Sem categoria

Para Belluzzo, BC não deveria agir como governo paralelo

Para o economista Luiz Gonzaga Belluzzo, professor do Instituto de Economia da Unicamp, a recusa do Banco Central em baixar os juros é a ''reafirmação algo infantilizada de um princípio de independência que não hesita em colocar suas supostas prerrogativa

Em entrevista à Agência Carta Maior, Belluzzo lembra, após vasculhar a literatura italiana – a que consagra os “mandamentos universais” de um Banco Central independente – de sete dogmas que permitem a transmutação de um pedaço do Estado em força autonomista, dissociada da história e da democracia. O professor lê rapidamente o resultado de sua pesquisa. Um conjunto de prescrições que asseguram ao presidente de um BC e demais diretores, bem como às suas decisões, a vaporosa condição metafísica de entes não subordinados a nenhum tipo de escrutínio ou condicionalidade, exceto aqueles ditados pelos interesses do mercado financeiro.



“Resolvi fazer um adendo à literatura especializada”, ironiza Belluzzo que se permitiu resumir essas salvaguardas numa única norma: “Sugiro o seguinte”, diz ele, “artigo único: – O presidente do Banco Central é indicado pelos seus pares do mercado; cabe-lhe em seguida indicar o Presidente da República. Ponto. Revogam-se disposições em contrário”.



O recurso à ironia é sério. Reforça a preocupação do economista com a necessidade – urgência, seria melhor dizer – de se dotar o país de um comando coeso para coordenar ações de profundidade e abrangência requeridas para o enfrentamento da crise. “Em nenhum lugar do mundo o mercado financeiro tem o peso e a sacralidade que vemos no Brasil”, explica o presidente do Centro Celso Furtado. “Tudo bem”, ressalva, “nos EUA o mercado financeiro é o Estado, ou quase isso”, cutuca e pondera em seguida: “Porém, mesmo lá veja se o Bernanke (presidente do FED, BC dos EUA) não conversa com o Paulson (secretário do Tesouro, algo como ministro da Fazenda); verifique se não tomam decisões combinadas, coordenadas e coesas. Claro que tomam; aliás é o que têm feito todo dia nesta crise. ''Aqui, ao contrário'', fulmina o professor da Unicamp, ''a sociedade e, pior, os membros do governo, inclusive o Presidente da República, não podem sequer se manifestar sobre o comportamento dos juros. Quando mencionam o assunto devem fazê-lo em voz baixa, por metáforas. Ou cochichando. Caso contrário há xiliques; demissionários se oferecem ao mercado como heróis da causa autonomista; a imprensa, colunistas e demais círculos interessados, magnificam a importância desses gestos e protagonistas insuflando uma crise que contamina todo o mercado.”



O economista – que já teria sido convidado pelo Presidente da República para a direção do BC – afirma que mexer na instituição nesse momento seria um risco não recomendável. Mas admite que os “autonomistas” valem-se desse quase poder de chantagem para acuar a política econômica. Isso num momento em que a coordenação e rapidez das respostas de governo fazem a diferença entre a recessão ou a travessia controlada da crise.



“Os juros na ponta estão subindo fortemente nos últimos três meses; as condições de crédito pioraram; a virada da economia de um curso de crescimento vigoroso para seu oposto está sendo muito dura. Esse movimento brusco envolve desdobramentos sérios, perigosos e crescentes. Como pode um BC ficar indiferente a isso?”, questiona o professor da Unicamp. Belluzo defende que o BC deveria ter uma ação enérgica para prover o crédito e impedir a “virada” brusca sentida por vários setores empresariais. “Eles deveriam se espelhar no que vem fazendo o FED. ''Nos EUA'', exemplifica, ''o BC entrou inclusive no mercado de commercial papers (fazendo algo como descontos de duplicatas para empresas, de modo a evitar maior contração dos negócios)''.



Ampliar a presença do Estado no mercado de crédito, através dos bancos públicos, é o último recurso, a seu ver, para impedir que a economia brasileira perca drasticamente sua dinâmica . “Os bancos públicos deveriam contrastar o setor financeiro privado; puxá-lo de volta ao financiamento a taxas factíveis; esse é o caminho''. ''Mas'', ele se pergunta, ''como reduzir o crédito público de forma substantiva se o BC não corta a taxa básica nem mesmo em 0,25 ponto?”. Belluzzo não deixa transparecer pessimismo. “Creio que estou sendo realistas; converso muito e o que me dizem, nos setores mais diversos, é que as dificuldades para produzir e empregar se avolumam”, adverte, para concluir em tom sereno mas contundente: “o BC não pode viver num a esfera apartada da Nação. O Banco Central é um banco; deveria agir como tal, desdobrando-se em esforços para prover a economia de crédito a custos compatíveis; e não se portar como um governo paralelo”.