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Gerson Camata incita violência contra negros no Senado

O senador Gerson Camata (PMDB-ES) disse nesta quarta-feira (15) no plenário do Senado que “há risco de uma guerra racial no Brasil”. Advogando em nome da Aracruz Celulose, principal finaciadora de sua campanha em 2002, o senador defendeu a empresa que dis

O programa Brasil Quilombola coloca em prática o estabelecido no decreto 4887, assinado em 20 de novembro de 2003, que regulamentou o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes dos quilombos. Esse direito já está previsto no Artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, da Constituição Federal de 1988.


 


Porém, parlamentares, multinacionais e latifundiários não aceitam as medidas do programa e promovem intensa campanha contra o decreto. No ES, o conflito passou a ganhar a mídia que, assim como Camata, ínsita o racismo como resposta a mobilização dos quilombos pelas suas terras.


 


Para o coordenador nacional da União dos Negros Pela Igualdade (Unegro), Edson França, a declaração do Senador é uma reação a maior consciência e organização que quilombolas passaram a ter a partir da implementação do programa.


 


“A luta pelo reconhecimento de terras das comunidades quilombolas é antiga, assim como os conflitos. A diferença é que com o governo Lula a questão da promoção da igualdade racial passou a ter mais visibilidade, em especial para os quilombolas”, disse.


 


“O programa veio neste sentido e, com acesso a educação, saneamento e saúde, além de inúmeras outras iniciativas do governo, as comunidades passaram a tomar mais consciência e organização. Isto está deixando muita gente de cabelo em pé”, completou Edson.


 


Ligações perigosas


 


Não é à toa que um dos atores mais preocupados com a organização das comunidades quilombolas seja o senador Gerson Camata. Na eleição de 2002, a empresa Aracruz Celulose – que invadiu terras da região norte do ES pertencentes a quilombos – foi a principal financiadora de sua campanha, doando R$ 250 mil.


 


O deputado federal Valdir Colatto (PMDB-SC), no embalo de Camata, também apresentou em Brasília (DF) um projeto que propõe a derrubada do decreto assinado pelo Presidente Lula e o fim do programa.


 


Em um recente pronunciamento, Colatto afirmou que a demarcação de territórios quilombolas é uma “ameaça ao direito de propriedade.” Foi neste período que Camata falou em guerra racial pela primeira vez no Senado. “A regularização das terras está baseada em ‘um direito falso’ e pode gerar uma ‘guerra no país’'', teria dito o senador cabipaxaba.


 


Ironia


 


Para defender os interesses da Aracruz nesta quarta (15), Camata usou de ironia ao qualificar os empresários da empresa como “agricultores familiares, que dependem do cultivo de pequenas extensões de terra para seu sustento.”


 


Segundo o senador, esses “agricultores” bloquearam por duas horas a BR-101 no sábado (11) contra o programa Brasil Quilombola. O motivo? A notificação no ano passado pelo Incra (Intituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) – responsável por executar a titulação de terras pelo programa Brasil Quilombola – de que as áreas que lhes pertencem serão desapropriadas para 12 comunidades.


 


Camata ainda afirmou que os “agricultores são pessoas pobres, sem recursos para pagar advogados que apresentem recursos contra as desapropriações junto ao Incra”; e revelou com indignação que se, depender do procurador regional da República, Paulo Jacobina, os “agricultores” estão condenados a perder suas terras.


 


Opressão


 


A integrante da Comissão Quilombola de Sapê do Norte, no Espírito Santo, Maria Aparecida Marciano, considera um absurdo as declarações e reforça que Camata está agindo em nome da AraCruz . ''Não é ele que vive a nossa realidade. Ele é um dos parlamentares bancados pela AraCruz que só visita o povo na hora que quer voto”, falou.


 


Ela também destacou a resistência dos quilombolas. “Por outro lado, nós estamos resistindo nas comunidades apesar de tudo que já passaram nossos antepassados. Nós, com todas as dificuldades, com toda a escravidão que ainda continua, estamos aqui resistindo a toda esta opressão'', completou.


 


No município de Conceição da Barra (ES), os quilombolas de Sapê do Norte ocuparam no dia 23 de julho uma área que, de acordo com o Incra, pertencente à Comunidade Quilombola de Linharinho, porém a multinacional AraCruz Celulose, instalada na região, se nega a deixar as terras.


 


Ocupação


 


Assim que ocuparam as suas terras no dia 23, a comunidade de Linharinho passou a cortar o eucalipto da multinacional. Eles também iniciaram plantios de mata atlântica, de sementes de milho, de feijão, de abóbora, de côco e banana, ganhando espaço na terra identificada como quilombola. Casas de estuque, mais de 23 ao todo, passaram a ser construídas com a contribuição de outras comunidades quilombolas do Sapê do Norte.


