do grupo com setores politizados do país, sendo apresentada também em sindicatos, encontros estudantis e fóruns sociais. Foi mantida em repertório por anos, atingindo mais de 70 mil espectadores.

Volta às origens

Entre 2001 e 2003, a Companhia do Latão retornou ao Teatro Cacilda Becker, na Lapa, onde tinha ocorrido sua pré-história com Ensaio para Danton. Ali o grupo produziu suas encenações mais experimentais, também baseadas em textos próprios. Auto dos Bons Tratos (2002) se baseou num episódio histórico do século 16, relativo ao processo inquisitorial do capitão Pero do Campo Tourinho. A forma jurídico-processual da cena atualiza a perspectiva da peça didática. A peça é apresentada em Portugal, no Festival Internacional de Teatro de Expressão Ibérica, juntamente com A Comédia do Trabalho.

A reflexão sobre formas de desmontagem ideológica, capazes de perturbar a confiança na narrativa cênica, marcou a dramaturgia do período, influenciada também pela leitura de Machado de Assis. Em torno dos processos de manipulação e alienação da indústria cultural se constrói a forma teatral de O Mercado do Gozo (2003), sobreposta ao tema da prostituição, dos paraísos artificiais e do aburguesamento da cidade de São Paulo no início do século 20.

Em paralelo às grandes montagens, a Companhia do Latão realizou uma série de experimentos mais curtos, às vezes na forma de leituras cênicas, em ocasiões comemorativas. Foi o caso de Lorca, Dali, Buñuel (apresentado no centenário de nascimento de García Lorca, 1998), Homenagem aos Trabalhadores de Eldorado dos Carajás (2000, na exposição Êxodos, de Sebastião Salgado), Ensaio da Comuna (2001, nos 150 anos da Comuna de Paris) e O Grande Circo sa Ideologia (2001 e 2003, no Fórum Social Mundial).

Alguns desses experimentos se tornaram encenações de maior repercussão, sendo reapresentados diversas vezes. João Fausto (1999), baseado no libreto de Hanns Eisler, feito a convite do Instituto Goethe de São Paulo, é uma sátira aos intelectuais com passado de esquerda realizada na forma de uma peça-conferência. Valor de Troca (2002), baseado numa notícia de jornal em que uma moça é estuprada por policiais é um experimento musical que reflete sobre o discurso da justiça e suas categorias ideais. Seria depois exibido na televisão, numa reescritura de 2007.

Com o apoio do Instituto Goethe, o Latão realizou importantes intercâmbios com artistas alemães, entre os quais Peter Palitzsch, colaborador de Brecht no Berliner Ensemble, e Alexandre Stillmark, também oriundo do movimento teatral da Alemanha Oriental. Um desses trabalhos, ocorrido com o ensaísta Hans-Thies Lehman, tem como tema a obra do dramaturgo Heiner Müller. Dá origem a Equívocos Colecionados (2004), exercício de ruptura da fábula e de "diálogo com os mortos" da cultura brasileira, composto a partir de entrevistas de Müller e de temas do filme Terra em Transe, de Glauber Rocha.

No mesmo ano, o grupo estreou Visões Siamesas, um de seus textos mais complexos, que tem como ponto de partida um conto de Machado de Assis. A peça examina o processo social e psicológico de produção de imagens compensatórias em relação ao fracasso da experiência histórica.

As viagens da Companhia do Latão por todo o país em 2005, com um repertório de quatro espetáculos (o que não ocorria desde 1999) encerrou um ciclo de trabalho do grupo. Os novos integrantes aliados a Helena Albergaria, Ney Piacentini, Martin Eikmeier e Sérgio de Carvalho, dedicaram-se no ano seguinte ao Projeto Companhia do Latão 10 anos, cujo objetivo foi o resgate do acervo literário, iconográfico e videográfico.

O Círculo de Giz

A estreia em agosto de 2006 de O Círculo de Giz Caucasiano, com direção de Sérgio de Carvalho e artistas oriundos de vários grupos de pesquisa, foi mais que um retorno a Brecht. Inaugurou um procedimento de cooperações e uma intensa produção de experimentos audiovisuais.

O reconhecimento internacional se ampliou com o convite a Sérgio de Carvalho para uma conferência na Casa Brecht de Berlim sobre a experiência em teatro dialético da companhia. O Círculo de Giz foi apresentado em Havana — onde obteve o prêmio Villanueva, como melhor espetáculo estrangeiro de 2007, concedido pela União dos Escritores e Artistas de Cuba.

O Estúdio do Latão foi inaugurado em julho do mesmo ano e passou a sediar oficinas e abrigar uma pesquisa teatral e audiovisual intitulada Ópera dos Vivos, que se desdobrou entre 2008 e 2009. No final de 2008, o grupo lançou o livro Companhia do Latão 7 Peças (Cosacnaify) e realizou o experimento videocênico Entre o Céu e a Terra. Os livros Introdução ao Teatro Dialético — Experimentos da Companhia do Latão e Atuação Crítica — Entrevistas da Vintém e Outras Conversas (ambos editados pela Expressão Popular) foram lançados em 2009.

Da Redação, com informações da Companhia do Latão