Mulher: profissão jornalista

Por Ana Rita Fonteles*


 


No início da década de 60, a participação das mulheres na imprensa brasileira, com raras exceções restringia-se ao espaço dos suplementos femininos. Modas e moldes, dicas de beleza e cuidados com o

Cinqüenta anos depois essa questão mostra-se anacrônica, pois o que se vê é uma crescente feminização da profissão em todo o País. Não há pesquisas recentes sobre a relação entre homens e mulheres nas redações brasileiras. Os últimos dados do Ministério do Trabalho são de 2003 e já apontavam um crescimento quando comparado aos dez anos anteriores. Os homens que, em 1993, eram 59,9% da mão-de-obra nacional diminuíram para 50,3% e as mulheres, que representavam 40,1%, aumentaram para 49,7%. É provável que essa relação equilibrada, nos últimos cinco anos, já tenha sido superada pelas mulheres em nível nacional.


 


Um levantamento feito pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Ceará (Sindjorce) nas redações de jornais, rádios e TVs, para esta reportagem, indica que no Ceará a relação ainda é equilibrada, em dados absolutos. Os jornalistas homens atuantes em redações são hoje 265 (51,9% do total) e as mulheres somam 245 (48%). Há ainda um predomínio masculino nas redações de jornais impressos, o que inclui os seus respectivos veículos on-line, onde eles somam 61,2% e as mulheres são 38,7% dos trabalhadores.


 


Apesar desse desnível, é crescente o número de mulheres que ocupam cargos de comando. No jornal O POVO, por exemplo, das 12 coordenações de núcleos e editorias, incluindo espaços importantes como núcleo de Negócios e Cotidiano, seis são lideradas por mulheres, sem contar as editorias adjuntas e a diretoria-executiva do jornal que também é ocupada por uma mulher.


 


Nem sempre foi assim, como nos conta a editora-executiva do Núcleo de Cotidiano, Tânia Alves, 46. Ela entrou no jornal aos 20 anos, quando existiam poucas mulheres na redação e apenas uma era chefe. Seu ingresso já teve ares de pioneirismo, pois foi trabalhar em Esportes, território ainda hoje predominantemente masculino. “Eu gostava e acompanhava os campeonatos”, afirma. De lá para cá, atuou em várias editorias como Política, Cultura, Economia, ora como repórter, ora como editora. Para ela, a experiência de ser deslocada para vários setores ao longo da carreira e a necessidade de aprender a lidar com assuntos e pautas diferenciadas lhe deram segurança para, hoje, comandar o maior núcleo do jornal, com 23 pessoas.


 


Ela acredita que ter mais mulheres, atualmente, em postos de chefia, foi processo de conquista. “É reflexo direto da entrada das mulheres no mercado de trabalho”. Tânia aponta ainda capacidades específicas adquiridas que ajudariam as mulheres a se sobressaírem nas tarefas de gerenciamento. “As mulheres são mais organizadas, mais pé no chão. Sabemos fazer mais coisas ao mesmo tempo”. Sobre o clichê que afirma serem as mulheres mais sensíveis e amorosas no trato com subordinados, ela contesta: “A maneira de lidar com a chefia depende muito de sua formação, de onde você veio. Pode haver homens muito mais fáceis de se trabalhar do que mulheres”, acredita.


 


Exigência no trato e no trabalho podem ainda soar estranhos para alguns quando vindos de uma mulher chefe. “No começo, diziam que eu vivia de TPM. Hoje tenho 53 anos. Não podem dizer mais nada. E eu continuo exigente”, graceja Fátima Abreu, diretora da FM Assembléia. Com a responsabilidade de ter implantado e de dirigir a primeira rádio FM legislativa do Brasil, a jornalista, que já atuou como chefe em outra emissora onde trabalhou por 18 anos, diz não ter dificuldade para comandar pessoas, sejam homens ou mulheres. Apaixonada por rádio, ela pega no batente às seis da manhã e não consegue se desligar da emissora nem quando está de folga. “Vejo pauta em tudo. Se o motorista arranca de uma vez, quando subo no ônibus, é pauta, se a gente briga em casa fico pensando que dá pauta. Às vezes, até um sonho… Pra falar a verdade, a vida é uma grande pauta”.


