Fidel faz autocrítica de Cuba e ataca desigualdade no país

O presidente cubano Fidel Castro atacou nesta quarta-feira (11), em mais uma reflexão publicada pela imprensa cubana, “a desigualdade e os privilégios irritantes” surgidos no país desde a introdução do dólar e do peso conversível, em 1993.

“Esse dinheiro às vezes cria desigualdades irritantes em um país que se esmera pelos serviços gratuitos que oferece a toda população”, escreveu Fidel, no 26º artigo que escreve desde 29 de março deste ano.



O líder cubano aprovou a circulação do dólar na ilha em 1993, no momento mais severo da crise econômica provocada pelo fim da União Soviética, chamado de “período especial”.



Fidel afirmou que o referido período foi aliviado, mas que muitos problemas persistem. Por isso, elogiou medidas anunciadas pela União da Juventude Comunista, que, a fim de economizar gasolina, reduziu o número de brigadas de estudantes enviadas para atividades de trabalho manual.



Confira abaixo a íntegra do texto:



Autocrítica de Cuba



A direção nacional da União da Juventude Comunista (UJC) anunciou a seguinte medida, ao concluir um relatório: “No sábado, 7 de julho, o escritório nacional da Juventude Comunista decidiu ajustar o plano de forças para a mobilização das Brigadas Estudantis de Trabalho (BET), seguindo o princípio de empregar os estudantes em tarefas de ordem social e recreativa, em número ajustado ao mínimo necessário e em seus municípios de residência, para evitar a necessidade de transporte”.



“A decisão foi discutida no mesmo dia com o estado-maior nacional das BET, formado por organizações estudantis e órgãos da Administração Central do Estado, e também com as direções da Juventude Comunista nas províncias.”



“Foi dada ênfase à idéia de um uso mais racional da força a ser mobilizada, com economia de recursos materiais, fundamentalmente o combustível, e tendo em vista o propósito de permitir que os estudantes utilizem o tempo para ampliar seus conhecimentos, incorporar hábitos de leitura e debater temas de grande importância.”



“Como resultado das decisões adotadas, só 200 mil estudantes terão de ser transportados, em julho e agosto, ante os 600 mil que constavam do plano original. Não foram realizadas mobilizações para acampamentos agrícolas ou escolas localizadas no campo cuja localização requeresse o uso de meios de transporte e outros recursos logísticos.”



“Este ano, a convocação durará apenas sete dias, para trabalho relacionado a tarefas da Revolução Energética, em companhia de trabalhadores sociais, tais como a capacitação de comunidades para uma melhor cultura de economia, a entrega de equipamentos eletrodomésticos cuja distribuição está pendente e visitas a alguns núcleos familiares que receberam os eletrodomésticos, assumiram as obrigações a eles relacionadas e não realizaram os pagamentos.”



“Também estarão presentes na luta antivetorial, para que a dengue não volta a surgir no país, e nos cuidados primários e secundários de saúde, em apoio a policlínicas e hospitais.”



“A promoção de atividades culturais, recreativas e desportivas nas comunidades será outra das tarefas atribuídas aos participantes das BET.”



“A UJC promoverá o estudo e o debate entre os mobilizados e os demais jovens.”



Eu devo felicitar a direção nacional da UJC, e também os responsáveis pelos departamentos de organização e ideológico do partido, que foram consultados por ela e apoiaram essa medida sem vacilação.



O trabalho físico não gera, por si, uma consciência. Cada trabalhador é diferente. Seu temperamento, seu organismo, seus nervos, o tipo de trabalho que ele realiza, o rigor das tarefas, as condições em que investe sua força sob o sol ardente ou em área climatizada, se está sendo pago por tarefa ou por tempo de trabalho, se tem hábitos disciplinados ou não, se dispõe ou não de todas as suas faculdades mentais ou padece de alguma deficiência, a escola em que estudou, os professores que teve, se sua atividade é ou não profissional, se a origem do trabalhador é rural ou urbana.


