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Estado deve se envergonhar por seus crimes, diz ministro

A tarde desta quinta-feira (18) marcou um dos fatos mais importantes da história recente do país. Numa cidade perdida no sul do Pará, o Estado brasileiro, pela primeira vez, reconheceu o erro de ter perseguido e torturado dezenas de moradores da

Diante de mais de trezentas pessoas que lotaram a praça central da cidade, Tarso enfatizou que “somos todos brasileiros e queremos resolver nossos problemas pela via democrática”. Para ele, “o Estado deve se envergonhar e pedir desculpas pelos crimes cometidos no passado”.

 

Em entrevista coletiva, ele defendeu a busca e a abertura dos arquivos da época da ditadura, salientando a dificuldade de encontrar a documentação, já que boa parte está sob a guarda de particulares ou foi queimada. “Essa questão da memória em períodos de exceção é especialmente problemática porque o Estado ditatorial descumpre a própria legalidade da ditadura, daquele aparato militar, formando assim um Estado paralelo. Essa é a grande dificuldade”. Mas, insistiu, “é um trabalho que deve ser feito porque visa restaurar o etos democrático brasileiro. Um país que não olha seu passado, que não se preocupa em punir os excessos cometidos pelos indivíduos ou grupos mesmo dentro de um regime ditatorial não vai para frente”.

 

Questionado sobre a responsabilidade de averiguação sobre os arquivos supostamente queimados, o ministro alfinetou: “não tenho informações, pergunte para o (Nelson) Jobim”. Segundo ele, “isso obviamente deve ser investigado pelo Ministério da Defesa em procedimento administrativo e depois pelo Judiciário. Neste momento, por exemplo, o ministério cumpre uma ordem judicial que determina a busca dos corpos (dos mortos na guerrilha)”.

 

Com relação às divergências entre Tarso e Jobim no que diz respeito à responsabilização dos militares torturadores, o ministro da Justiça afirmou que pretende tratar de tais diferenças no âmbito institucional. “Lido com isso dentro dos parâmetros que o Estado de direito nos oferece. Esse trabalho da Comissão de Anistia é um exemplo e é uma função outorgada ao Ministério da Justiça”. Já no que diz respeito à abertura de processos contra indivíduos, sejam eles civis ou militares, “não é de competência nossa, mas do Ministério Público e há ações como a da OAB que se mostrou solidária com a posição defendida pelo Ministério da Justiça, o que apreciamos muito”, disse.

 

Para Tarso Genro, o processo de anistia no Brasil seguiu a mesma lógica do fim do regime militar. “Não houve uma derrubada, mas um processo de conciliação que nos levou a um estágio do direito democrático que tem aspectos positivos, mas também muitos negativos. Não custou sangue nem violência naquele momento de transição, mas permitiu que pessoas que cometeram atrocidades se escondessem dentro do Estado de direito, se eximindo de suas responsabilidades”. Para o ministro, “temos de saber lidar de maneira sóbria e responsável e não provocativa nem em relação ao que o Ministério da Justiça está fazendo, nem ao que o da Defesa está fazendo”.

 

Justiça aos anônimos

 

Durante o ato público de divulgação dos julgamentos efetuados ontem em Brasília, o presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, destacou que o que se deseja com julgamentos dessa natureza é “promover um pouco de justiça”. O episódio da Guerrilha do Araguaia, bem como os demais desmandos da ditadura, “não atingiram apenas os famosos, mas também os anônimos, nossa gente simples da cidade e do campo”. Ele disse que o papel da Comissão “não é apenas o de prover a reparação econômica daqueles que sofreram perseguição, mas também reparar moralmente cada um desses camponeses”.

 

Abrão agradeceu especialmente ao apoio, em âmbito institucional, que o PCdoB – partido que encampou a guerrilha rural como resistência ao regime – tem dado à Comissão. “É o partido que mais nos apóia de todas as maneiras, seja através de manifestações oficiais ou mesmo pela cobertura dada por seus veículos de comunicação ao nosso trabalho, por compreender a importância da anistia”, colocou.

 

O presidente do PCdoB, Renato Rabelo, presente à cerimônia, enfatizou que “o ato de hoje é um grande acontecimento político. A Comissão é, na verdade, um tribunal da história porque tem procurado resgatar a memória do movimento armado de resistência popular”. Conforme afirmou o dirigente, “para o PCdoB, o julgamento tem especial simbolismo porque o partido, durante a ditadura, teve a coragem de montar um movimento de resistência armada que teve sim amplo apoio popular”. A população desta região, disse Rabelo, “compreende o papel do partido porque sua atuação ficou na memória do povo”.

 

Também compareceram à cerimônia a governadora do Pará, Ana Julia Carepa, a deputada federal Jô Moraes (PCdoB-MG), o secretário de Meio Ambiente do PCdoB, Aldo Arantes e o ex-guerrilheiro Zezinho do Araguaia, entre outros, além de representantes de organizações nacionais e internacionais ligadas aos movimentos sociais e aos direitos humanos.

 

Ao todo, a Comissão de Anistia deferiu os processos de 44 homens e mulheres que sofreram todo tipo de arbitrariedades. Outros 40 foram indeferidos por motivos diversos, como falta de comprovação da perseguição, o fato de o requerente não ter sido prejudicado pela perseguição a um parente ou mesmo por ter sido configurada a condição de mateiro, homem que servia de guia à ditadura na caça aos guerrilheiros. Há ainda 187 casos a serem analisados. Nesta sexta-feira (19), os conselheiros da Comissão fazem uma oitiva cujo objetivo é levantar mais informações sobre processos incompletos e que por isso, não puderam ser julgados.

 

O Vermelho publica, em breve, reportagem completa sobre as sessões da Comissão de Anistia.

 

De São Domingos do Araguaia,
Priscila Lobregatte
 

 

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