Joan Edessom – Apontamentos de viagem

O PCdoB vive uma um dos melhores períodos de sua história e no Ceará muitas filiações de prefeitos, personalidades políticas e lideranças populares atestam um crescimento do partido no Estado e sua expansão no interior. Para acolher os novos filiados c

Sobral, 10 da manhã. Do pequeno avião descem Inácio Arruda, Senador do PCdoB; Patinhas, presidente estadual do PCdoB; Lula Morais, deputado estadual; e Andréa Oliveira, jovem dirigente do Partido e integrante da assessoria parlamentar de Inácio. À espera, um punhado de militantes comunistas de Sobral. Pela frente, uma longa jornada que inclui visita a três cidades, todas com atividades do Partido. Mal descem da aeronave, Inácio, Lula e Patinhas são abordados por repórteres que os esperavam. As perguntas de praxe: o que vieram fazer, como está o PCdoB local, o que Inácio tem a dizer sobre Renan, etc, etc. Dentro do previsível.


 



O primeiro compromisso é na cidade da Meruoca, no topo da serra do mesmo nome. A cidade fica a 670 metros de altitude, com uma temperatura média de dezenove graus, embora, nesta época do ano, os dias sejam mais quentes. De Sobral até lá são pouco mais de vinte quilômetros. Na saída do aeroporto, uma pequena disputa com Inácio Arruda. Quero que Andréa vá em meu carro. Andréa é uma velha e querida amiga. Inácio diz que não deixa, e ''escala'' Patinhas para ficar comigo. Patinhas, além de presidente estadual do PCdoB, é um velho camarada e amigo. Integrei a comissão estadual de organização do PCdoB quando ele era o seu secretário, no início dos anos de 1990. Andamos em muitos municípios do Ceará por essa época. Quando fiz o meu primeiro deslocamento, por decisão do Partido, para o município de Acaraú, foi ele quem me comunicou a decisão. Será uma boa companhia, embora eu preferisse a presença feminina de Andréa.


 



Quando nos preparamos para entrar nos carros, uma boa surpresa. Em frente ao Aeroporto de Sobral, há uma pequena construção. Os pedreiros e serventes nos vêem. Começam a cantar: Ô Inácio, Ô Inácio, homem da luta do povo… O refrão se tornou conhecido do Ceará inteiro. Inácio pára, cumprimenta-os. O povo o reconhece, como senador, como seu senador, como um dos seus.


 



Sigo na frente. O carro que traz Inácio vem logo atrás. Cruzamos com uma caminhada de estudantes da Universidade Estadual Vale do Acaraú. Reivindicam a construção da residência universitária e do restaurante. Pelo retrovisor vejo que Inácio desvia, vai encontrar a caminhada, desce do carro e fala para os estudantes, seguido de Lula Morais. Dificilmente ele deixaria passar uma manifestação de estudantes sem ter com eles.


 



Seguimos em frente. Conheço bem a estrada, sigo mais rápido, em meia hora chegamos à Meruoca. Logo depois chegam os outros. O primeiro compromisso é na Câmara dos Vereadores. Inácio recebe o título de cidadão meruoquense. A solenidade se estende, termina depois de uma da tarde. Seguimos da Câmara para o salão paroquial da cidade, onde são anunciadas trinta e duas novas filiações. Saímos de lá mais de duas da tarde, para um parada no restaurante Brisa da Serra. O grupo reúne mais de cinqüenta pessoas, dentre elas o prefeito da Meruoca, João Coutinho, e a presidente da Câmara, vereadora Nenén, proprietária do restaurante. Saímos às pressas, descemos a serra rápido. Patinhas se deslumbra com a vista da cidade de Sobral, no sopé da Meruoca, entre a serra e o rio Acaraú. Descendo a serra a gente avista o sertão, a depressão sertaneja cearense, como chamam os geógrafos.
Às quatro da tarde temos um ato de filiação em Sobral, mais de setenta novos comunistas. Um ato amplo, com presença do prefeito Leônidas Cristino, do presidente da câmara, vereadores de Sobral e mais três municípios. Os comunistas de Sobral estão animados com as novas filiações e felizes com o sucesso do ato. Novamente demoramos muito, os jornalistas cercam Inácio na saída, temos dificuldades em deixar o prédio da Câmara.


 



Na seqüência, a cidade do Graça, a setenta quilômetros de Sobral, no pé da Serra Grande da Ibiapaba. Patinhas continua comigo. Andréa me abandonou, preferiu a companhia do senador comunista. Mais uma vez seguimos na frente. A vinte quilômetros de Sobral, no distrito do Aprazível, mostro a Patinhas uma feira, uma feira regional, de confecções, que atrai milhares de compradores e vendedores da zona norte do Ceará e de vários municípios do Piauí. Começam a chegar, armar suas barracas, para as vendas que se darão no sábado.