E, um ponto muito importante: se ele produz ou distribui bens ou serviços de qualquer tipo, quem são seus chefes, que imagem eles projetam, como falam, que aparência têm. Eu poderia ocupar muitas páginas falando sobre as diferenças individuais entre os trabalhadores. Por isso, o que requer mais cuidado aos cidadãos do nosso país são os conhecimentos, caso ele deseje criar uma consciência.



O preceito proposto por José Martí sobre a importância de vincular estudo e trabalho para a formação do homem nos levou, no passado, a promover a participação dos estudantes universitários, e até mesmo de alunos do segundo grau, em trabalhos físicos. Essa era, em primeiro lugar, uma necessidade inevitável. Precisávamos substituir o vazio deixado, então, pelo abandono maciço dos campos de cana, quando surgiam outras oportunidades de emprego para os trabalhadores rurais. O nível médio de conhecimentos era baixo demais, mesmo depois da campanha de alfabetização, do auge da campanha de educação primária em massa ou, posteriormente, da campanha de educação secundária básica. Nossos jovens compreenderam a necessidade e colaboraram com disciplina e entusiasmo.



Hoje, a educação superior se massificou, começando pelos médicos e educadores e continuando com os trabalhadores sociais, os da informática, os instrutores de arte –com a universalização dos estudos universitários para grande número de carreiras. É preciso fazer com que os neurônios trabalhem, se a pessoa deseja formar uma consciência, tão necessária diante da complexidade do mundo atual.



O propósito de estudar durante uma ou duas semanas, que este ano durará apenas sete dias, com material adequado fornecido aos participantes, gerará a satisfação de um tempo bem empregado e a consciência de que nossa sociedade necessita urgentemente.



Durante todo o ano, devemos nos manter informados sobre as questões essenciais e os detalhes daquilo que acontece em Cuba e no mundo.



Quanto aos assuntos econômicos concretos, acredito que em quase todos os países os cidadãos os ignorem de todo. É imprescindível compreender por que sobem os preços do petróleo, que na semana passada atingiu a cotação de US$ 77 por barril; por que sobem os preços dos alimentos, como o trigo e outros, que por motivos climáticos precisam ser importados; se a causa da elevação é permanente ou conjuntural.



Nem todos os trabalhadores recebem estímulos em pesos conversíveis, uma prática que se generalizou em grande número de empresas durante o período especial, sem que, em numerosas ocasiões, cumprisse os requisitos mínimos prometidos. Nem todos os cidadãos recebem do exterior moeda conversível, algo que não é ilegal mas que ocasionalmente cria desigualdades e privilégios irritantes em um país que se esforça por prover gratuitamente os serviços essenciais à sua população. Não vou mencionar os lucros suculentos auferidos por aqueles que transportavam moeda estrangeira clandestinamente, nem os truques que usaram para combater nossas medidas de repressão ao dólar por meio da conversão do dinheiro em outras moedas.



A falta real e visível de igualdade e a escassez de informações pertinentes gera opiniões críticas, especialmente nos setores mais necessitados.



É indubitável que em Cuba as pessoas que, de uma outra forma, recebem pesos conversíveis –ainda que nesses casos o montante seja limitado – ou aquelas que recebem dinheiro do exterior adquirem ao mesmo tempo, serviços essenciais gratuitos, alimentos, remédios e outros bens a preços ínfimos, subsidiados. Ainda assim, estamos cumprindo estritamente as nossas obrigações financeiras, exatamente porque não somos uma sociedade de consumo. Precisamos de administradores sérios, valentes e conscientes.



Aqueles que gastam gasolina a torto e a direito com nosso atual parque de veículos de todo tipo; aqueles que esquecem que sobem constantemente os preços dos alimentos e que as matérias-primas para a agricultura e a indústria, muitos de cujos produtos são distribuídos a todos com preços subsidiados, precisam ser adquiridas a preço de mercado; aqueles que se esquecem de que o país tem o dever sagrado de combater até a última gota de sangue e precisa gastar com matérias-primas e material de defesa diante de um inimigo que monta guarda permanente – todos eles podem comprometer a independência e a vida de Cuba, e com isso não se brinca!



