Evaldo Lima: A conquista do Siará Grande pelas patas do boi

Na Morada, Fortaleza


O nosso encontro semanal “Na morada, Fortaleza” de hoje  percorre os saberes e sabores da nossa  terra,  o Siará Grande.

 


Vale um passeio com gosto de  carne do sol, temperado com rapadura e paçoca que nos lembram das charqueadas  e da importância da pecuária para a história do Ceará colonial.


 


As patas do gado vacum desbravaram os sertões cearenses, dando origem as primeiras vilas.


 


A ocupação do Ceará colonial se deu através do avanço da pecuária conduzidos pelo aboio dos vaqueiros, os nossos cavaleiros de aura medieval cantados por Patativa, “eu nasci pra ser vaqueiro, sou mais feliz brasileiro. Eu num me entrego ao dinheiro, só ao olhar do meu amor…”


 


A Pecuária fez do Ceará um outro Nordeste, sem cana de açúcar ou pau-brasil. Enquanto outras regiões nordestinas foram ocupadas do litoral para o sertão, o nosso  povoamento ocorreu do sertão para o litoral, no final do século XVII, motivado pelo avanço das patas do boi que penetrou num espaço onde antes era ocupado pelos índios das nações Cariri, Canindé, e tantas mais .


 


Nos sertões da capitania do “Siará Grande”, expandiu-se a pecuária sob o regime da posse de terra das datas ou sesmarias: o boi foi a mercadoria que sustentou a economia colonial cearense. A capital, Fortaleza, não era o principal centro econômico da capitania. Aracati ( “pulmão da economia cearense”), Sobral ( a “princesa da zona norte”) e Icó foram as cidades mais importantes para o Ceará devido ao avanço da pecuária. 


 


Ainda hoje estas cidades carregam as marcas de um passado grandioso nos seus palácios e casarões coloniais dos barões do gado. Nestas cidades há a marca de um passado nos passos do presente.


 


O vaqueiro era o personagem central da cultura sertaneja do gado. O seu trabalho exigia coragem e liberdade. Um vaqueiro não podia ser um escravo porque como o gado era criado solto ele poderia facilmente fugir.


 


A coragem se manifestava quando ele se embrenhava na mata em busca de uma rês arredia. Na sua lide o vaqueiro é intuitivo, calculista, ousado. Carrega no rosto a marca da terra árida e a estranha beleza da flor do mandacuru. O vaqueiro parece ter sido arrancado do chão do sertão e nele se criou em contato com o boi.


 


A pecuária é tão importante para o nosso estado  que o historiador Capistrano de Abreu disse que se em Pernambuco houve uma civilização do açúcar , no Ceará  existiu uma “ civilização do couro”. O gado forjou todo um estilo de vida presente na indumentária do vaqueiro: algibeira, gibão, alpargatas. É comum ouvir no sertão que  o boi é um “bicho santo” ou nas palavras do cantador cearense Ednardo, “do boi só se perde o Berro”. Além de todos os instrumentos do vaqueiro, o boi fornece carne , queijo, leite, coalhada, nata,carne assada, cozida,  panelada. São os odores e sabores que povoam a cozinha, a mesa e a boca dos cearenses.


 


O gado criado no sertão era transportado para o litoral para ser vendido nos engenhos. A viagem ao longo das trilhas dos rios era cansativa e desgastante. Às vezes o gado perdia peso devido ás freqüentes secas. Chegava no destino  “só o couro e o osso” ou na fala do povo “só a gaiola”.


 


Para solucionar este problema surgiu a charqueada. A famosa charque ou jabá. Depois de abatido, as carnes do gado eram abertas em mantas, postas em salmoura e secas ao sol. A exportação da carne seca do Ceará foi consumida em várias regiões do Brasil.


 


Mas, meus camaradas, de tanto falar em carne do sol me bateu uma baita fome. Vou resolver este problema com um legítimo prato cearense: baião de dois, com paçoca e carne do sol. E para a sobremesa: doce de leite e rapadura.


 


Existe algo mais cearense do sertão do que isto?


 


 


 


Evaldo Lima é professor e colaborador do Vermelho/Ce