 



O Graça é uma cidade pequena, vamos direto para a casa da prefeita, Augusta Brito, que se filia ao partido naquela noite. Uma pequena multidão se acotovela em frente e dentro da casa. O município está em festa, nos festejos da padroeira. Festa também para a filiação da prefeita. Tão logo os outros chegam saímos em caminhada até a Câmara dos Vereadores. Passamos por um parque, pela praça do forró, uma pequena multidão nos acompanha. O Graça é um município pobre, a prefeita é uma jovem que agora se filia ao Partido. Demonstra seriedade, demonstra vontade de mudar os indicadores sociais do seu município. A Câmara é pequena para tanta gente. Depois do ato vamos para a praça. Um número de dança de crianças e adolescentes. Organizado por militantes da UJS local, por Zé e Marcos, irmãos. Marcos é um jovem, presidente do PCdoB no município, que recebeu a prefeita Augusta, vereadores e lideranças e se esforça pra integrá-los ao Partido. Compreende a grandiosidade da tarefa, assimilou bem a vinda dos novos filiados. Depois da dança uma apresentação de quadrilha. O grupo de quadrilha faz uma homenagem a Zumbi dos Palmares, nos emociona. Encantam os presentes.


 



Saímos do Graça às onze e meia da noite. Patinhas está empolgado, conversa sobre as possibilidades do partido, sobre os desafios que nos esperam, sobre o trabalho das novas direções municipais e estaduais, sobre os desafios da formação, a tarefa de formar centenas e milhares de novos militantes em mais de cem municípios do Ceará. Quando passamos na feira do Aprazível, por volta da meia-noite, uma multidão de pessoas já se acotovela para vender e comprar. Trabalhadores, donas de casa, mulheres em sua maioria, em busca de mercadorias mais baratas. O povo luta para sobreviver.


 



Aeroporto de Sobral, 00:30. Inácio, Lula Morais e Andréa já nos esperam. Embarcam imediatamente. Inácio e Lula se declaram muito satisfeitos, partilham da empolgação do Patinhas. Quarenta minutos de vôo naquele pequeno e frágil avião até Fortaleza. Chegarão as suas casas às duas da manhã. Espero que o avião ganhe altura, só então saio.


 



Vou para casa. Boa parte da cidade dorme, apenas os bares e seus noctívagos plantonistas. No mercado público, caminhões já desembarcam hortifrutigranjeiros. Os trabalhadores descarregam as mercadorias. Paro num quiosque, tomo café. O cansaço bate de uma vez de só, como se desabasse sobre mim. Quase uma da manhã. Há quase um quarto de século, quando fiz minhas primeiras pichações, na clandestinidade, saía de casa por volta dessa hora, para evitar a repressão. Penso no partido que éramos e no que somos agora. Acabo de ver a filiação de uma prefeita, acabo de presenciar três grandes atos políticos, em três cidades diferentes, com o PCdoB como protagonista. Aquele que no começo da minha militância era uma emergente liderança comunitária hoje é senador do povo do Ceará, senador comunista.


 



Vou para casa. Tão logo fecho à porta ouço barulho, vozes altas, correria, freadas de carros. Saio. A polícia prende cinco jovens. Armados, acabam de se envolver em uma briga. Olho para eles, tão jovens, pobres, sem perspectiva de vida. Ainda falta muito para fazer por esse país.


 



Entro com cuidado em casa, meus filhos dormem, não quero acordá-los. Reclamaram da minha ausência. Dormem, em seu quarto, perguntaram por mim, por que eu demorava tanto, mas agora dormem. Penso neles, penso no quanto tenho me afastado deles, inúmeras tarefas profissionais me deixam pouco tempo para estar com eles. Quase choro, pela culpa, por dar tão pouco do meu tempo para eles. Mas penso nesses jovens que acabaram de ser presos, na sua miséria, na sua falta de perspectiva. Penso no sertão, nesse meu imenso e belo sertão, nesse triste, valente e miserável sertão. Penso na festa que foi esse dia de hoje, essas três atividades tão importantes para o PCdoB. Penso no Brasil. Penso que precisamos transformar esse país em ''festa, trabalho e pão''.


 



E então, ao invés do choro, um leve e breve sorriso. Foi um bom dia de trabalho. Valeram à pena essas quinze horas ininterruptas de atividades. Posso dormir em paz. Amanhã será um novo dia. Um dia de trabalho. Um dia de luta. Pra que o mundo seja melhor.


 



 
*Joan Edessom de Oliveira da Comissão Política Estadual do PCdoB no Ceará. Poeta, contista, é professor universitário e Diretor da Escola de Formação Permanente do Magistério, em Sobral-CE.