Fiquei de cabelo em pé quando alguns dias atrás um distinto burocrata informou, na televisão, que, agora que o período especial se encerrou, enviaremos mais e mais delegações para tais e quais atividades externas.



“De onde saiu esse bárbaro?”, pensei. “Talvez Sancho Pança o tenha enviado a nós de sua ilha de Barataria.”



Em Cuba, o período especial se aliviou, mas o mundo recaiu em um período muito especial, e ainda não se sabe como poderá sair dele. Desperdiçamos bilhões de dólares em combustíveis. Não só por necessidades profissionais, o que seria uma tendência natural, mas também devido à necessidade de substituir dezenas de milhares de antigos motores soviéticos, de uma era em que nos sobrava gasolina, por motores chineses muito econômicos, com facilidades razoáveis de pagamento. Esse programa está atrasado.



Na economia mundial, os metais, como o petróleo, vêm subindo acima de seus padrões históricos, mas sofrem quedas bruscas.



No entanto, nada poderá remediar, em curto prazo, a necessidade de combustível para o transporte pessoal e público e as equipes agrícolas e de construção. Tudo é mecanizado, nos países desenvolvidos. Os viajantes nos contam que edifícios de todos os tipos são erguidos continuamente, e que as obras não param, dia e noite. As cidades se agigantam. Há cada vez mais milhões de pessoas que precisam de água potável, legumes, frutas e alimentos protéicos, que outros devem produzir e entregar, ocasionalmente depois de percorrer grandes distância. Também necessitam de rodovias de três ou quatro faixas de rodagem em todas as direções, de pontes e outras obras dispendiosas de engenharia. O menor acidente, um simples contato lateral entre dois veículos, paralisa tudo. Os gastos públicos são cada vez mais altos e a ajuda ao desenvolvimento cada vez menor.



O pior é que existem mais de 500 automóveis particulares para cada mil pessoas. Nos Estados Unidos, o total chega a quase mil por mil. As pessoas vivem longe de seus locais de trabalho. Cada uma delas tem uma garagem. Cada local de trabalho tem um estacionamento. As refinarias não dão conta. Muitas precisam de ampliação, e novas usinas devem ser construídas. A matéria-prima das refinarias é o petróleo, e quanto mais pesado ele for, maior volume é necessário para refino. Há muito tempo não surgem grandes descobertas de petróleo leve. Greve na Nigéria, guerra no Iraque, ameaças ao Irã, os velhos conflitos políticos na Europa, um maremoto, um ciclone causam disparada dos preços. Os velhos e os novos consumidores em larga escala demandam milhões e milhões de barris adicionais ao dia. Ao mesmo tempo, também avançam os planos de construir novas usinas nucleares. Não discutirei aqui os perigos ambientais e climáticos, mas as incertezas que tudo isso causa na economia real.



Depois de gastar uma montanha de ouro destruindo o Vietnã, o presidente Richard Nixon substituiu o ouro por cédulas de papel, sem que as pessoas se inteirassem das conseqüências. O desenvolvimento tecnológico dos Estados Unidos era tamanho, sua capacidade de produzir bens agrícolas e industriais era tão grande e, especialmente, o poderio militar do país era tão imenso que a substituição do ouro por cédulas não resultou em tragédia. Surgiu uma inflação de mais de 10%, que terminou controlada. Depois, veio o rearmamento dos Estados Unidos, financiado com dinheiro de papel, ao final da Guerra Fria, e a vitória da sociedade de consumo, que deslumbrava as nações com sua orgia de aparente bem-estar. Com papéis o império adquiriu boa parte das riquezas do mundo, e impôs suas leis a esses lugares, menosprezando a soberania das nações.



O dólar foi perdendo progressivamente o valor, até seu valor chegar a menos de 6% do que era na década de 70. Os especialistas estão desconcertados diante dos novos fenômenos. Ninguém está seguro quanto ao que vá ocorrer. Existe ou não razão para aprofundar a discussão desses temas?