Abertura dos arquivos da ditadura de 64 no foco dos debates da Bienal da UNE

No ano em que se completam os 30 anos do Congresso de re-estruturação da União Nacional da Juventude – UNE, sediado aqui mesmo em Salvador, e que marcou o retorno da entidade à legalidade, também se festejam os 30 anos da declaração da Lei de Anistia, que

A Lei, entretanto, excluía os enquadrados em “crimes de sangue” – por isso leia-se aqueles que participaram do enfrentamento contra o regime militar em ações armadas, assaltos, ações terroristas e atentado pessoal. “Mas, se tortura não é atentando pessoal, então o que mais seria?”, questionou o ministro Paulo Vannuchi, da Secretaria Especial dos Direitos Humanos – SEDH, e que compôs a mesa de debates sobre Leis de Anistia no Brasil e América Latina: a questão da tortura e a abertura dos arquivos das ditaduras, ao lado de Abraão e da presidente da UNE, Lúcia Stumpf. “Pelo direito à memória e à verdade, exigimos a imediata abertura dos arquivos da ditadura militar e a reparação aos que tombaram na luta pela redemocratização do Brasil”, proferiu Lúcia em seu discurso de abertura. “A tortura é crime de lesa humanidade e, portanto, imprescritível”, arrematou.


 


Defensor da rediscussão da Lei da Anistia, Paulo Vannuchi endossa as palavras de protesto da presidente da UNE ao afirmar que não existe lei alguma indicando que a tortura está prescrita. “Cabe ao judiciário analisar essa questão”, declarou. À frente da SEDH, o ministro lançou, em 2007, o documento “Direito à Memória e à Verdade”, elaborado pela Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos. “O Brasil não pode vestir qualquer camiseta de ‘República das Bananas’. Somos uma nação emergente, dona da 10ª maior economia do mundo, reivindicando por assento permanente no Conselho de Segurança da ONU e um dos únicos países que teve a coragem de peitar Bush e não acatar o pedido de declaração de guerra ao Iraque. Portanto, tampouco podemos aceitar esse discurso de que estamos querendo apenas reviver o passado”, opinou.


 


Os exemplos do Chile e Argentina foram citados pelo “acerto de contas” com as forças golpistas do passado. Nos dois países, os governos declararam pedido de perdão oficial às famílias das vítimas. Aqui no Brasil, no entanto, a questão ainda é tabu e alvo de polêmicas. “O governo tem que permitir que se ingressem com ações de punição; assim como o Judiciário deve repelir a prática da tortura de uma vez por todas. Mas só o fato de estarmos recolocando esse debate em pauta, já é uma conquista muito grande, porque, durante muito tempo, esse era um tema proibido”, opinou Paulo Abraão.


 


Reconhecimento e reparação


Ao fim das discussões, o consenso foi de que urge a necessidade de políticas públicas em favor da democracia e da valorização dos direitos humanos. Encarar as atrocidades dos anos de chumbo do regime ditatorial instaurado no país em 1964 seria o primeiro passo na busca pela consolidação do Brasil enquanto nação justa e soberana. “Quando se pede pela abertura dos arquivos da ditadura militar e se exige a punição aos torturadores, não é só uma questão de justiça aos familiares das vítimas; é preciso ter clareza de que, um dia, a história faz o acerto de contas”, defendeu Abraão.


 


Vannuchi anunciou que, em fevereiro, o governo deve lançar um arquivo de memória revelada, somado a um edital estipulando prazo para a apresentação dos arquivos que ainda não integram o acervo da União; além do lançamento de uma campanha publicitária, em horário nobre, com depoimentos de mães e parentes das vítimas da ditadura e que sequer tiveram preservado o direito de enterrar os corpos dos mortos dados oficialmente como desaparecidos. “Tivesse a elite política brasileira o cuidado de debater, e não esconder, a mácula da escravidão, hoje a lei de cotas para afro-descendentes nas universidades não enfrentaria tanta resistência. Tivesse essa mesma elite assegurado uma profunda discussão sobre o genocídio indígena, o re-empossamento da reserva Raposa do Sol não teria sido alvo de tantos protestos. Não podemos, portanto, repetir os equívocos do passado e pôr uma pedra sobre os crimes de tortura cometidos pelos militares do estado nos anos da Ditadura”, declarou o ministro.


 


“A União Nacional dos Estudantes fez a sua parte ao conseguir o reconhecimento unânime de que a destruição da nossa sede da Praia do Flamengo, em 64, foi de responsabilidade do Estado brasileiro”, destacou Lúcia Stumpf. A entidade, inclusive, vai ingressar ação declaratória de responsabilidade na Justiça, junto à família de Honestino Guimarães, um dos homenageados nesta 6ª edição da Bienal. Último presidente eleito da UNE antes do golpe militar, Guimarães foi mais uma vítima da ditadura e, dado oficialmente como “desaparecido”, até hoje o seu corpo não pôde ser velado.


 


De Salvador,


Camila Jasmin