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Gil anuncia sua depedida do Ministério da Cultura em 2008

O ministro da Cultura, Gilberto Gil, decidiu que deixará o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2008 para poder voltar a cantar. As declarações foram dadas em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo deste sábado (10). ''Preciso de tempo para

Depois de cinco anos como ministro da Cultura, Gilberto Gil decidiu deixar o cargo. Ele concluiu que o ministério e a carreira artística não são mais conciliáveis. Não porque a segunda prejudique a primeira, como insinuam seus críticos, mas o inverso. Gil abolirá a rotina de discursos e audiências da agenda ministerial, para curar um dano diagnosticado em sua voz.


 


''Até eu ter enfrentado isso, estar no ministério era uma questão aberta. Podia sair como podia ficar. Mas aí me defrontei com isso -a perda de qualidade vocal permanente, constante'', conta Gil.


 


Ele participa, na capital mineira, da ''Teia – Tudo de Todos'', um encontro de manifestações da cultura popular incentivadas, segundo define, por ''programas [do MinC] que vão além do jarro de flores clássico das elites, porque esse é um país feito de povo, com 70% de gente pobre, historicamente excluída, que precisa agora ter uma cara no mundo''.


 


Mas, ao descrever a decisão de deixar a pasta que assumiu em 2003 (com a condição expressa de que pudesse manter em paralelo sua atividade artística), Gil remonta às suas últimas férias no ministério.


 


Em turnê pela Europa no último mês de julho, o cantor Gilberto Gil conviveu com o temor do silêncio.


 


''Pela primeira vez em muitos anos, tive de fazer uma excursão sob pressão da perda vocal. Isso me afligiu muito. Tive de me desdobrar em disciplina. Aí fui ao médico, quando voltei'', afirma.


 


''Volta lenta''


 


Os exames demonstraram que, na corda vocal direita de Gil, onde um calo havia sido diagnosticado há dez anos, reincidiu um pólipo. O ministro o retirou numa cirurgia, há um mês, e está em tratamento desde então.


 


''A volta da qualidade vocal está sendo muito mais lenta do que foi há dez anos, por questões de anatomia. As cordas vocais já não são as mesmas. Estou com 65 anos. Elas estão mais relaxadas, seu fortalecimento e robustez é mais difícil'', descreve Gil.


 


Surgiu então a incompatibilidade entre a prescrição de ''dieta vocal'' e exercícios fonoaudiológicos, fundamentais para a recuperação, e o intenso uso que Gil faz de sua voz, em discursos, palestras, audiências e conversas ministeriais.


 


''Preciso de tempo agora para continuar fazendo o que mais gosto na vida, que é cantar'', afirma ele.


 


O ministro definiu que deixa o governo em 2008, mas não fixou uma data para sua saída. Ele já prevê reações à imprecisão de seu anúncio.


 


''Relativismo''


 


''Vão dizer: 'Ah, mas essa indefinição. Lá vem ele com os relativismos dele'. E antecipa sua réplica: 'Não é relativismo. É relatividade'.


 


Gil afirma que ainda não tratou com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre possíveis nomes que poderiam substituí-lo, mas está certo de que o futuro ministro da Cultura receberá a pasta com ''projetos encaminhados e uma visão contemporânea e abrangente de cultura, razoavelmente compreendida e bastante absorvida pelos setores da classe média, da elite dirigente, da elite econômica e do povo''.


 


Em outras palavras, o ministro considera que avançou no objetivo anunciado em seu discurso de posse de ''tirar o Ministério da Cultura da distância em que ele se encontra, hoje, do dia-a-dia dos brasileiros''.


 


Uma das principais metas de sua gestão, contudo, permanece por fazer -a reformulação da Lei Rouanet, de incentivos fiscais, que destinou cerca de R$ 2 bilhões à realização de projetos culturais, de 2002 a 2006.


 


Voluntarismo impositivo


 


Gil diz que a reforma da lei, prometida desde o primeiro mandato, está ''sendo feita parcialmente, aos pouquinhos, submetendo o desempenho da lei à discussão pública'' e não foi plenamente realizada porque é ''complexa''.


 


O ministro avalia que uma atuação mais incisiva da pasta nessa questão poderia desencadear uma crise semelhante à da Agência Nacional do Cinema e do Audiovisual (Ancinav) -''a grande discussão, a grande polêmica, o grande deflagrador de paixões e atitudes'' de sua gestão, ocorrida em 2004, quando o MinC tentou criar a Agência, submetendo ao Congresso um projeto de lei cujo impacto não havia sido previamente discutido e negociado com os setores atingidos.


 


Atitudes assim, diz Gil, podem ''parecer voluntarismo impositivo, verticalização, vontade própria do governo, e não da sociedade''. No caso da Ancinav, ''não era voluntarismo impositivo, mas ficou parecendo'', afirma o ministro, que faz sua autocrítica no episódio. ''Houve precipitação nossa, no sentido de acreditar que a nossa boa-fé seria compreendida. Uma coisa que aprendi: na política, boa-fé é artigo escasso.''


 


Atualmente, o MinC lida com uma investigação interna e em curso também na Polícia Federal para apurar fraude nos processos de aprovação de projetos na Lei Rouanet. Uma funcionária da pasta está envolvida, além de um grupo de empresários.


 


O ministro diz que ''todas as instituições se confrontam o tempo todo com desvios de conduta, infrações à regra'' e defende o desempenho do governo Lula no combate à corrupção. ''Esse governo faz mais do que os outros no prestígio às instituições de controle e investigação. Não é igual. Faz mais, pelo menos pela minha memória histórica. E olhe que venho acompanhando governos pelo menos desde Juscelino [Kubitschek (1956-61)].'' Para Gil, ''esperar que um governo tenha a capacidade de extinguir a corrupção é pedir muito, seja a quem for''.


 


TV Brasil


 


Defensor da atenção governamental às ''novas mídias e futuras'', desde seu primeiro mandato, Gil afirma que ''pode ser experimental'' a programação da TV Brasil, emissora pública federal prevista para estrear em dezembro, para a qual o secretário do Audiovisual Orlando Senna foi designado diretor.


 


''Quem disse que a televisão vai ser superada? Sem a TV, a internet seria apenas um correio eletrônico'', diz Gil.


 


Na opinião do ministro da Cultura, ''o grande atrativo da internet foi poder trazer a imagem dentro dela. Foi um golpe que a televisão não esperava sofrer tão cedo. Mas sofreu e teve que entender que a televisão é um microssistema nas comunicações. Não é tudo. Acabou a fase de uma coisa ser tudo. Acabou! Agora é democracia. É diferente''.


 


Nos cinco anos de gestão Gil, a superposição das atividades do ministro e do artista ensejou questionamentos sobre eventuais conflitos de interesses. No mês passado, a Comissão de Ética Pública, vinculada à Presidência da República, considerou ''impróprio'' o uso de uma composição de Gil em comercial do banco Itaú. A propaganda reedita comercial de 1997.


 


Gil diz que o parecer da comissão não o incomoda, porque ''é da atribuição da Comissão de Ética fazer juízos desse tipo. Mas a questão do juízo é outra coisa. Aí posso discordar, como discordo''. Para o ministro, ''a suposição do conflito [entre sua atividade de ministro e seus interesses artísticos] é que leva a Comissão de Ética a dizer que não é adequado [o episódio do comercial]. É uma pressuposição. O fato mesmo é que tudo foi transparente e normal'', conclui Gil.