Tariq Ali: O padrinho mafioso presidirá o Paquistão

Asif Ali Zardari – que o destino fadara a ser apenas o marido de Benazir Bhutto, mas em seguida fez o que pôde para não voltar à obscuridade – em breve se tornará o novo presidente do Paquistão. Os parasitas aduladores, que nunca faltaram no país, orque

Não haverá manifestações de alegria nas ruas para assinalar a transferência de poder, de um general decadente para um político decadente. O afeto que alguns sentem pela família Bhutto é intransferível.

Se Benazir estivesse viva, Zardari não iria ter nenhum posto oficial. Ela cogitava dois políticos de primeiro escalão para a Presdência. Fosse Benazir mais inclinada à democracia, nunca teria tratado seu partido com tanto desdém, reduzindo-o ao status de um legado familiar, com o marido como tutor até que o filho tenha idade para herdar.

Isso, e apenas isso, fez Zardari chegar no topo. Mesmo quando Benazir era viva ele não era bemquisto por muitos dos mais próximos colaboradores dela dentro do Partido do Povo (ou ''a Família Bhutto'', como muitos filiados desgostosos dizem). Estes atribuíam à cobiça e ao comportamento mafioso de Zardari as duas ocasiões em que sua mulher perdeu o poder – algo que eu sempre considerei um tanto injusto. Ela sabia. Aquilo era uma empresa conjunta. Benazir nunca considerou a política como a única paixão de sua vida e sempre teve inveja do estilo de vida dos muito ricos. Esforçou-se escamcaradamente por imitá-los.

Zardari é hoje a segunda pessoa mais rica do paquistão. Tem propriedades e contas bancárias em vários continentes, inclusive uma mansão em Surrey (ao sul de Londres) que vale muitos milhões. Muitos dos íntimos de Benazir, agora são mantidos à distância pelo novo chefe e o odeiam. Zardari chafurdou no esterco para eleger sua irmã apolítica, por Larkana, até hoje um curral eleitoral da famíulia Bhutto. O tio de Benazir, Mumtaz Bhutto (o chefe do clã), denunciou-o acidamente. Alguns até dão ouvidos à grotesca idéia de que ele de alguma forma foi o responsável pela morte dela. Isso é tolice. Ele está apenas tentando executar o legado da esposa.

Mas é certo que Zardari foi acusado de ordenar a morte de seu cunhado, Murtaza Bhutto, quando Benazir era primeira ministra, embora o caso nunca tenha ido a julgamento. Caracteristicamente, um dos primeiros atos de Zardari deois da vitória de seu partido, em fevereiro, foi indicar Shoaib Suddle, o principal policial a investigar a morte de  Murtaza Bhutto, como chefão da Agência federal de Inteligência. Ele sempre recompensa as lealdades.

No país como um todo a reputação dele, sempre modesta, apequenou-se. A maioria dos 190 milhões de habitantes do Paquistão pode ser pobre, iletrada ou semiletrada, mas seus instintos normalmente funcionam.

Uma pesquisa de opinião feita pela New America Foundation alguns meses atrás revelou índices de aprovação vergonhosos para Zardari – menos de 14%. Esta cifra confirma a opinião de que ele é o maior golpe no já precário orgilho nacional paquistanês.

O povo não terá vez nessa eleição. Cabalas parlamentares ká determinaram o resultado. Eu não levei muito a sério uma recente revelação de que um psiquiatra diagnosticara Zardari como sofrendo demência aguda, incapaz de reconhecer os filhos devido a uma crônica perda de memória. É fato sabido que esse parecer psiquiátrico estava pronto de antemão, para a corte de justiça, no caso de  ele ser submetido a um processo, em Londres ou Genebra, por lavagem de dinheiro ou corrupção. Tudo isso ficou em suspenso agora, com sua conversão em figura-chave da ''guerra ao terror''.

Um pequeno mist´rio permanece: Por que de repente os EUA resolveram retirar seu apoio ao gneral Musharraf? Helene Cooper e Mark Mazzetti deram uma resposta dia 26 de agosto, no New York Times. Disseram que o departamento de Estado não concordava com uma saída tão indigna e apressada, mas, contra esta opinião, uma facção neoconservadora encabeçada por Zalmay Khalilzad, o embaixador dos EUA no Conselho de Segurançam], aconselhava secretamete Asif Zardari, ajudando-o na campanha para descartar o general.

''Durante o último mês o senhor Khalilzad tinha falado por telefone várias vezes por semana com o senhor Zardari, líder do Partido do Povo do Paquistão, até que foi repreendido por tais contatos não autorizados; um funcionário de alto escalão dos EUA interpelou-o: ''Posso perguntar que tipo de 'assessoria' você está proporcionando?'' E Boucher escreveu um indignado e-mail a Khalilzad: ''Que tipo de canal é esse? Governamental, privado, pessoal?'' Cópias da mensagem foram enviadas ao restante do pessoal nos níveis mais elevados do Departamento de Estado. A mensagem foi entregue ao New York Times por um funcionário que recebera uma cópia.

Khalilzad é um divisionista inveterado e um mestre da intriga. Tendo colocado Hamid Karzai  em Cabul (com resultados nefastos, como muitos em Washington já admitem), estava furioso com Musharraf fois este se recusava a dar cem por cento de apoio ao afegão. Khalilzad viu uma oportunidade de castigar Musharraf e ao mesmo tempo tentar criar um equivalente paquistanês de Karzai.  Zadari preenchia os requisitos. É perfeitamente capaz de se converter em uma criatura de Washington.

O overno suíço decidiu, muito oportunamente, liberar milhões de dólares das contas bancárias de Zardari, que até então estavam congeladas devido a casos pendentes de corrupção. Como sua esposa, Zardari estava agora sendo lavado, tal e qual o dinheiro que fez enquanto esteve no governo como ministro do Investimento. Essa debilidade fará dele um presidente do Paquistão maleável.

A maioria da população é profundamente hostil à presença dos EUA e da Otan no Afeganistão. Quase 80% é a favor de um acordo negociado e da retirada das tropas estrangeiras. Há três dias, um comando estadunidense entrou no Paquistão, ''procurando terroristas'' e 20 inocentes foram assassinados. Zardari estava sendo testado. Mas caso permita que as tropas dos EUA entrem na província fronteiriça em missões ''de busca e destruição'', sua carreira será curta, e de um ou outro modo os militares terminarão voltando. O Estado Maior não pode se dar ao luxo de ignorar o crescente mal-estar entre os recrutas mais jovens, forçados a matar sua própria gente.

O presidente do Paquistão foi concebido na Constituição de 1972 como uma figura ornamental. Os ditadores militares subverteram e alteraram a Constituição em proveito próprio. Voltará Zardari à Constituição de seu sogro (Ali Bhutto)? Ou conservará os poderes existentes?

O país necessita desesperadamente de um presidente capaz de exercer alguma autoridade moral e jogar um papel como consciência nacional. O desaparecido presidente do Supremo Tribunal, vemn obrigatoriamente à mente, assim como Imran Khan e I.A. Rehman (o presidente da Comissão de Direitos Humanos). Mas a elite governante e seus interessados patrocinadores em Washington sempre se mostraram cegos para as necessidades reais do Paquistão. Deviam ter mais cuidado. As chispas que saltam na fronteira com o Afeganistão podem provocar um incêncio difícil de dominar.

Fonte: CounterPunch: http://www.counterpunch.org