Casal tranforma abandono em esperança no interior do Brasil.

O casal Eduardo e Heloísa Manzano chegou a Porto Nacional no final da década de 60, desde então nunca parou de trabalhar pela comunidade. Trouxeram a medicina moderna para um rinção de terra esquecido no meio do Brasil. A militância política foi esquecida

Casal transforma abandono em esperança no interior do Tocantins

Os médicos Eduardo e Heloísa saíram de São Paulo há 40 anos para mudar a vida dos moradores de Porto Nacional.




Reportagem Neide Duarte e Wilson Araújo


Era uma terra de flagelos, um Brasil escondido no mapa onde havia fome, abandono, doença. A população desconhecia remédio. Tratamento? Só a 300 quilômetros de distância. Mas essa rotina mudou, com o casal Eduardo e Heloísa. Dois médicos paulistanos que trouxeram esperança para uma pequena vila no interior do Tocantins. 


O grande Rio Tocantins atravessa o estado de Goiá para desaguar na foz do Rio Amazonas, lá em cima perto da ilha do Marajó. Toda essa grandeza, essa dimensão amazônica, passa às margens de uma cidade que ocupa pouco espaço no mapa: Porto Nacional.



“Essa região é de comércio, é região mais antiga, é da vida comercial da cidade, os fazendeiros e coronéis moravam nessa praça. Ela foi Porto Real, depois foi Porto Imperial e agora Porto Nacional”, explica o médico Eduardo Manzano.


Apesar da intimidade com a história local, quem nos mostra Porto Nacional não é daqui. Eduardo e Heloísa são médicos paulistanos, formados pela USP nos anos 1960. Resolveram sair de São Paulo para trabalhar em um lugar onde a presença deles fosse essência.


“A gente tinha também aquela ideia de que um país que tinha tanto analfabeto, você ter um curso superior em uma escola como a nossa, a USP, criava uma responsabilidade que deveria retribuir a comunidade à a comunidade”, lembra o médico.


Eduardo e Heloísa se mudaram para cá quatro anos depois do casamento. Um jovem casal de médicos recém-formados. Era 1968, a televisão existia há 17 anos no Brasil, mas em Porto Nacional ainda não tinha chegado. Telefone também não, comunicação só pelo telégrafo. O que não faltava na região eram as doenças.


“Quando tinha um caso gravíssimo, nós chamávamos o Salve Aéreo da FAB. Eles mandavam o avião para salvar o paciente. Vinha no mesmo dia para Goiânia, Brasília”, lembra a médica Heloísa Manzano.


Logo eles perceberam que não era só da medicina que aquelas pessoas precisavam, mas também da educação.


“A gente via que muitos problemas como verminose, a desnutrição eram coisas que facilmente você poderia combater. Logo no início fizemos uma campanha de combate a verminose, fizemos uma campanha educativa com a cidade toda”, diz a médica Helóisa. E 40 anos depois…


“Estamos inaugurando um prédio bonito para dar continuidade ao trabalho. O que nós procuramos com esse trabalho é justamente criar uma sociedade justa e igualitária que não permita que existam famílias que tenham filhos desnutridos”, aponta Eduardo.


O novo prédio será a sede do centro que acolhe crianças desnutridas. O projeto existe há mais de 30 anos. As crianças passam o dia, recebem alimentação adequada até atingir o peso ideal. E as mães têm que participar.


“Todo dia tem três mães. É um critério que a gente obriga que a mãe participe uma vez por semana. Aí ela fica na cozinha, fica na limpeza e no cuidado com as crianças”, explica Heloísa.


Eduardo e Heloísa são referências de ação comunitária na cidade, criaram a ONG Comsaúde, e mantêm vários projetos: um ambulatório, com serviço de referência para hanseníase, um hospital de câncer, uma escola agrícola, o centro de recuperação nutricional e projetos de resgate de cultura popular.


Tudo com a ajuda de parceiros do mundo inteiro: Itália, Alemanha, Noruega. Um centro de artes e artesanatos foi construído com recursos de uma única família da Noruega. É a sede do grupo Tambores do Tocantins.


Quando Márcio chega e começa a tocar o timbau é o toque para chamar os meninos e as meninas que participam do projeto e moram na vizinhança.


“Hoje a gente atende em torno de 430 crianças e jovens entre 7 e 24 anos. Com isso a gente vai construindo o pensamento dele em relação a esse universo rítmico, a questão da cultura popular, da história, da preservação”, calcula o líder do Tambores de Tocantins Márcio Belo dos Santos.


Para fazer parte dos Tambores do Tocantins é preciso ter pelo menos 7 anos. Mas Gustavo insistiu tanto, que aos 4 anos já toca o repinique. O som dos tambores atrai também uma outra vizinha do Centro, a Neusa. Ela gosta de ficar no meio do som e marchar no ritmo da música, como uma menina de escola. Neusa nasceu 40 anos atrás, mas não é essa a idade que ela sente que tem.


E assim, onde todos podem ser incluídos, existe, naturalmente, o lugar da esperança. Muita coisa mudou nos últimos 40 anos desde que Eduardo e Heloísa chegaram aqui. Depois de quatro hidrelétricas o Rio Tocantins não é mais o mesmo. O projeto que eles tinham nas mãos tomou corpo e vida própria.


O casal de médicos continua a caminhar na beira do Rio Tocantins, em Porto Nacional, lugar que escolheu para amar, criar filhos e netos e dedicar a vida para cuidar da saúde e da educação de uma cidade inteira.


 


fonte:www.globo.com.br/bomdiabrasil