“Fabricando Tom Zé” retrata nosso músico mais inventivo

Por Eduardo Viveiros (Omelete)
Fato: Tom Zé é o músico mais inventivo do Brasil há décadas. A partir de sua genialidade tortuosa, de quem se considera um péssimo compositor, mais suas experimentações com canções populares e a escola de música

Tropicalista por natureza, que nunca precisou do movimento para se justificar, se mantém coerente até hoje – afastado das multidões brasileiras por malvadeza do destino.


 


Fato: o público brasileiro tem a péssima mania de ignorar o que é produzido perto do seu próprio umbigo, numa seqüência infeliz de autovandalismo patriótico. A coisa só muda de figura quando o pau-brasil é apadrinhado pelo povo acima da linha do Equador. A síndrome da colônia ainda vai até a medula.


 


Diante disso, é excepcionalmente bom ver o músico retratado em um bom documentário como é este Fabricando Tom Zé (2007), primeiro filme de Décio Matos Jr. O diretor paulistano conseguiu resgatar um bocadinho da figura de Tom, antes que algum cineasta estadunidense o fizesse. Ponto pra nós.


 


Produzido a duras penas, sem dinheiro e parco patrocínio, Fabricando merece louvor por dissecar seu personagem sem excesso de distanciamento ou firulas dramáticas construídas. Pelo contrário, o longa é tão sincero quanto o músico, que não tem papas na língua e é um dos poucos medalhões da sua época que não perde seu tempo em politicagens. É um trabalho de carinho do diretor pelo seu astro, como este tem pela sua música, suas rosas e sua esposa.


 


História em segundo plano


 


A estrutura do filme é simples e eficiente. A linha narrativa é uma turnê que Tom Zé fez pela Europa em 2005. À medida que os shows avançam, a biografia do músico é rapidamente passada a limpo: da sua infância em Irará, na Bahia, à integração com os tropicalistas, as décadas de ostracismo e sua redescoberta através dos ouvidos de David Byrne, que o levou para a glória no Hemisfério Norte.


 


Mas a história de Tom Zé fica em segundo plano no filme, em face de seu pensamento todo particular. Adotando a câmera da equipe como sua aliada, e não como uma intrusa na rotina, o músico se abre para a gravação. Daí vem as relações com sua banda, o amor de 35 anos pela esposa, suas teorias musicais.


 


A seqüência mais impressionante do filme surge daí, quando Tom esculhamba a produção do Festival de Montreux e revela toda uma posição político-musical sobre o tratamento dos estrangeiros sobre as culturas subdesenvolvidas.


 


Nesse foco, a música do compositor passa ao largo, sem uma abordagem mais detalhista, o que pode frustrar parte da audiência. Mas com personagem tão profundo, é difícil analisar tantas facetas em hora e meia de filme. O assunto renderia facilmente um Fabricando Tom Zé II, III…


 


Em tantas histórias, o único defeito de fabricação do longa se fia justamente no episódio “Tom Zé vs. Tropicalistas”, quando o músico se separou do grupo, caiu no esquecimento e foi alvo de uma suposta “conspiração” para diminuir sua importância da época.


 


Faltou ali uma espremida maior, para tentar esclarecer a história. Caetano Veloso e Gilberto Gil fazem um mea-culpa em seus depoimentos, Tom parece disfarçar um certo rancor e o acontecido continua como uma das histórias mal explicadas da MPB.