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Entrevista: ''Economia centralizada ajuda Cuba na crise''

Nas páginas da centenária revista cubana Bohemia há um jornalista que exige ''contas claras''. Assim ele batisou sua coluna. Temas às vezes ardentes, outras polêmicos, dão sentido a uma seção onde o ponto de convergência está na economia cubana.

Cubahora: Qual é a sua visão como jornalista sobre a presença das questões econômicas na imprensa cubana?

Ariel Terrero: Insuficiente. Acho que hoje estamos assistindo um momento muito especial, muito difícil e tenso da economia cubana e da economia global, que exige que as pessoas, primeiro, muita informação, para ter, pelo menos, a mínima ideia do que está acontecendo . Muitas vezes não se tem noção da conjuntura econômica que vivemos. Penso que esta falta de clareza está relacionada a vários fatores, não apenas a falta de informação, mas sem dúvida isso é essencial. Outros fatores que interferem estão relacionados à própria estrutura da economia cubana; e outros ainda influem diretamente para que as pessoas julguem urgente ou não o ter acesso às notícias. No entanto, não é suficiente e a verdade é que as pessoas precisam de informação, exigem e procuram informação.

Cubahora: Então, é um desafio para os jornalistas cubanos?

Terrero: É um desafio da imprensa cubana como sistema. Penso que estamos abrindo alternativas para o sistema de informação na sociedade em geral, mas elas não se refletiram em grande medida dentro do sistema de imprensa.

Cubahora: O que entende por cultura econômica de um país?

Terrero: Cultura econômica é conhecer, perceber, deduzir o que está acontecendo no teu país, no teu entorno, e falo entorno em escala internacional, a compreensão, em especial dos fundamentos econômicos do que está acontecendo. Existem estruturas e políticas da sociedade cubana, que fazem as pessoas não sentirem urgência de compreender certos aspectos da economia.

Fidel já o levantava na sua aula magna da Universidade de Havana, em 17 de novembro de 2005, quando perguntou a uns estudantes quando gastavam no armazém, ou com eletricidade, e ninguém soube responder com exatidão. Com pode ser assim, se quando você fala com com um europeu ou um latino-americano ele sabe exatamente quanto gasta em água, alimentação ou crédito?

Em Cuba há elementos que promovem essa ignorância. Na minha opinião, poderia shaver um excesso de proteção do Estado sobre a sociedade, que não te obriga a se esforçar para se proteger. Aí passa a ser importante saber como vai a economia, como se comportam os preços e como gerir os recursos disponíveis.

Você tem a garantia de que vai receber a libreta de abastecimento, com determinadas quantidades de produtos. O preço é irrelevante, não é o fator que mais afeta a contabilidade doméstica de um lar médio cubano. Então você não se importa se o preço do arroz da quota está assim ou assado no mercado mundial, porque o preço no armazém não vai se mover, mesmo que flutue internacionalmente.

Cultura econômica é saber falar sobre tarifas e preços, compreender a lógica dos movimentos do mercado, saber o que mudou de um ano para outro e por que, para compreender o que pode acontecer este ano, se acontece no mundo uma crise econômica com certas características , entender esta crise, ao que responde e quais podem ser as suas consequências. Isto é cultura econômica.

Cubahora: Um tema muito controverso na agenda cubana é o da produtividade e dos salários. A relação entre estes fatores deve ser proporcional. Diz-se que um aumento dos salários e do poder aquisitivo do cubano médio dependente do aumento da produção. No entanto, o aumento da produção precisa de um estímulo. Como sair deste impasse?

Terrero: Uma pessoa não pode sentar à mesa para comer se não cozinhar primeiro; esta é a chave de tudo. Se não se prepara, se não se cria riqueza, não se pode distribur. De acordo com este princípio é que se deve equilibrar a produtividade e o salário.

Cubahora: Muitas vezes se prioriza determinados setores em busca de uma saída cinjuntural, e se deixa outros de lado. Acha que a atual prioridade econômica está em plena sintonia com a cultura produtiva do país?

Terrero: Se você tiver uma renda doméstica de 100 pesos e um monte de necessidades acumuladas, tem que priorizar o que comprar com esse dinheiro. Portanto, não se trata de deixar de lado. Se for mais urgente  pagar um medicamento, um alimento ou algo específico, outras coisas necessariamente têm que esperar.

O mesmo acontece com a economia como um todo. Quem governa uma família tem de decidir onde colocar o dinheiro. Também, quem governa um Estado, seja Cuba ou qualquer outro país, tem que priorizar onde investir.

