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Influência da bancada ruralista prejudica combate ao trabalho escravo

Grupo impediu que emenda que expropriava fazendas fosse votada em 2º turno. O ex-secretário de Direitos Humanos Nilmário diz que setores do governo, como o Ministério da Agricultura, também não ajudaram na aprovação. PSDB e DEM são os partidos onde os rur

A bancada ruralista cresceu 58% na atual legislatura da Câmara dos Deputados, segundo levantamento feito neste mês pela ONG Inesc (Instituto de Estudos Socioeconômicos) e divulgado na edição de hoje do jornal Folha de S. Paulo. São 116 deputados (22,6% do total) contra 73 na legislatura 2003-2007. 68 uralistas estão em partidos de centro-direita que hoje integram a base de sustentação do governo, como PP, PMDB e PR que sempre abrigaram nas suas fileiras políticos conservadores. Mas é nos partidos da oposição, sobretudo DEM e PSDB, que estão os principais responsáveis pelo bopicote às ações do governo de combate ao trabalho degradante.


 



Entidades não-governamentais, setores do governo e parlamentares da situação atribuem à bancada ruralista parte da responsabilidade pelo andamento arrastado de 11 projetos que têm algum tipo de punição a fazendeiros acusados de fomentar o trabalho análogo à escravidão.


 



O subprocurador-geral do Trabalho, Luís Antônio Camargo de Melo, confirma a influência dos ruralistas. “O poder da bancada ruralista é real, é um grupo de parlamentares muito organizado. Atuam de forma articulada, independentemente de partido político. É um grupo que consegue fazer com que algumas matérias tenham um andamento mais lento”, disse Melo à folha de S. Paulo.


 



Uma delas é a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 438/2001, que prevê a expropriação de propriedades rurais com incidência de trabalho escravo. Ela chegou a ser aprovada no Senado, em dois turnos, e foi votada em primeiro turno na Câmara, em 2004, mas não entrou mais na pauta para a segunda votação. Uma das líderes da bancada no Congresso, a senadora Kátia Abreu (DEM-TO), disse que o grupo decidiu não votar a emenda enquanto não seja redefinido o conceito de trabalho escravo.


 



O presidente da Câmara na época da primeira votação, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), descreveu o papel dos ruralistas na discussão: “A bancada ruralista atuava sempre através dos líderes partidários, apresentava os pontos de vista e participava dos debates no plenário…e fez um grande esforço para que a PEC não fosse aprovada”, diz Aldo.


 



O deputado lembra também que a câmara tentou uma redação que permitisse a votação e, portanto, a aprovação e o governo se empenhou na aprovação da PEC, mas o esforço acabou não dando resultado.


 



O ex-secretário dos Direitos Humanos do governo Lula (2003-2005), Nilmário Miranda (PT-MG), confirma que os ruralistas articularam um movimento contrário à PEC por meio dos líderes partidários: “A senadora Kátia Abreu era deputada na época, ela foi uma das próceres para impedir aquilo de qualquer maneira”. Segundo ele, “há uma grande mobilização dentro da Câmara para impedir qualquer chance de aprovação da PEC”.


 



O ex-secretário alegou que o governo “não abandonou a idéia” de aprovar a PEC, mas reconheceu que “sempre houve dificuldades, dentro da própria base do governo há contradições”. Além disso, “não é segredo que há áreas do governo que não concordam [com a PEC]. O próprio Ministério da Agricultura na época não tinha nenhum entusiasmo por isso. Não trabalhava contra, mas não ajudava. Acho que ele não fez exatamente porque uma reação expressiva de um setor”.


 



Resistência


 



Segundo Nilmário Miranda, o ex-ministro Roberto Rodrigues “não usou todo o potencial” para ajudar na aprovação da matéria. “Acho que ele não fez exatamente porque houve uma reação expressiva de um setor que votava com o governo na maioria dos casos”, afirmou.


 



Segundo Nilmário, a Câmara “tinha um compromisso” de colocar a matéria para votar, mas isso ocorreu apenas em primeiro turno. “Entre o primeiro e o segundo turnos, aconteceu alguma coisa, eu não sei o que foi”. O ex-presidente da Casa, Aldo Rebelo lembra o que aconteceu: “Havia receio de não obter os votos para aprovação e a matéria ir para arquivo, e os líderes tentaram encontrar uma redação que permitisse uma apreciação da matéria. E isso não foi alcançado”.


 



Um deputado ruralista assim definiu a bancada, sob condição de não ter seu nome divulgado: “Eles estão presentes em quase todas as bancadas. Tinham uma referência importante no Ministério da Agricultura [ex-ministro Roberto Rodrigues], não tinham uma relação boa com o governo, [tinham] uma desconfiança grande do Lula. Eles têm uma pauta de reivindicação muito ampla, que vai da questão dos juros e do crédito dos recursos para safra, passa pelo preço dos insumos (…) e vai até as questões mais sensíveis e polêmicas, como reforma agrária e trabalho escravo”.


 



Uma tese de doutorado defendida na USP (Universidade de São Paulo) neste mês pelo cientista político Leonardo Sakamotto vê uma relação entre a morosidade na apreciação dos projetos anti-escravagistas e as doações de campanha eleitoral.


 



Segundo ele, empresas agropecuárias acusadas de trabalho escravo, seus donos e parentes fizeram doações nas eleições de 2002 e 2004 que ajudaram a eleger dois governadores, cinco deputados federais, três deputados estaduais, três prefeitos e um vereador. Ele apontou ainda três deputados federais, um estadual e três prefeitos entre proprietários ou parentes de donos de fazendas autuadas por suposto trabalho escravo.


 



Sakamoto é coordenador da ONG Repórter Brasil e seu representante na Comissão Nacional para a Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae).


 



A Folha de S. Paulo não revelou o nome dos políticos listados na pesquisa de Leonardo Sakamotto. O jornalista mantém um blog no portal iG ( http://blogdosakamoto.blig.ig.com.br/ ).


 



Caso Pagrisa


 



Um dos episódios mais reveladores sobre a atuação nefasta da bancada ruralista ocorreu recentemente no Pará, logo após o Ministério do Trabalho ter denunciado que a empresa Pagrisa, uma usina de álcool e açúcar no Pará, explorava seus trabalhadores submetendo-os à condições degrandetes.


 


No início de julho, 1.064 trabalhadores (a maior parte, cortadores de cana) da Usina Pagrisa tiveram seus contratos rescindidos, depois que fiscais consideraram que estavam em situação análoga à de trabalho escravo. A Petrobras suspendeu a compra de álcool da usina, em razão do relatório.


 



A usina apoiada pelas entidades empresariais do Pará recorreram ao Senado, que instaurou uma comissão especial externa, de oito senadores, para averiguar as rescisões. O presidente da comissão, Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), e mais os senadores Romeu Tuma (DEM-SP), Kátia Abreu (DEM-TO), Flexa Ribeiro (PSDB-PA) e Cícero Lucena (PSDB-PB) foram até a fazenda e soltaram nota, posteriormente, afirmando que a Pagrisa oferece condições adequadas de trabalho, contestando a fiscalização do ministério.


 



Por causa da interferência, a secretária de Inspeção do Trabalho, do Ministério do Trabalho, Ruth Vasconcelos Vilela, suspendeu em 26 de setembro as ações de fiscalização de combate ao trabalho escravo.As ações só foram retomadas na segunda semana de outubro, depois que o Ministério do Trabalho anunciou parceria com a AGU (Advocacia-Geral da União) para dar respaldo as ações.


 



Da redação,
com informações da Folha de S. Paulo e do site Repórter Brasil