Airton Monte: Saudade das saudades

Saudade, torrente de paixão, emoção diferente como poeticamente aprendi numa antiga canção que meu pai gostava de ouvir nas tardes de domingo, depois do vinho, da macarronada e do jogo do Botafogo. Morro de saudades do velho Estoril dos meus trinta anos,

Ah, que saudades olorosas do pé de jasmim que havia no jardim de minha avó Maroca. Saudades dos pores do sol no Leblon, quando o Rio de Janeiro era como se fosse minha mais nova amante e grávida de mim. Saudade do Abrigo Central que parecia um mercado persa no centro da Praça do Ferreira, onde aprendi que personagens literários podem ser gente de verdade. Saudades das férias em Majorlândia, eu procurando imaginários tesouros de pirata por entre as dunas e os pés de murici. Saudades do Aracati e seus casarões coloniais.


 


Saudade do Grupo Escolar Rodolfo Teófilo e da primeira professora chamada Denise, que era bela feito um cartão postal. Saudade das peladas vespertinas do campinho de areia da Igreja dos Remédios, onde a turma da rua Dom Jerônimo era sobremodo imbatível, graças ao talento de Irajá, Jaimezinho, Manel Orelhinha, Jairo, Paulinho Cinco Mil Réis e o “loucutor” que vos fala. Ah, que saudade dos seriados do Cine Rex com Flash Gordon, Fu Manchu, Tarzan e Nyoka, a rainha das selvas. E eu era tão menino, tão livre, tão inocente de tudo.


 


Saudade das festinhas de debutantes, das tertúlias do Maguary, do rum Bacardi, do Grapette, das jardineiras do Prado, do meu Colégio Cearense, das quermesses da praça Coração de Jesus. Ah, que saudade da primeira vez num corpo de mulher, da alegria do primeiro livro publicado, do primeiro poema que escrevi e que, por acaso, chamava-se “Saudade”. Saudade dos amigos que já se foram para as Terras do Nunca Mais. Saudade de tudo que já vivi ou imaginei e um medo danado de nunca mais sentir saudade de nada.


 


 


Airton Monte é cronista do jornal O Povo