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Janio de Freitas: Na linha do Equador

“De costas para os vizinhos da América do Sul” por todo o século 20, como o Brasil disse de si mesmo, ao mudar afinal de posição não mudou a maneira de não os ver. As reações havidas no Congresso e a maioria das expostas na imprensa&congêneres, no

A norma das reações nos dois primeiros casos, na imprensa como no Congresso, foi a cobrança de “resposta enérgica do Brasil”. Tal como no caso boliviano, dizem agora comentaristas (profissionais e convidados) e parlamentares, todos bem simbolizados por Antonio Carlos Pannunzio: “Chamar o embaixador no Equador não é nada. O governo tem que reagir com energia”.



Que energia? Energia para quê? Um boicote econômico, talvez, à maneira de outro praticado há 40 anos no Caribe? Quem sabe, uma invasãozinha, sucedânea da Baía dos Porcos com pára-quedistas, por falta de fronteira com o Equador? Afinal de contas, reações com energia partem necessariamente da idéia de força, tamanho, recursos superiores, que, no caso, fazem o Brasil figurar-se para os três vizinhos como os Estados Unidos para as tantas vítimas da sua superioridade impositiva.



O governo equatoriano de Rafael Correa cometeu a impropriedade diplomática de não informar o governo brasileiro, com a antecedência protocolar, sobre o envio a uma corte internacional de sua contestação à dívida com o BNDES, decorrente de obra da brasileira Odebrecht com problemas diversos, inclusive das habituais “correções de preço”. O erro pode ter sido de protocolo, versão oficial de formalidades de elegância pessoal, e não de falta a um dever obrigatório. Mas, acima de tudo, na dificuldade de negociação direta, já que o governo brasileiro começou por insinuar-se a favor da empreiteira, pode haver melhor procedimento do que entregar a discordância a julgamento neutro e autorizado, como a Corte Internacional de Comércio, em Paris?



O problema equatoriano conduz ao mais recente entrevero. O Exército e o governo brasileiro negam a entrada de dois tanques, caminhões e soldados em território do Paraguai, na terça-feira. Respondem ao protesto, que tomou o fato como provocação por problemas com brasiguaios, com a explicação de que eram manobras para treinar combate ao narcotráfico. Se a entrada fosse de apenas um metro, ou nem mesmo houvesse, o Exército e o Itamaraty cumpriram a obrigação de informar o governo paraguaio de manobras militares em sua fronteira, como é devido? Não.



Não o fez em nenhuma das manobras que se têm repetido na região. Nem é necessário confrontar a presença de tanques e a explicação de narcotráfico para fazer duas constatações: não é só o Equador que omite informação com antecedência e, na omissão mais recente, não se trata de divergência comercial, mas de consideração à soberania de um país vizinho. De que governo é a falta mais grave?



A explicação para os seguidos atritos brasileiros com vizinhos, em tão pouco tempo, dada por professor de história muito televisivo, é a de que novos segmentos sociais chegaram ao poder e não estão habilitados às normas internacionais. Com formulação menos agressiva, é a mesma conceituação presunçosa e cega. De “potência” para a periferia. Que pena, não nos chamamos mais República dos Estados Unidos do Brasil.



Os “novos segmentos” só chegaram ao poder como representação da reprimida vontade de mudança e, pelo que se vê, mostram-se leais ao seu compromisso (experiência que o eleitor brasileiro desconhece). Não são eles que têm de compreender o Brasil, nem estão interessados em fazê-lo. Estão ocupados em descobrir o que lhes restou, nos modos de recuperá-lo e dar-lhe o sentido que nunca teve. Só podem tentar fazê-lo na medida das circunstâncias de cada um. E no pleno e soberano direito de fazê-lo. É o Brasil que deve e precisa compreendê-los – apesar da nossa dificuldade intelectual e ética para isso.



* Artigo originalmente publicado na Folha de S.Paulo (25/11)