Kennedy Alencar: O que Lula e papa negociam em segredo?

O Brasil e o Vaticano continuam a negociar um acordo diplomático que versa principalmente sobre assuntos de interesse econômico e administrativo da Igreja Católica no Brasil. Nos dois textos elaborados até agora, a proposta do Vaticano e uma contraprop

No atual estágio das negociações, que são confidenciais, a Santa Sé analisa a contraproposta brasileira. Ela é resposta ao texto enviado ao Brasil antes da visita do papa Bento 16, em maio passado.


 


No documento original do Vaticano, houve pedido para o fim de eventual vínculo empregatício da igreja com padres e com os fiéis que prestam trabalho voluntário. Há muitos casos de padres que, após anos de sacerdócio, buscam na Justiça do Trabalho eventual indenização. O mesmo ocorreria com fiéis que, segundo o Vaticano, prestam trabalho voluntário e, por algum desentendimento ou dificuldade econômica, processam a igreja.


 


Na sua proposta, a Santa Sé reivindicou: ''Não se reconhece vínculo empregatício entre os ministros ordenados ou fiéis consagrados mediante votos e as dioceses ou institutos religiosos equiparados a que pertençam, quais quer sejam as tarefas e funções que, neles, desempenhem''.


 


A igreja pediu a mesma regra para os fiéis com um adendo: assinar ''espontaneamente'' um ''contrato regular de voluntariado'' no qual renunciariam ''a qualquer direito por serviço às instituições eclesiásticas''.


 


Legislação


 


Na contraproposta, o Brasil disse que o vínculo dos padres e fiéis é de ''caráter religioso, observado o disposto na legislação trabalhista brasileira''. Em outras palavras, não será possível atender ao pedido da igreja.


 


Como as negociações secretas ainda continuam, o Vaticano poderia insistir nesse ponto. Em tese, Lula poderia atendê-lo, mas precisaria modificar a legislação brasileira. Ou seja: uma batalha dura no Congresso que ele não pretende travar


 


O governo considerou que esse e outros pedidos do Vaticano contrariavam o princípio da separação entre estado e igreja. Também calculou o risco político de dar privilégios aos católicos e desagradar a outras religiões. Abriria um precedente que poderia gerar uma enxurrada de pedidos de outras religiões.


 


No encontro que teve com o papa Bento 16, em maio passado, Lula disse que não poderia atender ao texto original do Vaticano, mas prometeu negociar outro até o final de seu mandato, em 2010. É o que ele tem feito. Se houver acerto em breve, Lula poderia visitar o papa nos próximos meses e assinar o acordo.


 


Pontos aceitos


 


Além do fim de eventual vínculo empregatício, o Itamaraty e diversos outros ministérios recomendaram rejeição aos seguintes pleitos católicos: regras específicas para doações serem abatidas do Imposto de Renda, livre acesso de missionários a áreas indígenas e ensino religioso católico facultativo nas escolas públicas.


 


Acabaram aceitos pontos que não causam polêmica, como o reconhecimento da personalidade jurídica da Igreja Católica. Foi contemplada na contra proposta brasileira a garantia de direitos, imunidades, isenções e benefícios previstos na lei brasileira, direito que qualquer pessoa jurídica teria. Ou seja, não avança além do que já existe.


 


Haverá ainda empenho do poder público para que o planejamento urbano preveja espaços para fins religiosos e também cooperação para preservação do ''patrimônio histórico, artístico e cultural'' da igreja.


 


Reivindicações atendidas parcialmente: estudar regras para anular casamentos religiosos, dar visto a estrangeiros em missão pastoral e reconhecer ''títulos e qualificações acadêmicas de estudo universitário'' do Brasil e do Vaticano.


 


Ressalvas


 


A proposta do Vaticano tinha 24 artigos. O Brasil a reduziu a 21. O acordo institucionaliza juridicamente as relações Brasil-Santa Sé. Atualmente não existe tal acordo. O Vaticano, estado reconhecido pela Organização das Nações Unidas, tem tratados semelhantes com cerca de 70 países, como Venezuela e Israel.


 


Lula, que se disse surpreendido positivamente quando encontrou o papa em maio, deseja fazer uma concessão política moderada a Bento 16.


 


Os textos em negociação entre Brasil e Vaticano fazem ressalvas a dois diplomas legais que já existem na relação entre ambos. O decreto 119-A, de 7 de janeiro de 1890, no qual a república consagrou o princípio de liberdade religiosa, a não-interferência do Estado nesse assunto e o reconhecimento da personalidade jurídica de todas as igrejas e confissões.


 


Esse decreto tem apenas sete artigos e foi editado dois meses após a proclamação da República. Outro acordo pontual é um de assistência religiosa às Forças Armadas, firmado pela Santa Sé e o Brasil em 1989.


 


Fonte: Folha Online


 


Leia também: Por abuso sexual, Igreja deve R$ 1,2 bilhão a 500 pessoas