 


Trabalhadora mãe


Para a jornalista Fátima Abreu, não é mais novidade que as mulheres estejam maciçamente no mercado jornalístico ou em posições de comando. “O que não mudou mesmo foi a situação da trabalhadora que é mãe. As mães têm que brigar muito. As empresas ainda dão menos oportunidades para elas”. Fátima fala com a autoridade de quem criou três filhos entre fios e microfones, no estúdio, e de quem vê a história se repetindo dentro de casa. “No começo, entrava na rádio de madrugada. Tinha que acordar os meninos às três da manhã, embrulhava no cobertor e levava pro trabalho, porque não tinha com quem deixar. Era uma tortura. Hoje, minha filha (Érica Azevedo) que é jornalista e trabalha em jornal (O Povo) sofre do mesmo jeito com minha neta. É um sufoco”.


 


Foi para equacionar esse dilema que a jornalista, Gilda Barroso, 33, há 12 anos trabalhando em TV como repórter e editora, mudou de emprego e de vida. Acostumada com o cotidiano frenético de produção factual de notícias, ela deixou uma emissora convencional e edita desde setembro do ano passado o Viva Fortaleza, programa de cultura e variedades da TV O POVO. Trabalhando só um expediente, com pautas mais leves, ela conquistou mais tempo para ela e para o filho de 12 anos. “Passei a cuidar mais de mim, ir a médico, academia. Meu filho vai melhor na escola, se alimenta melhor. Já recusei trabalhos porque tinha de entrar às quatro da manhã. Nem escuto as propostas. Eu me levanto às seis, acordo meu filho, dou lanche pra ele, levo na escola. Desse ritual não abro mais mão. É sagrado”.


 


Gilda reduziu a carga horária, mas não o gosto pelo trabalho e por desafios. Essa é a segunda vez que ela reestrutura uma equipe jornalística, com problemas ou em formação, em pouco tempo, e exerce o cargo de chefia. “Hoje somos duas mulheres liderando vários marmanjos”, diz. Ela afirma que nunca pensou em ser chefe e que foi a experiência e não a feminilidade que lhe garantiu esse lugar. “Existem homens e mulheres sensatas em condições de administrar, com feeling. Já vi homens administrando muito bem e mulheres muito mal. O que é preciso é ter sensibilidade e facilidade de comunicação, nos dois casos”.


 


A editora de Economia do Diário do Nordeste, Regina Carvalho, salienta a necessidade de conciliar carreira e família, sem precisar abrir mão de nenhuma como se pensava no passado. “Produzir e ter uma profissão é uma necessidade de cada ser humano e é também uma forma de doação aos nossos filhos. Afinal, são poucos os que não precisam conciliar carreira, estudo, diante do aspecto financeiro. No trabalho, abrem-se também oportunidades de realização pessoal que complementam o indivíduo”.


 


Mudança na Universidade


Não é de hoje que a presença majoritária de mulheres em cursos de jornalismo é evidenciada. O fenômeno pode ser observado desde o início da década de 90, segundo o coordenador do curso de Comunicação Social da UFC, Ronaldo Salgado. Ele diz que, hoje, as mulheres somam 60% das matrículas no curso mais tradicional do Estado, fundado há 43 anos.


 


Professor de disciplinas voltadas para a prática jornalística, Ronaldo afirma que a mudança do perfil de gênero no curso trouxe ainda outras características para os profissionais formados pela Universidade Federal do Ceará. “A profissional mulher tem lidado de forma mais segura com o fazer jornalístico. Elas têm mais obstinação de crescerem profissionalmente, como uma forma de dar respostas mais pessoais aos desafios. Buscam mais leveza, mais diálogo e facilitar as informações até mesmo na utilização de elementos para o entendimento do público”.


