Paulo Nogueira Batista Jr: A crise asiática, dez anos depois

Em julho de 1997, teve início no leste da Ásia uma crise econômica que marcaria época. Ela começou na Tailândia, mas logo se espalhou para outros países da região, atingindo de forma grave a Indonésia, a Malásia, as Filipinas e a Coréia do Sul. Todos eles

Depois de alguns anos de intenso sofrimento, essas economias se recuperaram e voltaram a crescer de forma sustentada. Mas a crise influenciou de maneira duradoura a forma como os asiáticos conduzem as suas políticas financeiras e as suas relações internacionais.



Transcorridos dez anos, quais as lições tiradas por eles? Primeira: os sistemas financeiros e as contas externas devem ser administrados com grande cuidado. Isso levou, de um lado, ao aperfeiçoamento da regulamentação e da supervisão das instituições financeiras. De outro, os países passaram a seguir políticas econômicas externas mais prudentes, registrando superávits nos balanços de pagamentos em conta corrente e acumulando reservas internacionais. Alguns países adotaram regimes cambiais flexíveis. Outros introduziram ou mantiveram controles sobre os fluxos de capital.



A acumulação de reservas funciona como um mecanismo de auto-seguro e está ligada, em parte, à insatisfação com a maneira como o FMI lidou com a crise de 1997. Entre os asiáticos, prevalece a avaliação de que o Fundo impôs condições duras e atuou de maneira lenta. Essa foi a segunda lição: o FMI não merece confiança total. Por extensão, os asiáticos tiraram uma terceira lição: a cooperação financeira regional é vital.



Foi esse ambiente que levou à Iniciativa de Chiang Mai, lançada em 2000, com participação da China, do Japão, da Coréia do Sul e dos dez membros da Asean, a Associação das Nações do Sudeste Asiático (Brunei, Camboja, Cingapura, Filipinas, Indonésia, Laos, Malásia, Mianmar, Tailândia e Vietnã). Criou-se uma rede de acordos bilaterais de “swap”, que tem dois objetivos centrais: a) proporcionar apoio a países que experimentem problemas de liquidez de curto prazo; e b) complementar os esquemas financeiros internacionais já existentes. Atualmente, a rede de acordos bilaterais de “swap” soma mais de US$ 80 bilhões, consistindo de 16 acordos entre oito países.



Em maio deste ano, os 13 países resolveram dar um passo adicional e “multilateralizar” a Iniciativa de Chiang Mai. Será criado um arranjo auto-administrado de compartilhamento de reservas, governado por um único acordo contratual. A implementação desse novo passo ainda pode levar algum tempo, pois envolve entre outros aspectos o desenvolvimento de mecanismos de monitoramento (“surveillance”) e a definição das quotas e dos mecanismos de ativação dos empréstimos de emergência.



Parece claro, entretanto, que os asiáticos caminham, passo a passo, sem grande alarde, para criar uma espécie de Fundo Monetário Asiático.



O FMI que se cuide. O Fundo não é uma verdadeira instituição multilateral. Continua sendo um clube controlado em larga medida pelos Estados Unidos e pela União Européia. Se continuar assim, outras regiões do mundo tenderão cada vez mais a buscar mecanismos próprios de proteção financeira, em nível nacional e regional.


 


Paulo Nogueira Batista Jr é economista e diretor-executivo no FMI. Este artigo foi publicado na edição desta quinta-feira (12) na Folha de S.Paulo