Às vezes, com um nível de recursos muito limitados e você tem que investir em determinados setores para servir, como já se disse, de locomotiva da economia. Nos primeiros anos desta década, por exemplo, analisou-se qual o setor com mais perspectivas, verificou-se que era o turismo e ele se tornou prioridade. Outros ficaram de lado, como a indústria açucareira, já não rentável devido aos preços do mercado mundia, que não justificavam mais investimentos e gastos neste setor. Tivemos que reestruturar. Usinas foram fechadas porque não eram eficientes ou produtivas, fomos fazendo ajustes na economia.

Agora aconbtece coisa semelhante. Estamos fazendo um fortíssimo investimento na indústria farmacêutica, com a biotecnologia em primeiro lugar e, em seguida, os laboratórios e linhas de produção. Esta é uma prioridade que foi assumida olhando longe, porque a à primeira vista não há lucros de curto prazo como no turismo. Neste último, você investe em um hotel e no ano que vem ele está rendendo. Já o investimento em biotecnologia se faz pensando no futuro.

Hoje este setor já se tornou o segundo maior exportador de bens do país, depois do níquel, na frente do tabaco, do açúcar e outros produtos tradicionais. Isso quanto à exportação de bens, porque em termos de receita, em geral a biotecnbologia está na frente do turismo e dos serviços profissionais.

Cubahora: Fidel há vários anos previu que a nossa economia seria uma economia de serviços. Dentro dos acordos da Alba, o papel de Cuba é a prestação de serviços, recebendo bens em troca?

Terrero: Faz tempo que Cuba é uma economia de serviços. O turismo, por exemplo, é um setor de serviços, e é o primeiro lugar na economia cubana. Isto dá uma idéia da mudança radical que vem acontecendo na economia do país desde 1989, quando 70% da receita vinha da indústria açucareira e da agricultura.

Hoje o que se investiu em turismo seguiu adiante, pois temos também os serviços de elevado valor agregado, não só na medicina, mas muitos outros, que trazem divisas para o país. Embora a economia cubana seja de serviços, isto não significa fechar-se só nessa via. Cuba trabalha para desenvolver outros produtos, da indústria e da agricultura. Quando dizemos que um determinado país tem uma determinada economia, não ee porque este seja o único setor que se explora.

Cubahora: As missões internacionalistas, de saúde, por exemplo, se colocam como outro pilar econômico. Você acha que o futuro da economia cubana poderia estar na chamada ''economia do conhecimento''?

Terrero: Esse nome foi dado sobretudo às economias europeias, aos Estados Unidos e ao Japão, que apostaram no domínio do que eles chamam o know-how de tecnologia, o conhecimento, as patentes, toda a propriedade intelectual.

Eles instalaram a indústria no Terceiro Mundo, onde a mão-de-obra é mais barata. No entanto,  o Primeiro Mundo cria, gere e explora a tecnologia. A chave do poder econômico é dominar o conhecimento. É isso que dá lucro.

Cuba está no caminho para ser uma economia do conhecimento. Economistas têm pensadoo e teorizado sobre este tema, devido às características de uma sociedade que se dedicou, desde a Revolução, à alfabetização, formação de técnicos, engenheiros, gente qualificada em vários campos. Temos um enorme capital humano que nos permite exportar serviços em qualquer campo. Daí a tese de que devemos caminhar nessa direção.

Cubahora: Levando em conta as características da economia cubana, em que medida se reduz o impacto da crise econômica mundial  sobre a ilha?

Terrero: Que pode ajudar a minimizar ou mitigar os efeitos da crise é a forma ou a estrutura de uma economia centralizada, o fato de ser uma economia de propriedade estatal, onde o Estado pode manobrar e usar com inteligência os recursos que em outros lugares estão dispersos.

Na Europa e os EUA o governo agora está intervindo na economia, criando bancos estatais, ouseja, buscando soluções que envolvem uma participação direta do governo. O fato de que Cuba tem uma estrutura econômica diferente permite utilizar de forma mais precisa os recursos que são limitados.

Isto é muito importante em uma situação que ninguém sabe para onde está indo. Embora eu acredite, sim, que essas economias sairão da crise. Não acho que este seja o fim do capitalismo. Talvez eles tenham de reestruturar ou mudar as regras do jogo, não mais.

Cubahora: Por último, quais são na sua opinião os principais desafios da economia cubana?

Terrero: Simplesmente, produzir o que se necessita,  e produzir com eficiência.