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Jeffrey D. Sachs: a guerra digital contra a pobreza

A divisão digital está começando a chegar ao fim. O fluxo de informação digital — através de telefones móveis, serviços de mensagem de texto e a internet — está chegando agora às massas do mundo, mesmo nos países mais pobres, trazendo consigo uma revol

A pobreza extrema é quase um sinônimo de isolamento extremo, especialmente o isolamento rural. Mas telefones móveis e internet sem fio põem fim ao isolamento e, portanto, comprovarão ser a mais transformadora tecnologia de desenvolvimento econômico do nosso tempo. 


 


A divisão digital está acabando, não através de uma eclosão de responsabilidade cívica, mas, principalmente, por meio de forças de mercado. A tecnologia de telefonia móvel é tão poderosa e custa tão pouco por unidade de transmissão de dados que comprovou ser possível vender acesso de telefonia móvel aos pobres. Há hoje mais de 3,3 bilhões de assinantes no mundo, praticamente uma para cada duas pessoas no planeta. 


 


Além disso, a penetração de mercado nos países pobres vem crescendo acentuadamente. A Índia tem cerca de 300 milhões de assinantes, com as assinaturas crescendo a um ritmo impressionante de oito milhões ou mais por mês. O Brasil atualmente tem mais de 130 milhões de assinantes e a Indonésia, aproximadamente 120 milhões. Na África, onde estão os países mais pobres do mundo, o mercado está em rota ascendente, com mais de 280 milhões de assinantes. 


 


Os telefones móveis hoje estão presentes em todas as partes, tanto nas aldeias como nas cidades. Se uma pessoa não tem um telefone celular, quase certamente conhece alguém que tenha. Uma maioria considerável dos africanos provavelmente tem ao menos acesso de emergência a um celular, seja o seu próprio, de um vizinho ou de um estabelecimento comercial. 


 


Mais extraordinária ainda é a “convergência” contínua da informação digital: sistemas sem fio conectam cada vez mais telefones móveis com a internet, com computadores pessoais e serviços de informação de todos os tipos. A gama de benefícios é impressionante.


 


Os pobres na zona rural em regiões cada vez mais extensas do mundo agora dispõem de acesso a sistemas bancários e de pagamento sem fio, como o famoso sistema M-PESA do Quênia, que permite transferências de dinheiro através do telefone. A informação mantida nessas novas redes de comunicação se estende pelos serviços de saúde pública, assistência médica, educação, bancos, comércio e lazer, além das comunicações entre famílias e amigos. 


 


A Índia, país que tem engenheiros de software na liderança mundial, empresas de tecnologia avançada e uma economia rural, vasta e densamente habitada, de cerca de 700 milhões de pessoas pobres necessitadas de conectividade de todos os tipos, naturalmente tem sido a pioneira do desenvolvimento econômico liderado pela tecnologia digital. O governo e os empresários têm se unido cada vez mais em parcerias público-privadas para oferecer serviços cruciais por meio da rede de comunicação digital. 


 


Nos estados indianos de Andhra Pradesh e Gujarat, por exemplo, serviços de emergência de ambulâncias estão agora ao alcance de dezenas de milhões de pessoas, apoiados por telefones celulares, sistemas de computador sofisticados e mais investimentos públicos em saúde rural. Vários sistemas de tele-medicina em larga escala provêem atendimento básico de saúde e até atendimento cardíaco às populações rurais.


 


Além disso, o novo programa de garantia de emprego rural da Índia, de apenas dois anos, não só emprega milhões dos mais pobres por meio de financiamento público, como também conduz dezenas de milhões deles ao sistema bancário formal, baseando-se nas redes digitais indianas. 


 


No lado puramente comercial, a revolução móvel está criando uma revolução logística na comercialização do setor agrícola para o varejista. Produtores rurais e varejistas do setor de alimentos podem se vincular diretamente por meio de telefones móveis e pólos de distribuição, permitindo que os agricultores vendam suas colheitas a preços mais altos, de “porteira da fazenda” e sem demora, enquanto os compradores podem transportar essa produção agrícola aos mercados com o mínimo de desperdício e a preços mais baixos para os consumidores finais. 


 


O fortalecimento da cadeia de valor não só eleva a renda dos agricultores, como também favorece a diversificação das lavouras e o aprimoramento agrícola de forma mais geral. Igualmente, firmas líderes mundiais em softwares estão trazendo empregos no setor de tecnologia da informação, inclusive terceirização de processos empresariais, direto aos povoados, por meio de redes de comunicação digital. 


 


A educação será igualmente transformada. Através do mundo, escolas em todos os níveis deverão se globalizar, unindo-se em redes de educação digital. Crianças nos EUA aprenderão sobre África, China e Índia não só através de livros e vídeos, mas também por meio de conexões diretas através de salas de aula em distintas partes do mundo. Os estudantes compartilharão idéias por meio de bate-papos ao vivo, currículos escolares comuns, projetos conjuntos e vídeos, fotos e textos enviados através da rede digital.


 


As universidades, da mesma forma, também terão aulas globais, com estudantes participando de palestras, grupos de discussão e equipes de pesquisa de mais de uma dezena de universidades, simultaneamente. No ano que passou, minha própria universidade — Universidade Columbia (Nova York) — se associou a universidades no Equador, Nigéria, Reino Unido, França, Malásia, Índia, Canadá, Cingapura e China numa “sala de aula global” que conectou simultaneamente centenas de estudantes em mais de uma dezena de universidades, num curso emocionante sobre desenvolvimento global sustentável. 


 


No meu livro, The End of Poverty (O fim da pobreza), eu escrevi que a extrema pobreza pode ser extinta até o ano 2025. Uma afirmação precipitada, talvez, considerando-se a violência global, a mudança climática e as ameaças ao abastecimento de alimentos, energia e água.


 


As tecnologias de informação digital, porém, se forem aplicadas de forma cooperativa e global, serão as nossas novas ferramentas mais importantes, pois permitirão que nos associemos globalmente em mercados, redes de comunicação social e em esforços cooperativos para solucionar nossos problemas comuns.


 


* Jeffrey D. Sachs é livre-docente de Economia e diretor do Instituto Terra na Universidade Columbia