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Brasil cede mas Rodada de Doha esgota prazo sem acordo

O prazo para se chegar a um acordo sobre a liberalização do comércio mundial, na Rodada de Doha, que se prolonga há sete anos, esgotou-se neste sábado (26), sem acordo. Os países que tentam um entendimento decidiram estender as negociações até a próxima

A cidade suíça de Genebra hospeda neste fim de semana uma febril seqüência de encontros e consultas visando salvar Doha de um fracasso, provocado principalmente pela resistência da União Européia e dos Estados Unidos em renunciar às medidas  protecionistas na área da agricultura. Os representantes do G20 reuniram-se no sábado, buscando sanar as divergências entre Brasil, de um lado, e Índia e Argentina, de outro.

Lula argumenta em nome dos pobres do Sul

Em Lisboa, em visita oficial, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva saiu em defesa da unidade do bloco dos países em desenvolvimento. ''O G20 não sairá rachado porque isso não faz parte da estratégia que montamos. Mas temos de respeitar as diferenças que existem entre os países'', disse Lula.

''O Brasil não quebrou nenhuma solidariedade. Nós participamos do G20, queremos que um acordo seja do interesse do G20, mas há de se convir que dentro do grupo temos assimetrias, temos disparidades enormes entre os países'', disse Lula. ''Os interesses dos países não são os mesmos, embora tenhamos de encontrar um denominador comum.''

Lula também defendeu a aceitação da proposta de Lamy. Argumentou que os países mais pobres da América Latina e da África serão os grandes perdedores caso não se chegue a acordo nenhum.

“Você terá os países mais pobres sem mercado para vender os seus produtos agrícolas e, o mais grave, num momento em que se vive uma crise de alimentos, com os países mais pobres sem incentivo para produzir alimentos. Isso é que é um grande problema”, disse o presidente em Lisboa.

O que dentra no pacote de Lamy

A fórmula proposta pelo secretário-geral da OMC inclui uma redução maior do teto dos subsídios agrícolas dos EUA, de US$ 15 bilhões para US$ 14,5 bilhões, e dos da UE, de US$ 37,7 bilhões para US$ 24 bilhões. Contém igualmente um dispositivo que permite a um país elevar a taxação de um produto caso as importações cresçam mais de 140%. Fixa também uma tarifa máxima de 25% para a importação de produtos industrializados pelos países emergentes.

A Índia reagiu contra a proposta porque acredita que ela deixará seus agricultores vulneráveis a uma invasão de produtos agrícolas de fora (60% da população indiana depende diretamente da agricultura camponesa). Já a Argentina, que mal se recuperou da quebradeira decorrente da política neoliberal do governo Carlos Menem, teme uma nova quebradeira industrial caso adote o teto de 25% para taxar as importações de manufaturados.

Para Amorim, ''não é um mau acordo''

A diplomacia brasileira admite que a oferta de Lamy não atende àquilo que o G-20 vem reivindicando, mas disse que  até o momento é ''o melhor que se pode ter pelo preço que se pode pagar”.

“É tudo o que a gente queria? Não é. É o ideal? Não é. Mas isso é uma negociação. Não estamos fazendo um mau acordo, na minha opinião”, disse o chanceler depois de se reunir com os demais líderes do G20 na sede da missão brasileira, em Genebra. ''Acho que demos um grande passo'', comemorou.

Amorim argumentou que os números de Lamy são melhores do que as propostas feitas antes. “Em subsídios internos, fomos capazes não só de definir um teto para o que pode ser concedido, mas também de definir tetos para alguns produtos específicos. Isso agora está incluído [no acordo] com números que são aceitáveis, com períodos de referências que são aceitáveis”, afirmou.

O chanceler reconheceu, no entanto, que há países com posições distintas. Sobretudo os que têm um perfil mais defensivo na área agrícola, como é o caso da Índia.

O ministro de Comércio indiano, Kamal Nath, saiu da reunião afirmando que o novo texto “não é o documento final” e, segundo ele, Argentina, África do Sul e Egito também têm suas ressalvas em relação aos números propostos. Já o representante de Nova Deli na OMC, Ujal Singh Bhatia, usou uma metáfora: ''Viemos com um monte de presentes e queremos que nos dêem em troca um monte de presentes. De outro modo, vamos embora com os presentes que trouxemos.''

''Ou vai ou racha''

Para aumentar a confusão, o comissário europeu de Comércio, Peter Mandelson, disse que a UE não aceita os termos de Lamy e vai apresentar uma contraproposta amanhã (27) . A secretária da França para Comércio Exterior, Anne-Marie Idrac, informou que o texto de Lamy, aceito pelo Brasil, foi recusado pela maioria da UE, especialmente França, Irlanda e Itália.

Os ministros da Agricultura dos 27 países integrantes da União Européia classificaram a proposta como “desequilibrada” entre os capítulos agrícola e industrial. Mas o ''desequilíbrio'' que apontam é oposto àquele que gera descontentamento nas nações da periferia.

Na sexta-feira, quando Lamy apresentou sua tentativa de conciliação, Celso Amorim chegou à sede da OMC dizendo que aquele seria o dia do “vai ou racha”. No sábado, ficou claro que nem ''foi'' e nem ''rachou'', por enquanto.

Os otimistas, como Lula, atribuem a tensão em Genebra às dores do parto do acordo, que envolve 153 países membros da OMC e interesses que se medem em trilhões de dólares. Já os pessimistas prevêem um colapso final das negociações que começaram há sete anos, na cidade de Doha (Catar) e estão em um beco sem saída pelo menos há cinco anos, desde a conferência de Cancún (México).

Da redação, com agências