Quilombolas do CE são tema de pesquisa

A pesquisadora Cecília Holanda trabalha no intuito de conscientizar as comunidades quilombolas sobre seus direitos

No Ceará há negros, e eles são o motivo da luta da pesquisadora Cecília Holanda. Há nove anos ela visita as comunidades quilombolas de seis municípios cearenses, fazendo um levantamento de dados demográficos, territoriais e históricos. A partir desses dados, a pesquisadora procura levar ao conhecimento da população cearense a existência desses quilombos e, principalmente, lutar pela criação de políticas públicas para os negros no Estado. Além disso, Holanda conversa com as lideranças comunitárias, no intuito de conscientizá-los a respeito dos seus direitos e as informa sobre eventos e projetos sociais específicas para as comunidades.


 


A pesquisadora atua nos municípios de Horizonte, Pacajus, Beberibe, Fortaleza (Serviluz), Novo Oriente e Tururu. Original do Rio de Janeiro, Cecília reside no Ceará há 15 anos. Ela explica que a maior dificuldade encontrada pelo negro, no Ceará, é a invisibilidade. “Trabalho em comunidades negras de seis municípios cearenses, mas sei que há muito mais. Mesmo assim, há pessoas que dizem que aqui não tem negros”, desabafa.


 


“O negro não se vê na sociedade”, é a tese de Holanda. E é essa falta de exemplos que faz com que a maioria dos jovens negros sintam que não há perspectiva de futuro. A pesquisadora explica que é exatamente isso que ela quer mudar, com a divulgação de suas pesquisas e a luta pelos direitos da população negra no Ceará.


 


Para ela, o mapeamento das comunidades quilombolas, realizado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra)/CE, recentemente, “é muito importante para a visibilidade do negro no Estado”, destaca.


 


Trata-se de comunidades quilombolas antigas, que agora estão começando a ser mapeadas e, assim, reconhecidas como tal. “Estimo que as 79 comunidades registradas por um professor de Pará não representam nem a metade do real número de quilombos no Ceará. Em mais de 100 dos 184 municípios cearenses, há comunidades quilombolas. São tanto quilombos rurais, quanto quilombos urbanos, formados por negros que fugiram do Interior do Estado para tentar encontrar trabalho em Fortaleza”.


 


De acordo com a pesquisadora, há muitas comunidades negras que ainda não solicitaram ao Incra o reconhecimento oficial de comunidade quilombola. Segundo Holanda, há vários motivos para isso.


 


Uma comunidade quilombola é reconhecida como tal se ela se autoidentifica como sendo um quilombo. “Esse requisito dificilmente é cumprido, por existir preconceito grave contra os negros”, explica. “No Ceará, as pessoas negras preferem ser chamadas de ‘morenas’, do que reconhecer suas verdadeiras origens”. O fato se deve, de acordo com a pesquisadora, à história de escravidão, imbutida ainda na sociedade cearense.


 


“Os integrantes dessas comunidades me contam de seu receio e medo de assumirem que são negros. Uma vez uma mulher me falou que prefere se esconder atrás de árvores, do que ser vista por um branco”, ressalta. Segundo Holanda, alguns municípios já criaram políticas públicas específicas para as comunidades quilombolas que abriga, mas há vários que ainda não se interessaram pela causa.


 


Incra também faz mapeamento


 


Há um ano, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) no Ceará deu início ao trabalho de mapeamento das comunidades quilombolas no Interior do Estado. Até hoje, apesar de o órgão já ter recebido a solicitação de acompanhamento de 15 comunidades cearenses, no momento, está trabalhando em apenas 4 delas. Trata-se da comunidade de Queimadas, em Crateús, a comunidade de Base Retiro e Caetanos, em Pacajus, a comunidade de Alto Alegre e Adjacências, em Horizonte, e a comunidade de Bastiões, no município de Iracema.


 


O chefe da Divisão de Ordenamento Fundiário do Incra/CE, Flávio José de Sousa, explica:  “O trabalho do Incra/CE é difícil com a falta de antropólogos, precisamos de apoio de sedes de outros estados e de Organizações Não Governamentais (ONGs) para nos ajudar no mapeamento e a conscientização da população desses quilombos”.


 


No momento são 15 os processos de comunidade quilombolas em trâmite, para serem reconhecidos e mapeados. “Sabemos que o número real de quilombos no Ceará é muito maior, mas para que a comunidade seja reconhecida como tal precisa solicitar a presença do Incra para o reconhecimento”, frisa Sousa. Ele explica que a falta de manifestação da população quilombola pode ser por medo e discriminação. “Muitas vezes, a população de um quilombo trabalha para um proprietário rural e receia perder o emprego uma vez solicitado o cumprimento de seu direito, que é a posse de terra, em conseqüência do reconhecimento do quilombo”, explica. Outro motivo, conforme Sousa, pode ser o desconhecimento da legislação referente às comunidades negras. “Por isso é tão importante o trabalho de pesquisadores como a Cecília Holanda, que ajudam a população a se conscientizar e conhecer as leis que funcionam à seu favor”.


 


Para que a comunidade seja reconhecida como sendo quilombola, qualquer integrante da pode enviar um ofício para o Incra, solicitando a presença de um equipe no local da comunidade, para registrar seus dados populacionais e territoriais.


 


Depois de registrados os dados, o Incra desenvolve um Relatório Técnico de Identificação e Delimitação (RTID) da comunidade, para ser publicado em Diário Oficial. “Depois dessa publicação, há 90 dias para que as pessoas se pronunciem contra os dados publicados. Há sempre quem discorda com as delimitações territoriais das comunidades, e essas pessoas podem recorrer à definição”, ressalta Flávio Sousa.


 


Após esse período, a comunidade é reconhecida como sendo quilombola, com direito à propriedade da terra que historicamente lhe pertence. “Delimitada o território, o grupo terá direito a sua terra”.


 


 


 


 


Fonte: DN