Campanha busca solidariedade ao Hospital São José

Por Ana Mary C. Cavalcante



Uma campanha de doações, idealizada pelo Hospital São José, toca em velhas feridas provocadas pela aids

A reforma indica: a aids vai tomando espaços. O Hospital São José (HSJ), referência no tratamento de doenças infecto-contagiosas, começou reservando 32 leitos, nas unidades D e E, para pacientes soropositivos. Cerca de 20 anos de aids depois, as unidades A, B e C do hospital também acomodam pacientes com HIV – eram 50, na última sexta-feira. E um anexo deve ampliar, em outros 32 leitos, esses internamentos. Nos livros de registro e nas fichas acumuladas mês a mês, no HSJ, os traços vermelhos indicam 93 mortes, de janeiro até o último dia 16, provocadas pela doença. Os números assustam. E há um espanto maior por trás deles: “A aids está pauperizada e as pessoas têm limitações. Elas morrem porque não têm suporte nutricional para suportar os medicamentos retrovirais. Não têm, simplesmente, comida”, identifica a ativista Mirtes Brígido, do Fórum de ONG/Aids do Ceará.


 


Precisa-se do feijão-com-arroz. De leite. Da passagem do ônibus. De um hidratante. De mais informação. De menos preconceito. As necessidades dos pacientes soropositivos são básicas. De cada dia. “Eles não têm roupa para vestir a vida lá fora… Falta o Ministério da Saúde contemplar as subjetividades e as regionalidades”, abarca Mirtes. Por isso, o serviço social do HSJ idealizou uma campanha de doações que toca em velhas feridas provocadas pela Aids. “É uma doença que exige qualidade de vida. Mas como você tem essa qualidade se não tem salário, moradia digna?”, inquieta-se Sílvia Tavares, assistente social. Precisa-se do feijão-com-arroz. De leite. Da passagem de ônibus. De um hidratante. De uma camisa, uma calça, uma cueca. “Principalmente, roupas masculinas. Eles não têm como voltar para casa porque não têm roupa para vestir”, relata Emanuela Maria Mendes Janô, chefe do serviço social do HSJ.


 


É que chegam só com a roupa do corpo, sem nem saber que vinham. Como Aureci, 43, chegou, no dia do aniversário. Desde que descobriu que era portador do HIV, perdeu o gosto pela roupa nova. “Faz tempo que não compro uma. Não tenho condições. Não compro como gostava de comprar: roupa de marca. Hoje, é na ´loja de cócoras´, no Beco da Poeira!”. Pois, naquele 14 de janeiro, deu sorte. Jogou “uma milharzinha”, ganhou R$ 190 e comprou uma calça, especialmente, para “tirar uma folha criminal porque tava concorrendo a uma vaga de emprego”. No caminho até o fórum, segue Aureci, “passei num barzinho, tava aquela música apaixonada. Tomei umas. Aí, peguei uma diarréia violenta e a roupa sofreu um acidente de percurso…”.


 


De modo que ele passou a noite dos 43 anos internado no HSJ. “Era meu aniversário e eu tava sem roupa pra ir pra casa. Pedi à assistente social e ela me deu: uma calça e uma camisa”. Foi como se tivesse ganho a bicicleta da infância. “Foi uma roupa combinada: uma calça social e uma camisa. Deu bem certinho! Gostei, sim, eu tava precisando. Ainda fizeram meu aniversário: um bolo, os parabéns. E eu gostei desse dia!”, ri-se.


 


Aureci, técnico em refrigeração desempregado, vive de um conserto aqui, um reparo acolá. São R$ 200, R$ 300, R$ 50 incertos. “Trabalho uma semana, na outra, adoeço”. Depende de R$ 100 para vir de Hidrolândia a Fortaleza, toda consulta, porque o pai brigou com o prefeito e nunca há vaga para ele vir na ambulância do município. Diz que, apesar dos 40 comprimidos e outros coquetéis já prescritos, come de tudo. O que tem. “No Interior, a gente come o que tá disponível na panela”. Daí, emagreceu sete quilos nesses últimos 12 dias. Mas assegura que qualquer roupa lhe serve. Não se incomoda que seja usada, incomoda mais não ter “uma família, ninguém que venha deixar uma roupa pra gente”. Fosse o dia do aniversário outra vez, queria de presente a camisa do Fortaleza Esporte Clube. Ou mesmo a roupa de um domingo, quando planeja ir à missa, vencido o 11º internamento.


 



SERVIÇO


Hospital São José – rua Nestor Barbosa, 315, Parquelândia. As doações – de roupas (principalmente, masculinas), material de higiene, alimentos, vidros – podem ser remetidas ao serviço social, que permanece de plantão 24 horas. Informações: 3101 2336.