 


Os índios Tupiniquim/Guarani se somaram a ocupação dos quilombos e em conjunto, atividades sobre a cultura quilombola e indígena passaram a ser realizadas no acampamento.


 


Depois de quatro dias de ocupação, chegou a primeira reação da Aracruz Celulose. No dia 26 de julho, representantes do governo do estado e da Justiça, acompanhados de 20 carros da Polícia Militar (PM), vieram notificar a comunidade do ganho de reintegração de posse por parte da empresa – que obteve sua liminar em apenas três dias. Como os quilombolas se negaram a assinar o documento de notificação, negociou-se um novo prazo para o seu recebimento. Foi apenas uma trégua temporária.


 


Recuo


 


Passados 20 dias, o acampamento foi surpreendido no último sábado (11 de agosto) – curiosamente a mesma data do ato dos “agricultores familiares” de que fala Camata – pelo Batalhão de Missões Especiais.


 


Mais de 100 policiais fortemente armados e protegidos com colete a prova de balas estiveram no local para fazer o despejo. Rejeitando novamente a liminar, os quilombolas se negaram a assinar o documento expedido por juiz substituto da Vara Federal de São Mateus, Leonardo Marques Lessa, e evitaram o enfrentamento físico com o Batalhão. A polícia e homens da Aracruz Celulose desfizeram as construções e apreenderam todos os materiais e pertences dos quilombolas que estavam na área.


 


Apesar da tristeza de verem seu trabalho e a ocupação ruírem em questão de horas, os quilombolas não desanimaram. ''Não desistiremos de lutar por nossos direitos!'' dizia uma das faixas que levou a comunidade. Eles avaliam que ação se deu em função do amplo apoio que a Aracruz obteve da Justiça, da PM e do governo do estado para fazer valer sua liminar de posse.


 


Além disso, a comunidade antes reduzida a 147 hectares de terra, obteve Portaria publicada no Diário Oficial da União no dia 14 de Maio de 2007, assinada pelo presidente do Incra, Rolf Hackbart, o direito a 9.542,47 hectares – 82% deles hoje invadidos pela Aracruz. A portaria foi parte de umas das decisões do programa Brasil Quilombola.


 


O programa


 


“Muitos governos passaram pelo País sem que nada fosse feito a respeito do direito assegurado na Constituição sobre os quilombolas. O governo Lula se diferenciou em relação a isto, já que pela primeira vez temos um programa que não só prevê titulação de terra – com tudo que se tem direito, inclusive indenização – como também assegurou que todos os programas sociais do governo chegassem às comunidades”, disse Edson França, coordenador nacional da Unegro.


 


Edson disse que tem críticas na política de promoção da igualdade racial do País, “mas se há um grande acerto por parte de Lula na pasta, ele está no tratamento dado à questão quilombola.”


 


Ele afirma que há uma disputa dentro do governo sobre a implementação de programas sociais para as comunidades. “Todo programa social quer chegar nos quilombos”, argumenta. “Isso, além de ajudar a promover maior consciência numa parcela marginalizada ao longo de séculos, revela inteligência por parte de um governo. Como a titulação de terras – objetivo primeiro do programa – é muito lenta em função da burocracia, Lula compensa as comunidades com a implementação dos programas sociais”, concluiu.    
  


Disputa


 


Outro árduo defensor do programa é o senador Sibá Machado (PT-AC). Ele disputou no Senado com Gerson Camata, na quarta-feira (15), o objetivo do programa. “O programa atende a objetivos estratégicos que visam ao desenvolvimento sustentável, com garantia de que os direitos dos quilombolas sejam elaborados e também implementados”, disse Sibá e completou, “Lula busca readequar os princípios da política que orientam a sua ação para este segmento étnico, dando-lhe maior objetividade na busca de superação dos entraves jurídicos, orçamentais e operacionais, que impediam a plena realização dos seus objetivos.”


 


Aliado de peso na questão também é o presidente do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), Luciano Coutinho. Ele afirmou em um encontro, realizado no íncio de agosto, com os movimentos sociais que levará a frente a reivindicação de que o Banco não apóie empresas que desconsideram direitos adquiridos, como posse terras de comundidades indígenas e quilombolas, trabalho escravo e infantil ou falta de critérios ambientais, entre outros.


 


A Secretaria da Promoção da Igualdade Racial (Sepir) estima que há no Brasil 2.466 comunidades quilombolas. Destas, 851 já são reconhecidas oficialmente. Durante o governo Lula 31 territórios, referentes a 38 comunidades, já conquistaram titulação de suas terras. Há ainda 377 processos de titulação, sendo que destes 322 estão transitando. Eles correspondem há 122 territórios (Dados do Boletim Nº 13/2007 do Ipea – Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).


 


*Com informações do Centro de Mídia Independente e da Agência Brasil