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Pinguelli Rosa: Biocombustíveis, alimentos e desmatamento

Intensificou-se o debate internacional sobre os biocombustíveis, acusados de contribuírem ora para a alta de preços dos alimentos, ora para o desmatamento da Amazônia. Há grandes interesses em jogo, como em tudo que diz respeito à energia. Na reunião da

Na produção do álcool de milho queima-se óleo combustível, derivado do petróleo. Já o bagaço da cana é mais que suficiente para produzir calor para a destilação do álcool e gerar eletricidade para a usina, podendo ainda haver um excedente para a rede elétrica. Portanto, o álcool produzido no Brasil é mais eficiente em termos energéticos e ambientais.

A vantagem dos biocombustíveis, como o álcool, é que no crescimento do vegetal ele absorve da atmosfera o CO2 emitido na combustão do álcool nos carros. Do ponto de vista do aquecimento global devido às emissões de gases que agravam o efeito estufa – como o CO2 produzido na queima de carvão, derivados do petróleo e gás natural – o álcool de milho de pouco adianta como substituto da gasolina.

Para se ter uma idéia, a redução das emissões de CO2 é de apenas 20%. Já a cana dispõe de um excedente de biomassa sob a forma de bagaço que é utilizado na produção do álcool. A proporção é então invertida: a redução das emissões chega a 80%. E pode ser ainda maior, caso se passe a usar álcool com aditivo ou biodiesel nos tratores e caminhões usados na colheita.

Em segundo lugar, a disponibilidade de biomassa pode aumentar ao se evitar a queima das folhagens devido à utilização crescente da mecanização na colheita da cana, o que traz a vantagem de abolir o trabalho árduo dos bóias-frias e a desvantagem de reduzir empregos. O excedente de bagaço e as folhagens podem servir para gerar eletricidade para a rede substituindo gás natural e outros combustíveis, até carvão e diesel, que infelizmente vêm tomando o lugar da hidroeletricidade na expansão da geração elétrica.

Dois outros pontos favoráveis ao álcool de cana são o menor custo e o menor uso da terra, dado sua maior produtividade em litros por hectare, em relação ao álcool de milho. Finalmente, o milho para o álcool nos EUA acaba por competir com a produção de alimentos, devido à área plantada, aos subsídios e ao fato de o próprio milho ser um importante item utilizado na alimentação humana e de animais.

A cana, por sua vez, ocupa no Brasil somente 7 Mha (milhões de hectares), dos quais 3 Mha para o açúcar e 4 Mha para o álcool. Já a soja, em grande parte para exportação, ocupa 23 Mha. Segundo o IBGE, temos 152 Mha de área agricultável, da qual só utilizamos 62 milhões, e há 177 Mha de pastagens. Excluídos os 440 Mha de florestas nativas, dispõe-se de 90 Mha para expandir a agricultura sem desmatamento e sem considerar a conversão de pastagens degradadas.

O consumo de gasolina nos EUA é de 10 milhões de barris/dia. A expectativa é aumentar o percentual de álcool para 20%, algo como 140 bilhões de litros de álcool por ano considerando 1,3 litro de álcool para cada litro de gasolina. Poderá o Brasil suprir esse mercado? Como o Brasil produz 23 bilhões de barris por ano, teria de ocupar uma área 6 vezes maior, ou seja, 24 Mha, parte significativa da área agricultável não usada sem desmatar. Não levamos em conta o aumento de produtividade por hectare nem o aumento do consumo interno e outros mercados externos.

Apenas uma parte da área disponível é adequada ao plantio da cana e é econômica e socialmente viável para os biocombustíveis, como álcool e biodiesel, ambos em crescimento no mercado interno. Até o momento o biodiesel no Brasil vem sendo produzido a partir da soja, contrariamente à expectativa do governo. A soja para exportação tem impulsonado o desmatamento da Amazônia.

Portanto, a expansão do álcool para o mercado interno não apresenta problema no uso da terra, mas o atendimento do mercado externo potencial necessitaria de área significativa. Devemos levar em conta, ainda, a expansão de culturas para alimentos. Fica a questão: é conveniente para o Brasil se tornar um grande exportador de energia?

* Diretor da Coppe/UFRJ e secretário executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas; fonte: Jornal do Brasil