 


Uma observação de Salgado reitera as informações obtidas pelo Sindjorce: o maior interesse das mulheres pela área de telejornalismo. De acordo com os dados obtidos pelo Sindicato, 63,5% dos jornalistas de redações televisivas são mulheres, contra 33,1% de homens. Para o professor, essa mudança começa na Universidade onde as disciplinas na área de audiovisual e telejornalismo são mais procuradas, o que também reflete a reestruturação e modernização dos estúdios e laboratórios do curso nos últimos anos. Ele atribui o interesse das alunas e afirmação profissional das mulheres nessa área a algumas características apreendidas por elas na vida extra-profissional. “As mulheres demonstram mais agilidade, lidam com as urgências de forma mais organizada”.


 


A jornalista Gilda Barroso, com 12 anos de experiência em TV, alerta para um elemento, não tão positivo, que acaba influenciando as opções deste gênero pressionado historicamente a cultivar a imagem. “Tenho muita experiência com estagiárias, principalmente das faculdades particulares, e o que percebo é que tem muita gente buscando fama. Nem 30% têm talento para TV. As pessoas se iludem muito com a profissão. Elas têm que entender que a vida em TV é de muito trabalho. Não vão virar celebridades”.


 


Direitos garantidos na luta sindical


Quando o assunto é direitos trabalhistas, hoje, as mulheres são contempladas com quatro cláusulas específicas para mães na Convenção Coletiva de Trabalho da categoria no Ceará, sendo que algumas delas já são extensivas aos pais. Trata-se de garantias como três meses de estabilidade a mais do que prevê a CLT para quem teve encerrado o período de licença-maternidade, abonos de faltas para casos de acompanhamento médico dos filhos, redução da jornada em uma hora para incentivar o aleitamento materno de crianças até 12 meses e auxílio-creche integral para crianças com até seis anos de idade.


 


As vantagens vão além do aspecto financeiro como explica a repórter do Diário, Ana Paola Vasconcelos, mãe de Pedro de 2 anos e de Álvaro, de 1 ano. “Com o nosso piso salarial, seria praticamente impossível manter nossos filhos numa escola de qualidade. Para mim, nos sete anos de vida profissional, foi o melhor ganho. Além disso, ter os meus dois filhos pequenos na creche me dá mais tranqüilidade para trabalhar. Sei que as mulheres do jornalismo, com força e organização, podem reivindicar outras melhorias para tentar ter uma vida mais normal ao lado da família”.


 


CLÁUSULAS ESPECÍFICAS NA CCT PARA JORNALISTAS MÃES


 


Cláusula Vigésima Quarta – da Estabilidade da Jornalista Mãe


 


Fica assegurada à empregada a estabilidade no emprego por 120 (cento e vinte) dias a partir do término da licença-maternidade, salvo no contrato de experiência.
Parágrafo Único – A estabilidade é extensiva à empregada que adotar criança com até 06 (seis) meses de idade a partir da data de oficialização da adoção.


 


Cláusula Vigésima Quinta – do Auxílio Creche


 


As empresas concederão auxílio creche ou celebrarão convênios com creches objetivando atender filhos naturais e adotivos dos jornalistas, desde o nascimento até 06 (seis) anos de idade, ou ressarcindo os valores das mensalidades pagas mediante recibo.


 


Cláusula Quadragésima Sétima – do Abono de Falta dos Pais


 


Será abonada a falta da mãe ou do pai jornalista no caso de necessidade de acompanhamento médico a filhos de até 12 (doze) anos de idade. No caso de os filhos serem deficientes ou inválidos, sem limite de idade, mediante comprovação efetuada através de declaração médica.


 


Cláusula Quadragésima Oitava – da Jornada de Trabalho da Mãe Lactante


 


Fica garantido à empregada que tiver filhos de até 12 (doze) meses o direito à redução de sua jornada diária de trabalho em 01 (uma) hora.


 


 



*Ana Rita Fonteles, Mestra em História Social pela UFC, doutoranda em História da Cultura pela UFSC e autora do livro Carmem da Silva – o feminismo na imprensa brasileira